PSD quer autarcas de municípios com mais de 10 mil eleitores em exclusividade de funções
José Silvano, novo coordenador social-democrata na Comissão da Transparência, afirma ao PÚBLICO que o seu partido não vai apresentar novas propostas, nem mesmo sobre o lobbying, e que está disposto a consensualizar a maioria das propostas com o PS.
O PSD vai defender na Comissão da Transparência que o regime de exclusividade no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos deve estender-se aos presidentes de câmara com mais de 10 mil eleitores – o que vai abranger a maioria dos municípios, pois dos 308 apenas 114 tinham, em 2017, um número inferior -, assim como os cargos executivos das regiões autónomas e os dirigentes de primeiro grau da função pública.
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O PSD vai defender na Comissão da Transparência que o regime de exclusividade no exercício de cargos políticos e altos cargos públicos deve estender-se aos presidentes de câmara com mais de 10 mil eleitores – o que vai abranger a maioria dos municípios, pois dos 308 apenas 114 tinham, em 2017, um número inferior -, assim como os cargos executivos das regiões autónomas e os dirigentes de primeiro grau da função pública.
Esta é a posição que José Silvano, o novo coordenador do grupo parlamentar social-democrata naquela comissão eventual, vai defender na terça-feira, dia 3, quando começarem a ser votadas as propostas dos partidos relativas ao controlo público e regime sancionatório dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. “Nós achamos que objectivar quem está e não está sujeito ao regime de exclusividade é uma regra de transparência, e por isso também apresentamos propostas, como a sujeição à exclusividade dos presidentes de câmara com mais de 10 mil eleitores, os cargos executivos das regiões autónomas, que estavam de fora da lei em vigor, e os dirigentes de primeiro grau da função pública”, afirmou ao PÚBLICO.
De acordo com a base de dados PORDATA, que refere dados da Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, em 2017 contavam-se 114 municípios que tinham um número de eleitores inferior a 10 mil, quase todos do interior ou das regiões autónomas, embora nas áreas metropolitanas existam freguesias com um número superior a este. Mas, a estas, José Silvano não fez qualquer referência. Na lei em vigor, os autarcas podem exercer outras actividades públicas ou privadas, desde que as declarem ao Tribunal Constitucional, estando apenas sujeitos ao regime de incompatibilidades e impedimentos dos cargos políticos. Mas tal não implica exclusividade.
Esta é, no entanto, uma das poucas matérias em que o PSD tem propostas próprias. Ao PÚBLICO, José Silvano adiantou que o seu partido já não vai apresentar novos projectos de lei, deixando cair a promessa da anterior direcção de avançar com uma proposta própria de regulamentação do lobbying, matéria onde apenas se propõe apresentar propostas de alteração ao projecto do PS. De resto, acrescenta, os deputados do PSD ainda não receberam indicações concretas do presidente do partido, Rui Rio, para todo o pacote legislativo em análise na Comissão da Transparência, pelo que vão gerir as posições ponto por ponto, à medida que as matérias forem sendo votadas.
“Não vamos ter já uma posição sobre todos os artigos do pacote legislativo, porque vamos decidir ponto a ponto. Está previsto que se vá discutir e votar cinco a seis artigos em cada reunião, por isso vamos levar a posição definida para os artigos em discussão em cada reunião”, explicou José Silvano. Nalguns casos, ressalva, “pode nem ser uma posição definitiva, porque vai depender das propostas de alteração apresentadas. Isto é um processo de negociação com os partidos, não há posições definitivas”, sublinha. Por outro lado, lembra que as votações em comissão são sempre indiciárias, ou seja, até à votação final em plenário pode haver ajuste de posições.
A linha de orientação estratégica é “privilegiar a transparência”. E por isso, nas votações da próxima terça-feira, o PSD vai acompanhar PS na sua proposta de alargamento das obrigações declarativas [obrigatoriedade de apresentar declarações de rendimento e património ao Tribunal Constitucional] às magistraturas, bem como aos executivos camarários, dirigentes de primeiro grau da função pública, chefes de gabinete de ministérios e gestores de empresas municipais, que também era uma proposta do partido.
Em relação aos deputados, o PSD mantém-se contra a exclusividade de funções defendida pelo Bloco de Esquerda, por entender que essa opção “funcionaliza os deputados, fecha o círculo de recrutamento, e porque achamos que a variedade de profissões é útil na Assembleia da República”. Mas está disponível para apertar as regras aos parlamentares que exerçam profissões liberais, em particular a advocacia.
Actualmente, já é incompatível que os advogados que sejam deputados possam exercer mandatos contra o Estado. O PSD propõe agora que os advogados em nome individual deixem também de representar o Estado em tribunal, mas não o faz para as sociedades de advogados, que se manteriam apenas impossibilitadas de exercer mandatos contra o Estado. Mas também aqui a posição dos sociais-democratas é flexível: “Esta matéria pode ser consensualizada com o PS porque os socialistas, embora defendam a incompatibilidade nos dois casos, têm uma nuance. Não nos repugna que as regras fiquem iguais para as sociedades e para os advogados em nome individual. E queremos estender essas incompatibilidades para todas as profissões liberais”, explica José Silvano.
Na pegada do PS
Tal como no regime das incompatibilidades e impedimentos dos deputados, também no enriquecimento ilícito, na regulamentação do lobby e no código de conduta o PSD mostra vontade de acompanhar as propostas do PS, apenas apresentando propostas de alteração onde achar por bem. A posição é assumida: “Sempre que houver a possibilidade de consensualizar com o PS no sentido de aumentar a transparência e criminalizar mais as desconformidades, estaremos abertos a isso”, afirma Silvano. Mas diz não saber se este dossier é um dos que está a ser tratado entre Rui Rio e António Costa.
O enriquecimento ilícito é uma matéria paradigmática. Das duas vezes que o Parlamento legislou no sentido da sua criminalização, foi por iniciativa do PSD. Mas depois dos dois chumbos no Tribunal Constitucional, é agora o PS que tem uma proposta que será acompanhada pelos social-democratas. “Não nos vamos pôr fora de uma questão que sempre defendemos”, justifica Silvano. “Se através do direito fiscal chegarmos à criminalização do enriquecimento ilícito, porque não? É outra via, mais tímida – é mais difícil provar, porque têm de se verificar as imparidades, as desconformidades e só se analisa mediante as declarações de interesses e de rendimentos – mas é um avanço”, considera.
Em relação ao lobby, o PSD abdica de uma proposta própria, mas tem linhas vermelhas: “Só estamos disponíveis para consensualizar a regulação da actividade profissional de lobista, nada mais”. Todas as outras questões, como a publicitação de agendas dos políticos ou a transparência das reuniões, ficarão de fora do apoio do PSD. “Não vamos discutir mais nada, porque achamos que isso não está amadurecido o suficiente, nem na sociedade portuguesa, nem na prática, para discutirmos essa matéria abertamente e sem restrições”, afirma.
Apoio total dos social-democratas deverá ter a proposta de Código de Conduta dos deputados, que regula o regime de presentes e benefícios que podem ser recebidos, “porque é uma questão de transparência”. O PSD apenas preferia ver esta matéria tratada no Estatuto dos Deputados, mas não vai apresentar propostas nesse sentido.
O que deverá ter a oposição do PSD é a proposta do BE, a que os outros partidos não se têm oposto, de criar uma única Entidade da Transparência junto ao Tribunal Constitucional para fiscalizar, não apenas as contas dos partidos e das campanhas, como faz hoje a Entidade das Contas, mas também as declarações de rendimentos e património dos políticos. O argumento, diz José Silvano, é a capacidade para o fazer. “A Entidade das Contas tem poucos recursos humanos [apenas três pessoas a tempo inteiro]. Se ainda vamos alargar a sua competência e dar-lhe mais tarefas, não vai conseguir fiscalizar nada”. Mas nem aqui há posições fechadas.