Atlanta: não há cidade como esta
A brilhante criação de Donald Glover está de volta para uma segunda temporada que mantém o nível de comédia e bizarria da primeira. A estreia é neste domingo, às 00h30, no FOX Comedy.
Atlanta, Geórgia. É este o cenário de Atlanta, a série cómica criada, protagonizada e às vezes realizada pelo incomparável Donald Glover. Estreada em 2016, segue o dia-a-dia de Earn, que desistiu da universidade e tenta singrar na vida a gerir a carreira do primo, um rapper emergente chamado Paper Boi, que também trafica marijuana. Earn, interpretado por Glover, tem uma filha com Vanessa, a ex-namorada com quem passa a noite, às vezes, por não ter casa própria.
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Atlanta, Geórgia. É este o cenário de Atlanta, a série cómica criada, protagonizada e às vezes realizada pelo incomparável Donald Glover. Estreada em 2016, segue o dia-a-dia de Earn, que desistiu da universidade e tenta singrar na vida a gerir a carreira do primo, um rapper emergente chamado Paper Boi, que também trafica marijuana. Earn, interpretado por Glover, tem uma filha com Vanessa, a ex-namorada com quem passa a noite, às vezes, por não ter casa própria.
Esta é a sinopse de Atlanta, mas é um pouco redutora. A série é muito mais do que isso. Sempre com uma vontade grande de fugir a convenções televisivas e o que se pode fazer numa comédia de 30 minutos, basicamente não se parece com nada que exista na televisão (ou fora dela). Tem toques surreais, como a existência de um Justin Bieber que é negro, ou ocorrências bizarras que nunca mais são referidas, como Quavo, membro do grupo de rap Migos, a alvejar alguém com uma caçadeira. Faz tudo isso sem trair as personagens, sem medo de reflectir a realidade e sem estar sempre a tentar provocar o riso, só a seguir as histórias destas pessoas e desta cidade. Ainda assim, que não restem dúvidas: a série é hilariante, quer (ou não) se conheçam as inúmeras referências mais ou menos oblíquas a pessoas e acontecimentos da vida real e memes da Internet.
Porém, não é só em termos formais que se distingue: apesar de felizmente existirem cada vez mais exemplos disso, ainda é raro ter pessoas negras a contarem as suas próprias histórias na televisão, a terem o controlo das suas narrativas e a porem-se no centro delas, sem serem filtradas por olhos de pessoas brancas. Podia ser só importante, mas é impressionante.
Era assim ao início e continua a ser assim na segunda temporada, que se estreia este domingo, às 00h30, na FOX Comedy. Esta leva de episódios tem um nome – algo que não acontece normalmente em séries: Robbin’ Season, uma referência à altura do ano em que, pré-Natal e na azáfama de gastar dinheiro, aumentam exponencialmente os assaltos na cidade que dá o nome a isto tudo. Tudo tratado como uma faceta do dia-a-dia comum, como quem diz que a vida é mesmo assim. E a bizarria continua: o primeiro episódio envolve o lendário e conturbado cómico de stand-up Katt Williams a fazer de um tio de Earn que tem um jacaré em casa e trancou a namorada no quarto por achar que esta lhe roubou dinheiro.
Atlanta faz parte integrante da história do rap norte-americano. De OutKast a Ludacris, de T.I. a Young Jeezy ou Gucci Mane, a cidade é um dos quartéis-generais do rap do Sul. Esse legado do cenário em que a série decorre está patente em Atlanta e mantém-se assim nesta época, que mostra Paper Boi — Brian Tyree Henry, um dos pontos altos de um elenco inacreditavelmente bom — a tentar navegar as portas que o sucesso lhe vai abrindo e quem se quer aproveitar dele. Isto mesmo que nós, espectadores, nunca tenhamos direito a ouvir muita da música que ele faz.
Henry e Glover não são as únicas faces de Atlanta. A rodeá-los continuam revelações Zazie Beetz, que faz da mãe do filho de Earn, alguém que a série não se esquece de explorar como um ser humano completo; ou Lakeith Stanfield, cuja personagem mora com Paper Boi. Da primeira para a segunda época, esses actores ficaram bem maiores: Beetz vai aparecer no próximo Deadpool e Stanfield impressionou em Foge, um filme que começa com uma canção do alter-ego musical de Glover, Childish Gambino.
Porque Glover não é só Atlanta e tem um pé noutras áreas. Além de músico e rapper, é cómico de stand-up, fez comédia de sketches na trupe de YouTube Derrick Comedy, escreveu para Rockefeller 30, foi do elenco de Community, teve um papel memorável em Magic Mike XXL, e vai aparecer ainda este ano a fazer de Lando Calrissian em Han Solo, Uma História de Star Wars, e no próximo a dar voz a Simba no remake em imagem real de O Rei Leão. Que seja absolutamente brilhante em quase tudo é quase um milagre, mas é mesmo isso que acontece. Esta Robbin’ Season é só mais uma prova disso.