Um ministro sem ministério e sem dinheiro
António Costa cumpriu a promessa eleitoral do PS de voltar a dar um ministro à Cultura. Mas começa agora a ser óbvio que, sem meios financeiros nem autonomia administrativa, o estatuto de Castro Mendes é pouco mais do que simbólico.
Na sua recente “Resposta Aberta à Cultura”, António Costa volta a acenar com a recuperação do estatuto de ministro para o titular da Cultura como a prova dos nove de que este Governo “aposta na cultura e na criação como uma prioridade estratégica e um desígnio nacional”. A política de cultura, diz o primeiro-ministro nesse documento em que responde à intensa contestação gerada pelos resultados dos concursos da DGArtes, “afirma-se por um conjunto de opções: a primeira das quais na formação do próprio Governo e na sua orgânica, quando passa a haver ministro da Cultura e este ocupa o lugar imediatamente a seguir ao conjunto dos ministérios da soberania”.
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Na sua recente “Resposta Aberta à Cultura”, António Costa volta a acenar com a recuperação do estatuto de ministro para o titular da Cultura como a prova dos nove de que este Governo “aposta na cultura e na criação como uma prioridade estratégica e um desígnio nacional”. A política de cultura, diz o primeiro-ministro nesse documento em que responde à intensa contestação gerada pelos resultados dos concursos da DGArtes, “afirma-se por um conjunto de opções: a primeira das quais na formação do próprio Governo e na sua orgânica, quando passa a haver ministro da Cultura e este ocupa o lugar imediatamente a seguir ao conjunto dos ministérios da soberania”.
Mas o que a crise destes últimos dias veio tornar claro, com as sucessivas aparições do próprio António Costa a desencantar uns pares de milhões para que a DGArtes pudesse repescar algumas das estruturas que tinham ficado sem apoio, é que Luís Filipe Castro Mendes não tem nem a autonomia política e administrativa nem os recursos financeiros necessários para cumprir as promessas que o próprio programa eleitoral do PS elenca para o sector da Cultura, como inverter a “suborçamentação dramática” do sector ou reverter a “política precipitada” de fusões institucionais.
Como já sucedia com o seu antecessor, João Soares, é um ministro sem ministério e sem dinheiro. “Com o desmantelamento do Ministério da Cultura (MC) nos governos de Passos Coelho, foi nomeado um secretário de Estado da Cultura na dependência da Presidência do Conselho de Ministros (PCM), e agora existe um ministro da Cultura, mas a situação de dependência operacional da Secretaria-Geral da PCM nunca foi alterada”, resume o musicólogo Rui Vieira Nery, que dirigiu a Secretaria de Estado da Cultura no primeiro governo de António Guterres.
Sem uma lei orgânica própria, o sector da Cultura depende hoje da lei orgânica da Presidência do Conselho de Ministros, e o actual ministro gere a verba que lhe foi atribuída no âmbito do orçamento da PCM, mas para Nery “a questão central não é essa, é a decisão política de haver ou não um Ministério da Cultura autónomo e com um orçamento adequado”.
Para o professor Luís Fábrica, especialista em Direito Público, a inexistência de uma lei orgânica própria para o MC nem é algo sem precedentes nem constitui necessariamente uma desvantagem. “Se se trata de um ministério com uma dimensão maior, e com um conjunto complexo de entidades dependentes, pode ser necessário estabelecer uma estrutura orgânica mais autónoma e detalhada, mas se tiver um número limitado de atribuições e gerir um orçamento pequeno, não vejo necessidade de uma lei orgânica própria”, defende este jurista. “É perfeitamente possível que um ministro funcione nesta situação, e nem creio que seja um obstáculo de monta”, acrescenta. “A ideia de se dotar a Cultura com um ministério autónomo sempre se defrontou com a penúria das verbas atribuídas: é uma medida simbólica, com carga política, mas o sector até poderia talvez funcionar melhor com uma secretaria de Estado”.
De facto, várias das limitações financeiras e administrativas com as quais Castro Mendes hoje se defronta não desapareceriam com a existência de uma lei orgânica para o MC. “Uma grande parte dos organismos sob a sua tutela entram na categoria das Entidades Públicas Empresariais Reclassificadas, por não terem mais de 50 por cento de receitas próprias, e portanto estão sob a tutela do Ministério das Finanças”, lembra Vieira Nery. “O ministro da Cultura nomeia as chefias e define orientações estratégicas, mas o essencial da gestão orçamental é feita pelas Finanças, o que multiplica os procedimentos burocráticos”.
Mais significativa, argumenta, é a redução do âmbito de acção do MC. “O Ministério dos Negócios Estrangeiros já ficou com a política cultural externa e o ministro da Cultura também não pode mexer muito na organização administrativa, em particular para desfazer as fusões disparatadas do passado entre Museus e Património, entre Arquivos e Bibliotecas ou entre São Carlos e Companhia Nacional de Bailado, porque não pode haver reformas sectoriais antes da grande reforma da administração pública que está nas mãos da ministra da Presidência e da Modernização Administrativa”, Maria Manuel Leitão Marques.
E a estas limitações do que “devia ser a normal autonomia de um ministério sectorial”, soma-se “uma dotação orçamental que, descontada a verba da Comunicação Social, é a mais baixa de sempre da pasta da Cultura desde os governos de António Guterres”, nota ainda Vieira Nery. O que, para o sector, constituiu uma decepção tanto maior quanto as promessas do programa socialista e da corte que o próprio António Costa fez aos artistas durante a campanha eleitoral faziam antever um investimento significativo na Cultura.
Quem sabe se num futuro mais ou menos próximo não veremos o primeiro-ministro repetir o célebre mea culpa do seu antecessor José Sócrates, quando, em 2010, desafiado a indicar um erro da sua governação, afirmou: "Houve uma área em que reconheço que não tivemos os progressos que se registaram em outras: a cultura”.