Bombeiros e peritos preocupados com atraso do Governo
Nos últimos anos, a directiva que estabelece os meios para os combates aos incêndios florestais foi sempre apresentada antes do final de Março. Este ano Março já lá vai há sete dias e ainda nada se sabe da directiva. Bombeiros e especialistas manifestam-se “preocupados” e “apreensivos” com os atrasos do Ministério da Administração Interna.
Não é só a publicação da nova Lei Orgânica da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) que vai ser atrasada cerca de dois meses, como assumiu o primeiro-ministro na passada quinta-feira no Parlamento. Igualmente atrasada está a Directiva Operacional Nacional, que estabelece os meios que integram o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF) de 2018. O ministro da Administração Interna, segundo garantem as associações de bombeiros, também tinha anunciado a directiva para finais de Março, como habitualmente acontece, mas também aqui falhou. Se a primeira, como afirma o ministro Eduardo Cabrita, "não vai ter nenhuma influência nos próximos meses", já a segunda é fundamental no imediato, pois determina quais os meios e como vão actuar no combate aos fogos florestais.
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Não é só a publicação da nova Lei Orgânica da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) que vai ser atrasada cerca de dois meses, como assumiu o primeiro-ministro na passada quinta-feira no Parlamento. Igualmente atrasada está a Directiva Operacional Nacional, que estabelece os meios que integram o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF) de 2018. O ministro da Administração Interna, segundo garantem as associações de bombeiros, também tinha anunciado a directiva para finais de Março, como habitualmente acontece, mas também aqui falhou. Se a primeira, como afirma o ministro Eduardo Cabrita, "não vai ter nenhuma influência nos próximos meses", já a segunda é fundamental no imediato, pois determina quais os meios e como vão actuar no combate aos fogos florestais.
O gabinete do ministro disse ao PÚBLICO que a directiva "estará pronta nas próximas semanas", mas não especifica qualquer data.
"Enfrentamos aquilo que são os problemas reais com respostas efectivas. Face à dimensão do problema, Portugal está mais preparado do que alguma vez esteve para enfrentar este problema", disse Eduardo Cabrita, na passada quarta-feira, durante a interpelação do CDS ao Governo sobre a "preparação da próxima época de incêndios".
No dia seguinte, quinta-feira, foi a vez de o primeiro-ministro se deslocar ao Parlamento para o debate quinzenal. Questionado pelo PSD sobre a nova Lei Orgânica da ANPC, António Costa afirmou: “Aquilo que prevemos é que, no próximo mês, a Lei Orgânica da ANPC e do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas possa ser aprovada em Conselho de Ministros.”
No dia 9 de Novembro do ano passado, quando tomou posse o novo presidente da ANPC, tenente-general Mourato Nunes, Eduardo Cabrita disse que este tinha até Março deste ano “o desafio” de apresentar "um novo modelo para" a Autoridade Nacional de Protecção Civil.
O ministro afirmou mesmo ser “necessária uma nova orgânica para esta nova missão da ANPC.” Já nesta sexta-feira, questionado pelos jornalistas sobre os atrasos na aprovação da nova lei orgânica, o ministro vincou que os novos quadros legais da ANPC mas também do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (AGIF) "não vão ter nenhuma influência nos próximos meses". As novas leis orgânicas, acrescentou, são "para o futuro, para vigorar em 2019" e, portanto, "não vão desestabilizar a estrutura", argumentou.
Para este ano é Directiva Operacional Nacional n.º 2, que estabelece os meios que integram o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF). Nos últimos anos foi sempre apresentada antes do final de Março. Este ano, Março já lá vai há sete dias e ainda não se sabe quando será revelada. Representantes dos bombeiros e especialistas ouvidos pelo PÚBLICO dizem-se “preocupados” e “apreensivos” com estes atrasos, especialmente com a directiva operacional.
“Estamos muito preocupados. Está tudo parado devido a estes atrasos”, afirma Fernando Curto, presidente da Associação Nacional de Bombeiros Profissionais (ANBP). “O tempo urge e falta saber quase tudo. A nova lei orgânica, a directiva operacional – não sabemos nada sobre o dispositivo -, o estatuto dos bombeiros profissionais…está tudo atrasado”, acrescenta, lembrando que, depois de conhecidos os diversos documentos, eles ainda vão ter de passar por um período de consultas, de propostas de alteração e aprovação “que podem levar a novos atrasos”.
“Estamos em Abril, mês de águas mil, e está a chover, mas o tempo pode mudar a qualquer altura. Esta é uma situação muito delicada", diz Fernando Curto.
Já Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), também se diz “preocupado com os atrasos”. “Se tivermos mais um ano difícil, e tudo indica que vamos ter, devido às alterações climáticas, estes atrasos podem vir a revelar-se muito complicados”, avisa. O dirigente da LBP acrescenta que “tudo o que devia ser conhecido até 30 de Março, e não foi, cria uma situação em que já começa a ser tarde para preparar tudo como deve ser”.
Na passada terça-feira foi publicada em Diário da República a revisão Sistema de Gestão de Operações (SGO), que define as funções, responsabilidades e níveis de decisão. Este documento também não satisfez Marta Soares, já que “não acolheu as propostas feitas pela LBP. “Ou melhor, acolheu aquelas que corrigiam erros primários e nem pagaram direitos de autor, mas as restantes não foram acolhidas.
Ameaça dos bombeiros
Face a isto, Marta Soares diz ainda que as corporações de bombeiros voluntários, “face desconhecimento de como vai ser feita a próxima época de combate a incêndios florestais”, podem vir a “recusar responder às actividades dependentes da ANPC”. “Estarão dispostos para responder às populações, já à ANPC vamos ver”, acrescentou o presidente da LBP, cujos dirigentes estiveram ontem reunidos para fazer um balanço das negociações com o Governo sobre o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais de 2018, que consideram “estar aquém do esperado”.
Domingos Xavier Viegas, coordenador do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra e autor de um relatório sobre o incêndio de Pedrogão Grande, desvaloriza o atraso da nova Lei Orgânica da ANPC. “O actual dispositivo [da ANPC] existe, é sólido e mantém-se em vigor”, afirma.
Não deixa, porém, de manifestar “alguma apreensão” pelo atraso da Directiva Operacional Nacional o que “causa alguma indefinição”. Mas mostra-se “confiante de que vão ser conseguidos os meios necessários para responder às situações que possam surgir”.
No mesmo sentido vai a opinião de José Manuel Moura, antigo comandante operacional da ANPC, afastado pelo Governo de António Costa em 2016, e que integrou a Comissão Técnica Independente que investigou os incêndios de Junho e de Outubro do ano passado. “O atraso da nova Lei Orgânica da ANPC poderia ser revelante, se houvesse alteração de pessoas na estrutura, o que parece que não vai acontecer. Já o eventual atraso da Directiva Operacional Nacional Nº. 2, que habitualmente é conhecida em Março, pode ser mais complicado, porque é esta que vai definir toda a estrutura.
O PÚBLICO contactou ainda três comandantes operacionais regionais, que se recusaram a comentar os atrasos devido à sua situação funcional, mas que consideraram que os dois documentos em causa são “importantes e balizadores” de todo o sistema operacional.