A caravana de imigrantes que estragou a Páscoa a Donald Trump
Presidente norte-americano exige a construção do muro e pressiona o Partido Republicano a aprová-lo sozinho. Avalancha de tweets surge após notícia na Fox News sobre marcha de imigrantes no México.
Ainda não eram 9h da manhã de domingo, dia 1 de Abril, e já o Presidente norte-americano, Donald Trump, desejava uma "PÁSCOA FELIZ!" aos seus 50 milhões de seguidores no Twitter. Mas, pouco depois, ainda não eram 10h, o tom festivo e cristão era substituído por um discurso apocalíptico contra a imigração, que se prolongou pelas 24 horas seguintes, até à manhã de segunda-feira. Em sete tweets consecutivos, Trump fechou a porta ao diálogo com o Partido Democrata e exigiu ao Partido Republicano que aprove sozinho a construção do muro na fronteira com o México – tudo depois de uma notícia da Fox News sobre uma marcha de imigrantes a caminho dos Estados Unidos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ainda não eram 9h da manhã de domingo, dia 1 de Abril, e já o Presidente norte-americano, Donald Trump, desejava uma "PÁSCOA FELIZ!" aos seus 50 milhões de seguidores no Twitter. Mas, pouco depois, ainda não eram 10h, o tom festivo e cristão era substituído por um discurso apocalíptico contra a imigração, que se prolongou pelas 24 horas seguintes, até à manhã de segunda-feira. Em sete tweets consecutivos, Trump fechou a porta ao diálogo com o Partido Democrata e exigiu ao Partido Republicano que aprove sozinho a construção do muro na fronteira com o México – tudo depois de uma notícia da Fox News sobre uma marcha de imigrantes a caminho dos Estados Unidos.
À primeira vista, não havia qualquer motivo para que o Presidente norte-americano se debruçasse sobre a questão da imigração por alturas da Páscoa – é verdade que o Congresso está a discutir uma proposta de lei para resolver a situação das 800 mil pessoas que chegaram aos EUA quando eram crianças (conhecidas como dreamers), mas não houve avanços nem recuos significativos nos últimos dias.
O que houve foi um fim-de-semana prolongado do Presidente, passado na mansão de Mar-a-Lago, em Palm Beach, na companhia do seu conselheiro Stephen Miller e da estrela da Fox News Sean Hannity – dois conhecidos defensores de políticas muito restritivas sobre imigração, incluindo a construção do muro prometido por Donald Trump durante a campanha eleitoral e a deportação de todos os imigrantes sem documentos. Depois de três tweets no domingo, o Presidente voltou à carga segunda-feira.
"Os agentes das fronteiras não podem fazer bem o seu trabalho por causa de leis liberais ridículas [Democratas] como a 'Apanha & Liberta'. Está a ficar cada vez mais perigoso. Há 'caravanas' a caminho. Os Republicanos devem accionar a 'Opção Nuclear' para aprovarem legislação AGORA. FIM AO ACORDO SOBRE O DACA!", escreveu Trump na primeira das sete mensagens seguidas sobre o tema da imigração.
Nos EUA não existe nenhuma lei "Apanha & Liberta". Trump refere-se, de forma enganadora, à prática das autoridades de deixarem em liberdade os imigrantes sem documentos considerados inofensivos, até que os tribunais decidam sobre os seus pedidos de entrada nos EUA – uma prática que o actual Departamento de Justiça tem tentado combater, mas que resulta da falta de instalações nos EUA para acolher todos os imigrantes e não de qualquer lei ou iniciativa do Partido Democrata.
E, ao referir-se à "Opção Nuclear", Trump envia uma mensagem ao líder do Senado, o republicano Mitch McConnell. Tal como vem exigindo há meses, o Presidente quer que seja possível andar para a frente com o processo legislativo com uma maioria simples (51) e não com os necessários 60 votos, o que poderia facilitar a vida ao Partido Republicano para aprovar as reformas sobre imigração defendidas pela Casa Branca.
Os dois partidos têm contribuído para enfraquecer o debate democrático no Congresso – em 2013, o Partido Democrata, então na liderança do Senado, deitou abaixo a fasquia dos 60 votos para as nomeações no poder executivo e na maioria do poder judicial, excepto o Supremo; e, em 2017, o Partido Republicano fez o mesmo em relação às nomeações para o Supremo (só assim foi possível nomear o juiz Neil Gorsuch contra a vontade do Partido Democrata).
Mas a generalidade dos analistas (e, por enquanto, as lideranças dos dois maiores partidos) consideram que essa "Opção Nuclear" não deve ser usada na discussão e votação das propostas que têm forte oposição de um dos partidos – o entendimento é que a "Opção Nuclear" dá ao partido maioritário um poder quase ilimitado para aprovar toda e qualquer alteração à lei, o que tem consequências para o debate democrático no Congresso e deixa o Presidente numa posição muito mais forte para ditar instruções aos congressistas do seu partido.
A "caravana" Fox & Friends
No domingo, pouco antes do primeiro tweet de Trump sobre imigração, os apresentadores do programa Fox & Friends, no canal Fox News, discutiam a caminhada de centenas de cidadãos de países da América Latina, a maioria das Honduras, em direcção aos EUA – uma marcha promovida pela associação Pueblo Sin Fronteras que começou na sexta-feira da semana passada na cidade mexicana de Tapachula, muito perto da fronteira com a Guatemala. No ecrã da Fox News, o título da notícia que estava em discussão era muito semelhante ao que Trump usaria poucos minutos depois no Twitter: "Caravana de imigrantes ilegais a caminho dos EUA."
Ao contrário de outras informações avançadas no passado pelo Presidente norte-americano, como um suposto atentado terrorista na Suécia que não existiu, a marcha de imigrantes existe mesmo – o jornalista Adolfo Flores, do Buzzfeed News, está lá no meio a acompanhá-la e escreveu uma reportagem no dia do arranque.
"Organizada por um grupo de voluntários chamado Pueblo Sin Fronteras, a caravana tem como objectivo ajudar imigrantes a chegarem em segurança aos EUA, contornando não só as autoridades, que tentariam deportá-los, como também os gangues e os cartéis, conhecidos por atacarem migrantes vulneráveis", escreveu Flores.
Chegados à fronteira entre o México e os EUA, alguns destes imigrantes vão tentar pedir asilo político e outros vão tentar escapar às patrulhas da guarda fronteiriça norte-americana; mas a esmagadora maioria – mais de mil, entre homens, mulheres e crianças – diz que se pôs a caminho dos EUA porque já não consegue viver nos seus países e tem motivos para pedir a protecção internacional a que tem direito.
"Antigos Trumpistas"
Só que a imagem de centenas de imigrantes da América Latina a entrarem pela fronteira norte-americana através do México, mais ou menos dentro de um mês, é algo que poria em causa a relação de tolerância que os apoiantes mais radicais do candidato Trump ainda têm com o Presidente Trump – na semana passada, a comentadora Ann Coulter, uma das vozes da direita radical americana, disse que passou a integrar o grupo dos "Antigos Trumpistas".
"Temos sido traídos vezes sem conta por Presidentes que prometeram fazer alguma coisa sobre a imigração. Se ele [Trump] nos tomou por parvos, então vocês vão assistir a uma raiva muito maior do que alguma vez viram", disse Coulter ao colunista do New York Times Frank Bruni. Para antigos apoiantes influentes como Coulter (ou actuais apoiantes como Sean Hannity), o muro é mesmo para ser construído e ponto final.
Mas, para que isso aconteça – e como já se previa durante a campanha –, não basta que um Presidente queira construir um muro na fronteira para que personalidades como Ann Coulter e Sean Hannity, e milhões de eleitores de Trump, vejam o seu desejo realizado. No Senado, a curta maioria do Partido Republicano não tem sido suficiente para fazer avançar as promessas da Casa Branca sobre imigração, principalmente a construção de um muro "grande e lindo".
Em Setembro do ano passado, Trump suspendeu o programa de protecção aos dreamers, pedindo em troca ao Congresso, entre outras coisas, orçamento para a construção do muro. Só que os tribunais decidiram que esse programa deve continuar em vigor até ser substituído por outro, e até agora não há sinais de que as discussões na Câmara dos Representantes e no Senado, entre o Partido Democrata e o Partido Republicano, estejam perto de apresentar ao Presidente um acordo à medida de todos – garantir que as cerca de 800 mil pessoas que chegaram aos EUA até 2007 quando eram crianças podem dormir descansadas, e construir um muro na fronteira com o México.
Com o impasse do diálogo no Congresso sobre a situação dos dreamers e do muro, só faltava a Trump uma caravana de imigrantes a caminho dos EUA para pôr em perigo a sua imagem de duro nas questões de imigração perante os seus apoiantes – uma tempestade que já estava em formação e que parece ter atingido o Presidente Trump no domingo de Páscoa durante o programa Fox & Friends, levando-o a "twittar" ferozmente sobre imigração, e disparando para quase todos os lados: para o Partido Democrata e para o Partido Republicano, mas também para o México.
"O México tem todo o poder para não permitir a entrada destas grandes 'caravanas' na sua fronteira a Norte", disse Trump, antes de renovar a sua ameaça de rasgar o acordo comercial NAFTA: "O México está a fazer muito pouco, ou mesmo NADA, para impedir a entrada de pessoas no México através da sua fronteira a Sul, e a entrada dessas pessoas nos EUA. Eles riem-se das nossas estúpidas leis de imigração. Têm de travar os grandes fluxos de pessoas e de droga, senão eu vou travar a galinha dos ovos de ouro deles, o NAFTA. É PRECISO MURO!"