Procuradoria alemã dá primeiro passo para entrega de Puigdemont a Espanha
Decisão caberá ao Tribunal Supremo do estado de Schleswig-Holstein, onde três juízes vão avaliar os fundamentos da ordem europeia de detenção. Defesa vai apresentar “objecções detalhadas” e pode recorrer.
O processo está em marcha. A procuradoria alemã de Schleswig-Holstein pediu ao tribunal do mesmo estado que permita a entrega de Carles Puigdemont a Espanha, onde é procurado por "rebelião e desvio de fundos" por causa da organização do referendo sobre a independência da Catalunha, a 1 de Outubro.
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O processo está em marcha. A procuradoria alemã de Schleswig-Holstein pediu ao tribunal do mesmo estado que permita a entrega de Carles Puigdemont a Espanha, onde é procurado por "rebelião e desvio de fundos" por causa da organização do referendo sobre a independência da Catalunha, a 1 de Outubro.
Puigdemont declarou a secessão da região autonómica a que presidia no dia 26 de Outubro, horas antes da aprovação por parte do Senado do pedido do Governo nacional para aplicar um artigo da Constituição que lhe permitiu afastar a Generalitat, suspender o parlamento autonómico, assumir a governação da região e marcar eleições. Dois dias depois, Puigdemont estava em Bruxelas. Agora, está numa cadeia do Norte da Alemanha.
A 23 de Março, no mesmo dia em que o juiz Pablo Llarena pronunciava 13 políticos (incluindo Puigdemont) por “rebelião” e enviava para a prisão cinco dirigentes também decidiu reactivar a ordem europeia de detenção e captura contra o ex-president. Puigdemont estava na Finlândia e iniciou então o regresso de carro a Bruxelas, até ser detido, no dia 25, 30 km depois de ter entrado na Alemanha.
Após "uma avaliação detalhada", os procuradores defendem que o pedido espanhol é admissível já que o delito de rebelião tem um equivalente no Código Penal alemão, a "alta traição". "A acusação de rebelião inclui, essencialmente, a celebração de um referendo inconstitucional onde seriam de esperar confrontos violentos", lê-se no comunicado da procuradoria. "Não é exigível legalmente uma coincidência literal dos preceitos alemães e espanhóis".
“Somos países que respeitam profundamente o Estado de direito e a separação de poderes”, comentou apenas o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, numa conferência de imprensa em Argel.
Para sustentar a existência de violência, a procuradoria alemã sublinha a convicção das forças policiais, que depois da concentração no Departamento de Economia da Generalitat (a 20 de Setembro, quando foram destruídas duas viaturas da polícia) era de esperar uma escalada de violência. Apesar desses avisos, Puigdemont manteve a votação e assim "comprometeu a polícia autonómica [Mossos d'Esquadra] para garantir que os partidários da independência pudessem participar no referendo".
Num recurso apresentado segunda-feira no Supremo Tribunal espanhol, o líder catalão afastado por Rajoy defende que não cometeu quaisquer actos de violência. Admitindo que alguns cidadãos "possam ter-se excedido" na sua "resistência passiva" durante o dia 1 de Outubro, garante que foram "casos isolados".
Rebelião, alta traição
Rebelião é um delito raro nos códigos penais dos países da União Europeia, principalmente nos termos em que existe na lei espanhola e com a pena que esta prevê, 15 a 30 anos de cadeia. Mas a Alemanha, um Estado federal, compósito, como Espanha, tem uma Constituição e um Código Penal particulares. De facto, a descrição de rebelião sobrepõe-se em vários pontos à "alta traição" alemã.
No artigo 81 do Código Penal alemão lê-se que “quem tentar com violência ou sob ameaça de violência prejudicar a continuação da existência da República Federal Alemã, ou mudar a sua ordem constitucional” será castigado com uma pena mínima de dez anos que pode ir até à prisão perpétua. Já o artigo 82 castiga ainda os que “por força ou ameaça de força” tratarem de “incorporar o território de um estado [federado] noutro estado da República Federal da Alemanha, ou separar uma parte de um estado”.
Os advogados de Puigdemont apelaram ao Governo alemão para intervir no processo, considerando que este tem uma "dimensão política". Berlim fez saber desde o início que não se envolveria, já que "Espanha é um Estado democrático onde existe Estado de direito".
A decisão caberá ao Tribunal Supremo do estado de Schleswig-Holstein, onde três juízes do Senado para Assuntos Criminais vão avaliar a ordem europeia de detenção e entrega e a posição dos procuradores estaduais. Se decidirem contra Puigdemont, este pode recorrer.
Uma porta-voz diz que “o tribunal já começou a trabalhar”. Antes de tudo, os juízes devem decidir se emitem um mandado de detenção. “Se os dois critérios se cumprirem – que a entrega ou extradição não pareça imediatamente inadmissível e que há motivos para a prisão, ou seja que há risco de fuga [como considera a procuradoria], então existem as condições para um mandado de captura”, explicou a porta-voz, citada pela Reuters.
"A procuradoria alemã assume a defesa da justiça espanhola", disse Jaume Alonso-Cuevillas, um dos advogados de Puigdemont, em declarações à rádio catalã RAC1. "Agora sim, começa o processo."
Continuar a lutar
Em Genebra, o Comité de Direitos Humanos da ONU anunciou ter registado uma queixa de Puigdemont – o mesmo já aconteceu com Jordi Sànchez, com os peritos das Nações Unidas a reclamarem junto do Governo espanhol “que cumpra os direitos políticos” do deputado.
Com os principais nomes do independentismo catalão detidos (Oriol Junqueras, Sànchez, Carles Puigdemont e grande parte do seu antigo governo) ou em fuga (Marta Rovira), o ex-líder da Generalitat aproveitou a visita de um deputado do Die Linke (esquerda), Diether Dehm, para pedir aos catalães que “continuem a defender os seus direitos, o direito de decidir o seu futuro”.
“Não podemos baixar a guarda face a um Estado que é cada vez mais autoritário”, diz Puigdemont, na gravação da conversa que foi disponibilizada à rádio pública catalã. E depois de alguns episódios de violência entre manifestantes e a polícia em Barcelona, acrescentou: “Vamos continuar a agir da mesma maneira de sempre, de uma forma civilizada e não violenta, como mostrámos ao mundo nos últimos anos. É assim que os catalães fazem as coisas”.