Costa “não pode dar poder de veto ao PSD sobre investimento”
BE exige discussão à esquerda sobre investimentos, seja com fundos europeus ou nacionais. E vota contra a proposta do Governo na descentralização.
“O país precisa que haja bastante mais força à esquerda, numa próxima legislatura”, diz a líder do BE, em entrevista ao PÚBLICO e Renascença.
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“O país precisa que haja bastante mais força à esquerda, numa próxima legislatura”, diz a líder do BE, em entrevista ao PÚBLICO e Renascença.
Do debate à esquerda que pede sobre investimento, pode surgir um consenso que lance o próximo Governo de esquerda?
Tenho observado a enorme pressa que existe no debate público de que acabe esta legislatura. Mas ainda não acabou e há muito por fazer. Podemos nós ou não fazer investimentos que permitam lançar para novo prazo uma estratégia de desenvolvimento económico do território todo, que permita reconversão energética? Podemos ou não aproveitar financiamento – comunitário ou público – para lançarmos um processo de reconversão energética, da própria indústria, que nos permita termos menos dívida externa? Esse é o debate que devemos fazer hoje – e que acho que não há condições para fazer à direita, mas há condições para fazer à esquerda.
António Costa lançou uma conversa com Rui Rio sobre os fundos comunitários e sobre descentralização. O Governo tem negociado estes dossiers com o BE?
Coisas diferentes: é mau sinal a ideia de que, no meio da legislatura, com a actual maioria, se diga que os investimentos públicos têm que ser aprovados por dois terços [dos deputados]. Isto é dar ao PSD poder de veto sobre o investimento. E sobre essa matéria temos uma divergência clara com o primeiro-ministro. Não tem nenhum sentido que a direita tenha opção de veto sobre investimentos que a maioria parlamentar pode decidir e debater à esquerda. Isso é deixar tudo como estava.
É uma proposta que estava no programa do Governo.
E é uma proposta lamentável. Porque o que diz é que tudo o que tem que ver com a estrutura da economia deve ficar gerido, como até agora, entre PSD e PS. A sensatez e retirar consequências do que aconteceu devia dizer-nos que se foi bom fazer acordos com os partidos à esquerda sobre rendimentos, eu acho que os partidos à esquerda devem ter uma voz clara no investimento e na estratégia.
A outra questão é sobre a descentralização. O BE acha que a descentralização tem que ser um objectivo, mas o que o Governo apresentou não foi isso – foi transferência de competências, foi municipalização. Agora, aqui há uma oposição de princípio do BE. Não quer dizer que o BE acha que não deve haver transferência de competências para municípios. Mas serviços públicos universais, que devem ter igualdade de acesso e qualidade em todo o país, não devem ser municipalizados. A generalidade dos municípios é de muito pequena dimensão. Pelo que municipalizar saúde, educação significa agravar as desigualdades territoriais e sociais. Somos contra um modelo que coloca nas mãos dos municípios serviços públicos cuja própria natureza exige que sejam iguais por todo o país.
Acha que estas conversas entre Rui Rio e António Costa acabam num bloco central?
Isso vai ter de lhes perguntar a eles. No BE, achamos que o país precisa que haja bastante mais força à esquerda, numa próxima legislatura.
António Costa disse à Visão que não se demite se houver nova tragédia com incêndios no próximo Verão. Nesse caso, se isso acontecer, o BE mantém o apoio ao Governo?
O BE está muito empenhado é que dos fogos do ano passado se retirem as consequências na política do território, da protecção civil... há uma parte das medidas que foram sendo aprovadas ao longo do tempo, na floresta, de ligar prevenção à protecção. Mas outras estamos longe de ter em prática – e outras estamos muito longe de sequer as ter negociado como leis.
Não está descansada?
Todos nós temos de trabalhar para termos um território mais preparado. Estou convencida que se aprendeu muito com a enorme tragédia que vivemos. Mau era. O país está mais preparado do que estava. Mas é verdade que, por desleixo sobre o território, por mudanças na Protecção Civil que não funcionaram e porque o clima está a mudar, mas especular sobre o que se falha... é preciso é que não se falhe.
Há uns meses disse a uma revista internacional que Marcelo quer “normalizar" o BE. Como é que Marcelo faz isso?
O Presidente tem uma visão próxima do poder económico, de que podemos mudar alguma coisa mas não se pode abanar muito a estrutura da economia. Também compreendo que já se percebeu que o BE não é muito “normalizável”, a opinião que é dada sobre o BE oscila entre o “estão no bolso do PS” ou “são uns perigosos radicais”, depende dos dias. Agora, noto que o poder económico já percebeu que o seu grande objectivo é afastar a esquerda de qualquer influência no poder – e está muito interessado em que haja uma maioria absoluta do PS, porque vê a direita incapaz. Há uma enorme pressão para uma “normalização” em que a esquerda não tenha capacidade. As pessoas deram capacidade à esquerda de mudar alguma coisa nas eleições de 2015, acho que com todas as limitações, algum caminho se fez. Acho que, no futuro, mais força à esquerda pode permitir irmos às mudanças mais estruturais na economia que têm tardado tanto.