Podem dois clubes de futebol coabitar no mesmo coração?
Inês Maria Meneses é do Rio Ave e é do Futebol Clube do Porto. Pronto, já dissemos. Agora que fomos contra tudo o que a maior parte dos adeptos são capazes de suportar, prometemos explicações sólidas sobre a forma como Inês vive a vida e o futebol, a seu bel-prazer.
Falámos com ela - e à excepção da voz - que já é mais nossa do que dela - quase tudo é material que surpreende. Inês Maria Meneses, radialista da rádio Radar e comunicadora há uma vida, não anda cá a ver a vida passar. Vive-a de facto, para aí desde 1971. Tem coração largo - maior do que a maioria dos adeptos consegue tolerar - onde cabem amores, em princípio, impossíveis de coabitar. Contam-se pelo menos dois: Futebol Clube do Porto e Rio Ave. “É possível ter dois clubes, sendo que num momento de escolha entre FCP e Rio Ave, eu torço pelo Rio Ave. Tens de torcer por quem tem, menos condições à partida, e consegue igualmente bons resultados. Isso é que dá paixão.”
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Falámos com ela - e à excepção da voz - que já é mais nossa do que dela - quase tudo é material que surpreende. Inês Maria Meneses, radialista da rádio Radar e comunicadora há uma vida, não anda cá a ver a vida passar. Vive-a de facto, para aí desde 1971. Tem coração largo - maior do que a maioria dos adeptos consegue tolerar - onde cabem amores, em princípio, impossíveis de coabitar. Contam-se pelo menos dois: Futebol Clube do Porto e Rio Ave. “É possível ter dois clubes, sendo que num momento de escolha entre FCP e Rio Ave, eu torço pelo Rio Ave. Tens de torcer por quem tem, menos condições à partida, e consegue igualmente bons resultados. Isso é que dá paixão.”
O primeiro é amor antigo, culpa do pai. “Era, e sou, do Futebol Clube do Porto, que era o clube do meu pai. Isso tem sempre alguma influência na nossa vida. E, portanto, nunca liguei muito ao Rio Ave. Sempre fui do Futebol Clube do Porto.” Mas Inês cresceu e estudou em Vila do Conde. É lá que vivem os amigos de sempre, o irmão de sempre, a família de sempre. As raízes assenhoraram-se dela e o Rio Ave ganhou um lugar especial. “Há uma amor enorme que me liga a Vila do Conde, onde volto sempre. Comecei a seguir o Rio Ave há pouco tempo e percebi que me sentia parte de algo. No fundo, nós baseamos toda a nossa existência fazendo parte de algo.”
Rio Ave, essa tribo
Não é só poesia, é coisa que faz sentido. Inês escolheu ser parte de um micro-nano-universo, de vitórias suadas, que sabem a Cabos-das-Tormentas. “Ser do Rio Ave é como pertencer a uma tribo da qual tenho imenso orgulho. Tenho imenso prazer em ser de um clube que se debate com todas as dificuldades perante três gigantes que gozam de todos os privilégios e de uma supremacia futebolística. O sabor da vitória está do lado de quem luta de forma desigual. Eu vejo o Rio Ave como uma extensão de mim própria. Não estamos lá em cima, não somos tão grandes como os outros, mas vamos conseguir.”
Se o Rio Ave não chega lá, o mundo não desaba e a vida não acaba. Dificilmente vê-la-emos herdar uma certa duplicidade de pai. “Era eu muito criança - estamos a falar de mim com cinco, seis anos - e já ia com o meu pai ao futebol ao estádio do Mindelo, ao Domingo. A minha memória era de o meu pai se transfigurar, de ser um outro homem, perante o jogo, que eu desconhecia. Eu pensava assim: quem é este homem aqui ao meu lado que eu tenho como meu pai, e que está agora possuído, e que diz todo o tipo de impropérios? E depois, quando chegava a casa, ele voltava a ser o meu pai.”
Ainda bem que o pai voltava a ela, e que juntos ouviam relatos de futebol, e boa música. Tudo isso lhe ficou. Depois foi-se definindo como mulher, radialista e adepta. “Eu não quero saber qual foi a data precisa em que o Rio Ave foi apurado para a Liga Europa, ou qual é o avançado do Rio Ave que mais golos marca. Eu não sei o plantel de cor. Isso para mim não é importante. Não querendo estereotipar, os homens seguiram um modelo muito básico, primário, de se agarrarem a estes resultados, aos nomes dos jogadores. Alguém tem de sabê-los. Agora, quero ocupar a minha cabeça com o último álbum do Jonathan Wilson, isso é que me ocupa o coração. Nós temos que fazer escolhas na vida.”
Inês, o futebol e o batom
É um gostar diferente. É um gostar realmente, à maneira dela. “Eu tenho um fascínio pelo Rio Ave. Adoro o espectáculo. Eu sou mulher, aprecio as minhas mais-valias todas de mulher, o lado mais frívolo feminino, os meus batons, não me aproprio de forma nenhuma do comportamento masculino, portanto eu tenho uma forma muito própria de viver o futebol. Vejo isto como quase como entretenimento. Para mim é sempre festa, é sempre espectáculo. Vamos quase enfeitar-nos para isto, é como um jantar especial com alguém”.
Pára tudo: e a Inês vai bonita para o futebol, com direito a fragrância e batom? “Sempre! Quer dizer, não vou com os meus melhores saltos. Batom vermelho, sempre. Enfeito-me para ir a um jogo do Rio Ave. Enfeito-me para ir a todo o lado. Qualquer encontro na vida é uma surpresa, o jogo de futebol é um encontro e está cheio de surpresas.”
Relatos de futebol para dar colorido à vida
Havia mais para descobrir sobre a surpreendente portista-rio avista, adepta intermitente, que olha para os jogadores, grosso modo, como ‘Fulano, Sicrano e Beltrano’, e para quem não há golos sofridos, só festa rija: É que Inês Meneses anda a ser enganada e deixa-se andar. “Gosto muito de ouvir relatos. Adoro a forma como estão inflacionados. Porque tu estás a ouvir um relato e estás à beira de um ataque cardíaco, e estás a ver um jogo na televisão e estás quase aborrecida. Portanto, sei que me estão a mentir, mas estão a dar mais colorido à minha vida. Eu quase que pago para isso.”
Já que a radialista vai embalada, deixemo-la passar um som. É “People Have the Power” da Patti Smith. Serve para o Rio Ave, e serve para todos. “É um hino! Somos nós que temos o poder. Às vezes, as pessoas por preguiça, por tristeza, ou por abandono, esquecem-se que está nelas o poder. Está sempre em nós o poder de conseguir o que queremos. Rio Ave, tu tens o poder!”