Duplo Espaço: o atelier de Beatriz Brum e João Miguel Ramos
Laura Sequeira Falé gosta de ateliers e mostra-os no blogue Duplo Espaço. Desta vez, visitou o Brum Atelier
A Beatriz Brum (Ponta Delgada, 1993) sabia que queria ir para Artes antes do secundário, mas como a sua escola não tinha a área disponível recolheu assinaturas pelos colegas e conseguiu que abrisse o curso que queria. Viveu até aos 19 anos em São Miguel e quando foi visitar universidades, depois de um ano para pensar no que queria fazer, apaixonou-se pelas Caldas da Rainha. Foi, diz, um momento "piroso-romântico": chegou às Caldas no final de um dia difícil, olhou para o pôr-do-sol e achou que era ali que pertencia. Licenciou-se em Artes Plásticas na ESAD.CR.
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A Beatriz Brum (Ponta Delgada, 1993) sabia que queria ir para Artes antes do secundário, mas como a sua escola não tinha a área disponível recolheu assinaturas pelos colegas e conseguiu que abrisse o curso que queria. Viveu até aos 19 anos em São Miguel e quando foi visitar universidades, depois de um ano para pensar no que queria fazer, apaixonou-se pelas Caldas da Rainha. Foi, diz, um momento "piroso-romântico": chegou às Caldas no final de um dia difícil, olhou para o pôr-do-sol e achou que era ali que pertencia. Licenciou-se em Artes Plásticas na ESAD.CR.
O João Miguel Ramos (Ponta Delgada, 1994) viveu em Ponta Delgada até aos 18 anos e, tal como a Beatriz. foi estudar para o continente. Licenciou-se em Pintura no Porto, mas o curso desiludiu-o de certa forma porque contava com mais liberdade da parte de professores e colegas. Pensou que precisava de um tempo de pausa depois da licenciatura e regressou a São Miguel.
Já se conheciam antes da universidade, mas só quando regressaram a São Miguel e ganharam, ao fim de um ano, o prémio Jovens Criadores do festival Walk&Talk é que se juntaram e montaram atelier na garagem da avó da Beatriz, na Lagoa. Esta era a antiga carpintaria do pai e do avô, onde se construíam carroças. O espaço está dividido em duas áreas muito luminosas e amplas.
A área maior pertence à Beatriz e está repleta de pequenas imagens, fotografias, trabalhos terminados e latas de spray com cores fluorescentes. O seu antigo berço é um dos sofás e as cadeiras foram construídas pelo avô. A Beatriz fala muito e sempre com um brilho alegre nos olhos. Diz várias vezes que é muito mexida e que gosta de trabalhar rápido, de testar uma ideia nova a cada movimento e não tem muita paciência para esperar para que a tinta seque. É por isso que usa spray: o resultado fica logo à vista e se não gostar pode sempre deitar fora e começar outra vez, sem grande culpa por ter desperdiçado tempo.
O seu principal problema é a falta de acesso aos materiais: se acaba uma cor, não tem onde comprar o spray que quer, mas recentemente abriu o AKI em Ponta Delgada e, por isso, já não precisa de ir tantas vezes ao continente buscar material. Mesmo assim não pondera sair de São Miguel tão cedo porque sente que está a começar alguma coisa que tem pernas para andar, além de trabalhar numa instituição ligada às artes. É por ter outro trabalho que se sente mais estimulada e ter o dia dividido entre dois trabalhos fá-la pensar mais e sentir-se mais activa.
O João considera-se romântico. A sua divisão do atelier, mais pequena, com cavaletes e paredes ocupadas por telas, é um local onde se sente o tempo a passar mais lentamente. Tímido e sorridente, diz que gosta de passar todo o dia no atelier. Vai para lá de manhã e sai ao final do dia como um operário. Pode ficar muitas horas à volta do mesmo trabalho sem se aborrecer e o difícil é fazer com que a mente não viaje para outros sítios. É um exercício de concentração que lhe dá muito prazer.
Gostaria de sair de São Miguel, mas este ano é para trabalhar ali, no silêncio, no meio do verde e do azul. Por vezes, encontra-se com a Beatriz no atelier e são as conversas entre os dois que o fazem resolver questões que surgem acerca do seu próprio trabalho. Sente que os trabalhos se contaminam o mínimo possível porque vão em direcções diferentes e não há competição.
A nova geração de artistas dos Açores
A Beatriz considera o seu trabalho muito próximo da fotografia, trabalhando com transparências, sobreposições de cores e projecções. Mas não é nem pintura nem fotografia. O João trabalha sobre equilíbrio e gosta de estar no intervalo entre a escultura e a pintura. Este é o ponto que os une: não se consideram pintores, nem escultores, nem se limitam numa definição. Trabalham no espaço entre as disciplinas e é aí que se aprofundam e que exploram os seus trabalhos.
Ambos falam com entusiasmo e orgulho por pertencerem a uma geração nova de artistas dos Açores. O arquipélago mudou nos últimos anos, com as viagens low cost e o crescimento de turistas. É possível ir a São Miguel pelo mesmo preço que se vai ao Porto, é possível trabalhar nos Açores e ter exposições a decorrer no continente sem dificuldade. Até há uns seis anos não era assim e os Açores eram culturalmente mais pobres. As artes também foram impulsionadas por festivais como o Walk & Talk e o Tremor, apesar do João sentir que ainda não é suficiente. Diz-me que o Porto, mesmo tendo uma faculdade mais conservadora, tem uma vida diferente e que precisa disso para se sentir estimulado.
A identidade micaelense é importante no discurso dos dois e é claro que se sentem em casa ali, nunca tendo assumido como lar os locais onde estudaram. São Miguel foi de onde vieram e sempre que precisarem de limpar a cabeça aquela será a sua casa. Sair da ilha é sinónimo de regressar um dia e isso é evidente quando a Beatriz conta que por vezes se abstinha de fazer trabalhos com maiores dimensões enquanto estudava nas Caldas porque não sabia como transportá-los "de regresso" a casa.
O Atelier Brum está aberto ao público e a inauguração deu-se há uns meses. A Beatriz não deseja ficar parada e quer receber artistas no atelier que possam partilhar o espaço consigo. Quer que o espaço tenha vida e quer que o seu trabalho evolua também por contacto com outros artistas. Está neste momento a fazer mestrado em Artes Plásticas, mas terminou o mestrado em Gestão Cultural em Setembro. Fazia-lhe falta saber como gerir arte, que é o que não lhe ensinaram na faculdade.
Ambos acham impressionante que não se aprenda a gerir uma carreira artística. Esse mestrado obrigou-a a distanciar-se do seu trabalho enquanto objecto emocional e a olhar para ele enquanto inserido num mercado. Foi duro, mas é preciso.