O meu vizinho abandonou o cão em casa. Posso lá ir resgatá-lo?

“Polícias têm muito medo de actuar fora da lei”, lamenta procurador que lançou livro para fazer luz sobre constrangimentos legais

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Os donos tinham emigrado para a Alemanha, deixando para trás os animais sozinhos no quintal, à fome. Quando lá chegou, recorda a jurista Conceição Valdágua, “um dos chihuahua já estava morto, enquanto os outros dois lutavam pela posse do cadáver”.

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Os donos tinham emigrado para a Alemanha, deixando para trás os animais sozinhos no quintal, à fome. Quando lá chegou, recorda a jurista Conceição Valdágua, “um dos chihuahua já estava morto, enquanto os outros dois lutavam pela posse do cadáver”.

Na altura ainda não tinha sido aprovada a lei que criminaliza os maus tratos e o abandono de animais, mas a jurista e presidente da associação de defesa de vítimas Pravi – que tanto apoia crianças e idosos como bichos – não hesitou em chamar a GNR, perante a situação. Os guardas apareceram, é verdade, mas nada fizeram. Não quiseram invadir propriedade privada. E quando Conceição Valdágua e outros activistas começaram a cortar a rede que lhes impedia de aceder aos cães ainda as alertaram para as consequências legais do seu acto.

“Entrámos, levámos os animais vivos ao veterinário e um deles salvou-se”, descreve a jurista. O outro estava demasiado debilitado e acabou por morrer algum tempo depois. Conceição Valdágua não tem dúvidas: “Há animais a morrerem pelo país fora num sofrimento atroz porque as autoridades têm medo de actuar. Nem sequer quando há flagrante delito actuam, apesar de serem obrigadas a cumprir a lei e a fazê-la cumprir."

A jurista contou o caso no Centro de Estudos Judiciários, durante o lançamento, em meados de Março, de um livro do procurador Paulo Sepúlveda sobre os crimes contra os animais de companhia. E não é de todo caso único: há um ano morreram três cães, dois gatos e um coelho num apartamento em Benfica. A PSP nunca quis arrombar a porta, apesar dos pedidos dos vizinhos nesse sentido.

Porém, as coisas não têm de funcionar desta forma, explica Paulo Sepúlveda: em situações-limite, a lei permite que quer autoridades quer simples cidadãos possam agir sem serem penalizados por isso. No seu livro, o magistrado explica que qualquer cidadão que apanhe alguém a maltratar um animal pode proceder à sua detenção civil, se não houver autoridades à vista nem as puder chamar em tempo útil. “O cidadão que fez a detenção civil deve chamar imediatamente a polícia”, aconselha.

Mas o que fazer em casos como aqueles que tiveram lugar em Palmela e em Benfica? “Pode acontecer que o cidadão, ainda que não presencie um flagrante delito, testemunhe que um animal está em constante sofrimento dentro de uma propriedade privada”, admite o autor. E que o seu estado seja de tal forma grave que a sua vida corra perigo iminente. Nesse caso, é possível usar a favor de quem quiser salvar o bicho de uma morte quase certa uma figura legal que dá pelo nome de exclusão de ilicitude: infringir a lei, entrando em propriedade privada sem consentimento, pode vir a ser desculpado perante a gravidade das circunstâncias. “O cidadão pode estar a actuar ao abrigo da legítima defesa (se o perigo para a vida do animal estiver a ser causado por uma agressão humana actual e ilícita por omissão” de cuidados, equaciona Paulo Sepúlveda. Porém, se houver tempo para chamar as autoridades é sempre preferível fazê-lo, avisa. “Mas as polícias não actuam porque têm muitas dúvidas sobre o que devem fazer. E muito medo de actuarem fora da lei”, lamenta.

Intitulado Investigação dos Crimes Contra Animais de Companhia na Perspectiva do Ministério Público, o livro pretende ser uma espécie de manual de actuação neste e noutros casos. Para que se repitam cada vez menos. As receitas da sua venda revertem a favor da associação Pravi.