Lokomotiv – 20 anos a andar atrás da liberdade
Esta sexta-feira na SMUP, Parede, o trio Lokomotiv comemora 20 anos. Em palco, Carlos Barretto, Mário Delgado e José Salgueiro mostram o novo Gnosis.
Carlos Barretto nunca gostou das designações habituais no jazz. Nunca se sentiu atraído por nomes (hipotéticos) como Joaquim Lebre Trio, José Augusto Quarteto ou Manuel Inácio Quinteto. Foi, por isso, um consolo quando, há 20 anos, juntou o seu contrabaixo à guitarra de Mário Delgado e à percussão de José Salgueiro, e os três gravaram o álbum Suite da Terra. Na altura, pensaram em transpor o título do disco também para o nome de baptismo do trio, mas não funcionou. Quem os conhecia como músicos ligados à cena jazz nacional não os identificava com tal denominação. E assim, nos discos que se seguiram, juntaram os três nomes ou foram um resignado Carlos Barretto Trio. Até que com a gravação de Lokomotiv, em 2010, encontraram uma palavra que servia para unir sob um mesmo guarda-chuva a música que iam construindo, com o extra de conter um travo a grupo de rock.
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Carlos Barretto nunca gostou das designações habituais no jazz. Nunca se sentiu atraído por nomes (hipotéticos) como Joaquim Lebre Trio, José Augusto Quarteto ou Manuel Inácio Quinteto. Foi, por isso, um consolo quando, há 20 anos, juntou o seu contrabaixo à guitarra de Mário Delgado e à percussão de José Salgueiro, e os três gravaram o álbum Suite da Terra. Na altura, pensaram em transpor o título do disco também para o nome de baptismo do trio, mas não funcionou. Quem os conhecia como músicos ligados à cena jazz nacional não os identificava com tal denominação. E assim, nos discos que se seguiram, juntaram os três nomes ou foram um resignado Carlos Barretto Trio. Até que com a gravação de Lokomotiv, em 2010, encontraram uma palavra que servia para unir sob um mesmo guarda-chuva a música que iam construindo, com o extra de conter um travo a grupo de rock.
Agora que se cumprem 20 anos sobre o início do trio, Carlos Barretto confessa já lhe ser até difícil escutar Suite da Terra (1998). O álbum que primeiro os juntou cruzava a linguagem jazzística com a música tradicional portuguesa, combinação que, logo à segunda gravação –Silêncios (2001) –, o trio desfez à machadada. “No segundo álbum”, recorda o contrabaixista, “há uma certa abertura para uma música mais livre. E, no fundo, eu gosto é de andar atrás da liberdade.” Depois vieram Radio Song (2002), Lokomotiv (2003) e Labirintos (2010), meteram-se os anos da crise financeira em Portugal e, embora os Lokomotiv tenham mantido alguma actividade regular de palco, a ideia de voltar a gravar ficou em banho-maria, à espera de melhores dias.
“Também passei por um processo em que não conseguia escrever, não sei porquê tive um bloqueio e não fazia muito sentido estarmos a fazer discos sem ter material original”, comenta Carlos Barretto. Há dois anos, percebendo que a data redonda dos 20 anos se aproximava a uma velocidade galopante, decidiram obrigar-se a escrever os temas novos que agora compõem Gnosis – apresentado ao vivo, esta sexta-feira, na Sociedade Musical União Paredense (SMUP), na Parede.
Uma vez colocada em marcha a máquina criativa dos Lokomotiv, os ensaios encarregaram-se de fazer nascer ideias, a partir de esquissos que algum dos músicos levava consigo. Depois, entrava em jogo a comunicação quase telepática entre os três e, aos poucos, Gnosis foi tomando forma. Em parte, seguindo as pistas do tema-título do anterior Labirintos, “uma rockabalhada pesada”, descriação que os Lokomotiv tentaram agora levar mais além, sem ficarem reféns de linguagens demasiado tipificadas no discurso do rock ou do jazz.
Autoconhecimento
O enorme hiato entre Labirintos e Gnosis é explicado também pela dispersão dos músicos por uma série de diferentes projectos, do jazz à música popular portuguesa. No caso de Carlos Barretto, que recusa o papel de líder e agradece que o seu nome não surja à frente da música do trio, a sua actividade tem-se encontrado sobretudo no Liston String Trio, no duo com António Eustáquio ou no projecto No Precipício Era o Verbo (em que surge ao lado do actor André Gago e do poeta José Anjos).
Embora a música dos Lokomotiv seja inteiramente instrumental, José Anjos acaba por ter também uma participação involuntária em Gnosis. “Os poemas dele são lindíssimos e os títulos também”, comenta Carlos Barretto, revelando o porquê de se ter inspirado na obra de Anjos para nomear os temas Lugar sem lugar, Porta líquida e Gnosis. São as três criações da sua safra incluídas no álbum, acrescentadas de duas criações de José Salgueiro, uma de Mário Delgado e três pequenas improvisações que dão uma maior robustez ao álbum.
Até porque, com os anos, Carlos Barretto tem chegado à conclusão de que lhe agrada cada vez mais o terreno da incerteza oferecido pela música improvisada. “Ainda que não fosse capaz de fazer um concerto de música free do princípio até ao fim”, ressalva. “Gosto de groove, gosto de harmonia, de melodia, de utilizar um pouco de tudo.” Talvez por isso, por esse nítido olhar ao espelho, não tenha resistido a escolher Gnosis para titular o álbum dos Lokomotiv. “Gnosis significa autoconhecimento, aprendizagem de si próprio – e isso corresponde um pouco à nossa história nestes 20 anos, em que nos conhecemos uns aos outros e evoluímos neste caminho.” E em que ficou sempre claro que três é um número perfeito – e quatro já traz estranheza.