Renegociação das PPP deixa menos poupança e mais obras para o Estado
Renegociação das PPP rodoviárias devolveu à esfera do Estado a responsabilidade pelos encargos com a construção e reabilitação, operação e manutenção de troços de estrada que antes estavam na alçada dos privados. A factura das grandes reparações ainda não começou a aparecer, mas as poupanças anunciadas não vão ser alcançadas.
A Infra-Estruturas de Portugal (IP) herdou a gestão directa e respectivos encargos de construção e reabilitação, manutenção e operação de uma rede de quase mil quilómetros de estradas com a renegociação das parcerias público-privadas (PPP). Trata-se de uma extensa rede de estradas que ajudou o Estado português a poder anunciar uma expressiva redução de encargos com as PPP rodoviárias — como havia sido imposto no programa de assistência financeira acordado com a troika —, mas cuja factura real das poupanças e dos encargos é ainda difícil de quantificar. Entretanto, as críticas e os protestos das populações abrangidas pelas modificações desses contratos já começaram a aparecer, destacando a diminuição da assistência e da iluminação das vias, ou as obras de fundo que por enquanto ninguém quer fazer.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Infra-Estruturas de Portugal (IP) herdou a gestão directa e respectivos encargos de construção e reabilitação, manutenção e operação de uma rede de quase mil quilómetros de estradas com a renegociação das parcerias público-privadas (PPP). Trata-se de uma extensa rede de estradas que ajudou o Estado português a poder anunciar uma expressiva redução de encargos com as PPP rodoviárias — como havia sido imposto no programa de assistência financeira acordado com a troika —, mas cuja factura real das poupanças e dos encargos é ainda difícil de quantificar. Entretanto, as críticas e os protestos das populações abrangidas pelas modificações desses contratos já começaram a aparecer, destacando a diminuição da assistência e da iluminação das vias, ou as obras de fundo que por enquanto ninguém quer fazer.
O facto de uma grande parte das renegociações não estar, de facto, ainda formalmente fechada (ou porque os privados ainda não conseguiram acordo com os sindicatos bancários que integram o capital, ou porque ainda não passaram no crivo do Tribunal de Contas) pode ajudar a perceber porque é que ninguém se entende com os números e quem é que tem a responsabilidade. O PÚBLICO pediu alguns números à IP, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição.
A guerra dos números à volta deste tema é, aliás, antiga. Se já é difícil apurar os dados definitivos nas concessões em que os contratos renegociados já passaram, inclusive, pelo crivo do Tribunal de Contas (TdC) — foi o que aconteceu com nove contratos (com seis concessões ex-Scut, Norte e Grande Lisboa) —, mais difícil ainda é contabilizar as poupanças nos contratos cuja renegociação ainda não está formalmente concluída.
Uma coisa, porém, pode já ser dada como certa: as reduções de encargos vão ficar muito longe dos 7,3 mil milhões de euros que chegaram a ser anunciados pelo então secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, para o total das concessões. Por exemplo, das nove concessões já fechadas, que o então governante dizia que iria permitir uma poupança de 3,8 mil milhões de euros, posteriormente, a Unidade Técnica de Apoio a Projectos (UTAP), junto do Ministério das Finanças, reduziu a estimativa do valor a poupar para 2,9 mil milhões de euros. E o actual ministro do Planeamento e das Infra-Estruturas, Pedro Marques, disse no Parlamento que essas poupanças não deverão ultrapassar os 700 milhões de euros.
As contas do actual ministro do Planeamento baseiam-se sobretudo nos contratos que já estão fechados e que o TdC disse que não necessitavam de visto prévio, por “ter sido alegado pela entidade concedente [Estado] que se traduzem em diminuição de encargos”. Porém, nessa mesma decisão, os conselheiros do TdC também recomendaram a fiscalização sucessiva destes contratos, porque repararam “que não existiam garantias de que o Estado não teria um aumento de encargos” ao ter acordado ser ele o responsável pelas grandes reparações destas vias.
É aqui que reside o principal problema, que será mais visível quando a factura das grandes reparações começar a chegar, e que vai obrigar a grandes investimentos do Estado. Como se pode ler no relatório do TdC, que analisou os contratos que resultaram da renegociação de nove concessões (mas também na nota técnica que a UTAP publicou em Novembro de 2016), ficou clara a assunção de custos adicionais e de redução de receitas para o Estado, isto é, para a IP. A UTAP explicava que as duas grandes razões que levaram às poupanças alcançadas foi a redução da taxa de rentabilidade dos accionistas (em alguns casos superiores a 2,5% e que permitiu uma redução bruta dos encargos em quase 50%) e a alteração do modelo de financiamento das grandes reparações, que garantiu a poupança bruta de 43% do valor inicialmente contratado.
A UTAP argumenta que os privados e o Estado concluíram que não havia necessidade “de efectuar grandes reparações com as cadências inicialmente previstas”, alegando que o que estava definido nos contratos e modelos financeiros eram obras de manutenção do pavimento de oito em oito anos, “sem consideração e avaliação da efectiva situação da infra-estrutura”.
Questionado pelo PÚBLICO acerca do acompanhamento que tem feito a estes contratos, o TdC responde que tem exercido o controlo e o acompanhamento aos contratos em causa, “quer em sede de fiscalização prévia quer de fiscalização sucessiva”. E anunciou que tem auditorias em curso em sede de fiscalização sucessiva. “É de salientar que o tribunal também avaliou no seu Parecer sobre a Conta Geral do Estado os impactos dos contratos em vigor, e alertou para os riscos associados às responsabilidades contingentes que decorrem desses mesmos contratos.”
Nas concessões renegociadas, para além da transferência da responsabilidade pelas Grandes Reparações para o Estado, em cinco destas concessões (todas do grupo Ascendi) previu-se uma cláusula que permite a prorrogação dos contratos por mais três anos e a apropriação das receitas de portagem pelas concessionárias. Nas subconcessões, e para além da transferência das Grandes Reparações, procedeu-se à redução do objecto dos contratos, implicando a não-construção/reabilitação de troços inicialmente previstos, bem como a transferência de troços já existentes para a gestão directa da IP e respectivos encargos de construção/reabilitação, operação e manutenção. Em todas as concessões e subconcessões, prevêem-se ainda mecanismos de partilha de benefícios com as (sub)concessionárias, incluindo as receitas de portagem.
Os nove contratos escalpelizados na nota técnica da UTAP, e que o TdC acabou por considerar não necessitarem de visto prévio, são as Concessões Interior Norte, Costa de Prata, Grande Porto, Beira Litoral/Beira Alta, Norte, Grande Lisboa, Algarve, Norte Litoral e Beira Interior.
No relatório do Orçamento do Estado para 2018, o Governo já incluiu nas previsões dos encargos relativos às PPP do sector rodoviário o valor esperado das poupanças que previa alcançar no âmbito dos processos negociais relativos às subconcessões Algarve Litoral, Baixo Tejo, Auto-Estrada Transmontana, Pinhal Interior Litoral Oeste e Douro Interior, algumas delas já com os respectivos processos negociais concluídos, outras ainda a discutir as cláusulas. Em todos os processos, falta ainda a apreciação do TdC.
Enquanto as facturas das grandes reparações não aparecem, fica a certeza acerca do orçamento que a IP reservou para o período 2018/2020 para a manutenção rodoviária, em toda rede nacional da sua responsabilidade (14 mil quilómetros): os concursos foram lançados este ano, têm uma base distrital e um valor global de 125 milhões de euros.