“Os reitores estão a boicotar a integração de precários”
Ainda há muito por fazer nesta legislatura, como negociar com professores, para as escolas não pararem, avisa Catarina Martins. Para já, o BE testa o PS com voto sobre reformas antecipadas. E desafia PCP a não ajudar os patrões na taxa sobre contratos a prazo.
O Governo deve “responsabilizar as chefias que estão a minar a integração de precários”, diz Catarina Martins em entrevista ao PÚBLICO e Renascença. Para ler aqui ou ouvir às 12h.
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O Governo deve “responsabilizar as chefias que estão a minar a integração de precários”, diz Catarina Martins em entrevista ao PÚBLICO e Renascença. Para ler aqui ou ouvir às 12h.
O BE assumiu na polémica do concurso de apoio às artes um protagonismo grande nas críticas ao Governo. Tem saudades de fazer oposição?
O BE não deixou nunca de ter as suas posições e opiniões, na Cultura como no resto. A política não é uma questão de claques, é uma questão de ideias, de lutar pelas ideias, pela forma como se pode andar para a frente. E há momentos em que temos convergência com o Governo e há momentos em que não temos. Temos também um acordo que fizemos, naquilo que achámos que eram condições para o país melhorar e em que era possível o BE participar — e cumprimos esse acordo. Mas, veja, não concordamos com esta situação [na Cultura], também não concordámos com a venda do Banif. Ou, quando o Governo quis baixar a TSU das empresas como contrapartida à subida do salário mínimo, chamámos essa medida ao Parlamento e chumbámos essa medida. Clareza na política é isso.
Outra das matérias em que as divergências à esquerda são acentuadas é na questão laboral. O Governo levou propostas à Concertação Social, depois de as estudar com o BE. Agora o PCP manifesta-se crítico. Acha que o tema pode ser um problema para esta maioria?
Há uma diferença entre as medidas que são propostas e as que falta propor. Onde diria que existe desencontro entre BE e o Governo é nas medidas que o Governo não apresenta e que, do nosso ponto de vista, eram importantes.
Que são?
Medidas que têm que ver, por exemplo, com a contratação colectiva – o Governo continua a não avançar com elas. Aí a nossa divergência não é sobre as medidas apresentadas, é uma omissão gigantesca. Quando não há contratação colectiva, o que acontece, como está a acontecer no nosso país, é que uma pessoa que está a trabalhar há dez anos está a ganhar o mesmo que uma que acabou de entrar. Porque não há uma contratação colectiva que valorize essa progressão salarial. E a direita alterou o Código do Trabalho de maneira a tornar muito fácil aos patrões anunciarem unilateralmente que uma convenção de trabalho deixava de existir, sem negociarem uma nova. E com isto deixaram os trabalhadores num vazio. É óptimo para quem quer uma economia de baixos salários, é péssimo para quem quer um país digno para se trabalhar.
E como é que pretendem resolver essa omissão?
Como tudo até agora. É difícil? É. Negoceia-se, faz-se pressão, há tensão. A política é mesmo isso.
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Na próxima legislatura, para haver um novo acordo, o PS tem de ceder e recuar à lei laboral pré-troika?
Nós estamos nesta legislatura e ainda falta muito tempo. No BE não desistimos de nenhum dia que temos nesta legislatura nas medidas que são essenciais. Eu não quero estar a especular sobre próximas legislaturas, quando posso estar nesta, agora, a lutar por melhores condições laborais.
Então vamos a uma medida que foi acordada com o BE: o PCP já disse recusar a taxa sobre as empresas com alta rotatividade de contratos a prazo. Se o PCP chumbar esta medida, aceita ver uma alternativa com o Governo?
Nós não conhecemos essa medida em pormenor, pelo que ainda não sabemos se a podemos acompanhar ou não. Estava no programa do Governo a ideia de uma taxa de rotatividade, que as empresas com mais contratos a prazo pagassem mais TSU. O Governo teve a ideia de contrapor quem paga mais e quem paga menos, ou seja, ia descer a TSU para a generalidade dos casos. Faz parte do acordo com o BE não descer a TSU das empresas, porque a contribuição das empresas para a Segurança Social é uma obrigação básica para a assegurar a sustentabilidade da Segurança Social. O que o Governo agora está a propor não é isso: é que, aferindo-se a taxa de contratos a termo num determinado sector, empresas que tenham mais possam pagar um extra. Os patrões não querem esta medida, porque está calculado que dê uma receita de 70 a 90 milhões de euros à Segurança Social. Eu, à partida, não vejo por que é que havemos de fazer esse favor às confederações patronais.
Não receia que, na Concertação, essas medidas acordadas com o BE possam vir a ser alteradas?
O Parlamento é que decide e vota.
Mas também há decisões em que, quando há um voto contra anunciado pelo PCP, como aconteceu nas regras para os recibos verdes, o Governo pode decidir por decreto.
Não vou especular sobre as votações face a uma medida cujo desenho concreto ainda não conhecemos. E também não especulava sobre a posição do PCP, porque tradicionalmente o PCP também não tem ficado ao lado das confederações patronais – e a maior oposição que eu conheço à medida é delas.
O BE tem insistido numa segunda fase de “despenalização” das pensões antecipadas de carreiras mais longas. O Governo já lhe deu garantias de que esta segunda fase possa avançar este ano?
A nossa posição de princípio é que quem tem 60 anos e 40 de carreira contributiva não deve ter o corte do factor de sustentabilidade na sua pensão – era importante para a própria economia. Temos uma população mais velha muito cansada e uma jovem qualificada que quer ter a sua possibilidade no mundo do trabalho. O Governo fez uma proposta para as muito longas propostas contributivas que começou com a medida em Outubro que acabou com todas as penalizações para quem começou a trabalhar antes dos 15 anos – e tinha uma carreira de 46 anos aos 60... E prometeu que em Janeiro avançaria uma segunda fase, para quem já tem 63 anos e 42 de carreira; e no próximo ano para os 60/40. Esta era a calendarização que o Governo apresentou à Concertação e aos parceiros de maioria. De facto, o Governo depois não executou esta segunda fase, era em Janeiro.
Suspendeu-a, mesmo.
Achamos que isso é um erro, há até situações de uma enorme injustiça e desigualdade. Como é que exigimos a estas pessoas que continuem a trabalhar, muitas vezes em empregos com poucas qualificações e salários baixos, pelo que o corte nas pensões as colocam ao nível de miséria? Nós temos dia 11 um agendamento na AR e vamos levar ao Parlamento para votos a proposta do Governo, com a ideia de que o Governo deve cumprir aquilo que propôs.
De Vieira da Silva não teve nenhuma garantia?
Acho muito complicado ao PS votar contra a proposta do seu Governo.
Há outro assunto pendurado entre Governo e BE, que é o da integração dos precários. Chegámos a Abril e essa integração continua a ser lenta, em algumas áreas como educação e superior a integração continua a gerar dúvidas. Percebe porquê? Acha que alguns ministérios não querem resolver o problema?
É um dos projectos mais importantes e de mais difícil execução. Sobre isso não há dúvidas. O Estado tem dependido muito do trabalho precário – e as pessoas arrastam-se, às vezes, há dez, 20 anos, sempre com vínculo precário. Isto é um ataque aos direitos de quem trabalha... No privado não se permitiria tantos anos vínculos precários como há no público! Há uma situação de excepção no público que nem no privado existe – quem devia combater a precariedade é quem tem precariedade de forma mais aguda, é um absurdo. Fizemos uma negociação muito importante: agora ninguém tem desculpa, não há limitação para a vinculação dos precários, para autarquias e para todas as instituições do Estado poderem fazê-lo. Agora, é difícil o processo em si, porque há múltiplas formas de contratação; o sistema ficou com tantas perversidades que é difícil instruir os próprios processos. Mas há também falta de vontade – e essa é muito preocupante.
De quem? Do Governo, das Finanças?
Temos discutido este assunto com o Governo e, tendo nós divergências sobre as posições dos representantes das Finanças, não sentimos do Governo uma oposição a este processo. Sentimos até alguma vontade de cumprir o que foi acordado connosco. Agora, por exemplo, quando vejo os reitores e directores das faculdades a dizerem que os seus investigadores ou professores convidados não são precários, quando estão há décadas sem vínculo à faculdade, acho que os reitores estão a pensar muito mal e a boicotar este processo. Como é possível que numa grande faculdade, como a FCSH em Lisboa, só existam três investigadores no quadro? Alguém acredita que uma faculdade com a produção científica que aquela tem só tenha três investigadores? Acho que é preciso fazer um trabalho de responsabilização das chefias que estão claramente a minar a lei feita pelo Parlamento e a boicotar o processo de integração de precários. Dito isto, há sectores em que está a correr bem. Mais lento do que gostaríamos, mas em que está a correr bem. Mas há outros sectores em que acho que há quem ganhe em ter precários que são um bocadinho... trabalhadores que têm de aceitar qualquer coisa.
Quando diz que é preciso responsabilizar os dirigentes que estão a “minar” este processo, acha que o Governo deve demiti-los?
O Governo fez, e bem, uma informação a todas as chefias da administração explicando que a identificação de precários a ocupar postos permanentes para se fazer a sua vinculação era uma lei – e, portanto, era uma exigência a que os funcionários públicos têm de obedecer. É bom que todos se lembrem exactamente desta obrigação. Não é uma questão de vontade, é uma questão de lei.
Um processo também pendente é o dos professores. Acredita que ainda é possível encontrar uma solução para a contagem do tempo de carreira congelada durante nove anos?
Acredito que tem de ser encontrada...
Nesta legislatura?
Trabalhamos para esta legislatura. Aliás, ninguém perceberia que um governo, em dossiers complicados de gerir, estivesse à espera que seja o Governo seguinte a resolver. É uma situação complicada? É. Mas temos de olhar com muita atenção para as nossas escolas. As escolas são centrais para tudo. E, neste momento, estão sob uma pressão enorme. Neste momento eu atrevo-me a dizer que é preciso ser muito corajoso neste país para ser professor. Os professores têm salários congelados há muito tempo, objectivamente baixos, com turmas lotadas, com metas curriculares impossíveis de cumprir e que não escolheram. E, ainda por cima, em escolas que não têm investimento há tanto tempo que está sempre a haver problemas. E se não tratamos bem os professores, se o Governo não é capaz de dar uma resposta digna a professores que fazem autênticos milagres para as escolas funcionarem há tanto tempo com tão poucos meios, estamos muito mal. Porque o que alimenta esta capacidade de fazer muito mais do que os meios permitem nos serviços públicos – e falo da escola como da saúde – é a expectativa numa solução política que melhorasse o estado de coisas nos serviços públicos. E se essa expectativa é gorada, por incapacidade do Governo de diálogo com os sectores profissionais, será muito difícil manter o funcionamento destes serviços de que precisamos todos.
A proposta do Governo é de contar dois anos e pouco em nove anos de carreira congelada. É suficiente?
Não me parece. Parece-lhe? Dizendo a um professor, acha que ele compreenderia?