OMS diz que saúde em Portugal precisa de “investimento público adicional”

Especialistas da Organização Mundial da Saúde e do Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde afirmam que é preciso combater os efeitos da crise sobre as famílias, melhorar os serviços e motivar os profissionais de saúde.

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É preciso motivar mais os profissionais de saúde, dizem peritos internacionais MARIA JOÃO GALA

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de mais investimento público para atenuar os efeitos da crise, melhorando infra-estruturas, equipamentos e motivando os profissionais. Precisa de investimento para fazer face aos desafios do futuro que não são exclusivos de Portugal mas que aqui parecem ter um peso maior: o envelhecimento da população e as doenças crónicas vão aumentar a pressão sobre o sistema.

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O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de mais investimento público para atenuar os efeitos da crise, melhorando infra-estruturas, equipamentos e motivando os profissionais. Precisa de investimento para fazer face aos desafios do futuro que não são exclusivos de Portugal mas que aqui parecem ter um peso maior: o envelhecimento da população e as doenças crónicas vão aumentar a pressão sobre o sistema.

As conclusões fazem parte do relatório Health System Review Portugal — elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na Europa e pelo Observatório Europeu dos Sistemas e Políticas de Saúde. Foi apresentado nesta sexta-feira, em Lisboa. A análise foi pedida pelo actual Governo. O trabalho só fica concluído em 2019.

Apesar de enaltecerem medidas como a alteração das regras do transporte de doentes não urgentes e a aposta na prevenção, os peritos são taxativos ao dizerem que “os efeitos directos da crise financeira sobre o sistema de saúde ainda permanecem, incluindo as piores condições dos equipamentos e edifícios e a perda de profissionais fundamentais”.

“O sistema de saúde teve de enfrentar muitos choques com a crise financeira, ao mesmo tempo que tem de fazer mudanças por causa das alterações demográficas e das doenças crónicas”, disse Charles Normand, especialista da OMS, referindo que o impacto da presença da troika podia ter sido pior, mas não teve custo zero.

“O acesso [da população aos cuidados] foi mantido, mas com um custo. Não houve praticamente investimento. Os equipamentos não duram para sempre e o que acontece é uma acumulação de necessidades. A motivação dos profissionais de saúde é baixa. Os profissionais gostam de fazer um bom trabalho e querem melhores condições para trabalhar As pessoas sairão do serviço público se não se encontrarem estratégias que as façam ficar”, apontou.

O também professor de gestão da saúde apontou o desequilíbrio geográfico provocado pela falta de profissionais em determinadas zonas, ao mesmo tempo que evidenciou a centralização que a crise trouxe e que limitou a autonomia dos serviços mais regionais e locais.

Segundo o relatório, os cuidados continuam muito centrados nos médicos e é preciso pensar na necessidade de transferir uma parte importante do trabalho dos enfermeiros para os cuidados de saúde primários e comunitários. Em relação a estes, apesar de ser a classe mais representada no SNS, o seu número (ver infografia) é inferior à média europeia. “Precisamos de ver isto como um trabalho de equipa. É errado ter uma proporção de enfermeiros tão pequena para o número de médicos que existe”, salientou Charles Normand.

O relatório refere ainda que os custos directos das famílias com a saúde aumentaram durante a crise. E apesar de os efeitos das taxas moderadoras não terem sido elevados, “há evidência de que em alguns casos levou a uma mudança no padrão de uso dos serviços”. Os peritos também recomendam uma melhor definição dos papéis dos sistemas público, privado — se são ou não complementares, por exemplo — e das parcerias público-privadas.

Em suma, “resolver estes problemas requer investimento público adicional”, afirma o relatório, que acrescenta que “à medida que a situação financeira o permitir é preciso planear um aumento do investimento público no sistema público de saúde”.

No mesmo dia em que as primeiras conclusões dos peritos internacionais foram apresentadas, muitos médicos vestiram-se de negro “para mostrar a profunda indignação com o que está a acontecer aos doentes e ao SNS”, disse o bastonário dos médicos, que se juntou à iniciativa #SNSinBlack que promete repetir-se, nos próximos tempos, todas as sextas-feiras.

“Esta política de saúde que está a ser seguida é errada”, afirmou Miguel Guimarães, referindo que o relatório veio confirmar o que há muito diz. “Os equipamentos estão na sua maioria fora de prazo, faltam médicos e os profissionais estão sujeitos a uma enorme pressão que ultrapassa o limite do aceitável. As condições de trabalho são fundamentais para atrair os jovens e os equipamentos essenciais para as boas práticas.”

Mais autonomia

Também para a bastonária dos Enfermeiros, as conclusões dos peritos não podiam ser diferentes. “É um retrato fiel do que se está a passar. Tem de acontecer alguma coisa. Tenho a esperança de que os políticos abram os olhos e façam de facto um pacto para a saúde. Esta não é uma questão de partidos, o pacto é urgente”, disse Ana Rita Cavaco, salientando que a desmotivação dos enfermeiros está muito ligada à falta de contratações e horas de trabalho a mais.

No final do encontro, o ministro da Saúde garantiu que Portugal está “a fazer uma recuperação em trajectória”, salientado os dados do Retrato da Saúde, livro que será apresentado hoje para assinalar o Dia Mundial da Saúde.

Lembrou o investimento que já está a ser feito nos hospitais e centros de saúde e adiantou que com a publicação, em breve, do decreto-lei da execução orçamental serão retomados progressivamente “os níveis de autonomia organizacional que permitam que as situações de substituição de recursos humanos e de aquisições possam ser novamente transpostas para o domínio institucional”. Sobre os enfermeiros, Campos Fernandes disse acompanhar a observação da OMS. “Portugal, ao longo dos últimos 30 anos, desequilibrou a composição relativa do esforço profissional, nomeadamente entre médicos e enfermeiros. Nos últimos dois anos recrutámos mais 3000 enfermeiros, mas estamos, claramente, ainda longe do que seria o número ideal.”