Luís Sílvio Danuello, o “ponta” que não era “punta”
Uma vogal foi tudo o que bastou para que um jovem promissor brasileiro se transformasse num dos maiores fracassos da história da Série A italiana.
Depois de alguns anos de proteccionismo, 1980 seria o ano em que o futebol italiano iria reabrir as suas portas ao mundo, voltando a permitir a contratação de jogadores estrangeiros. Era uma medida bastante limitada, apenas um por equipa, mas já era alguma coisa. Eram artistas à medida das possibilidades de cada clube. O campeão em título apostou no grande médio austríaco Herbert Prohaska, a Juventus decidiu-se pelo irlandês Liam Brady, figura do Arsenal nos anos 1970, o Nápoles foi buscar Ruud Krol, capitão do Ajax e da selecção holandesa, mas o maior contingente estrangeiro da Série A era brasileiro.
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Depois de alguns anos de proteccionismo, 1980 seria o ano em que o futebol italiano iria reabrir as suas portas ao mundo, voltando a permitir a contratação de jogadores estrangeiros. Era uma medida bastante limitada, apenas um por equipa, mas já era alguma coisa. Eram artistas à medida das possibilidades de cada clube. O campeão em título apostou no grande médio austríaco Herbert Prohaska, a Juventus decidiu-se pelo irlandês Liam Brady, figura do Arsenal nos anos 1970, o Nápoles foi buscar Ruud Krol, capitão do Ajax e da selecção holandesa, mas o maior contingente estrangeiro da Série A era brasileiro.
Anos antes de entrar na história do futebol português como o autor do golo que deu o título europeu ao FC Porto, em 1987, na final contra o Bayern Munique, Juary, internacional brasileiro, foi para o Avellino, e a AS Roma tinha um dos grandes craques brasileiros da altura (e de sempre), Paulo Roberto Falcão. O Pistoiese, um novato no principal escalão italiano, não foi pescar nenhum internacional credenciado. Apostou num desconhecido que supostamente era um talento incrível nas divisões secundárias do Brasil chamado Luís Sílvio Danuello. Podia perfeitamente ter sido o início de um filme em que um pequeno se fará grande entre os grandes. Não foi.
O Pistoiese só ficou uma época na Série A, terminando em último com apenas 16 pontos, e o seu craque estrangeiro ganhou um lugar na galeria dos maiores fracassos do futebol italiano, os “bidones d’oro”. Conta a lenda que Luís Sílvio foi contratado com base num equívoco linguístico. O Pistoiese pensava que estava a contratar um “punta” (ponta-de-lança), mas o jovem brasileiro era um “ponta” (extremo). Era nesta posição que Luís Sílvio tinha dado nas vistas numa equipa do Marília que tinha vencido a Taça São Paulo em 1979 e que lhe valera uma transferência para o Ponte Preta.
Foi num jogo do campeonato paulista que um olheiro do Pistoiese “descobriu” Luís Sílvio. Guiseppe Malavasi, adjunto do clube toscano, tinha ido ver Paulinho, um antigo avançado do Vasco da Gama, mas quis ficar com o rapaz de apelido italiano. Era este o craque internacional que ninguém conhecia mas que encaixava no plano do Pistoiese, que tinha no plantel um já experiente Marcelo Lippi (futuro treinador campeão do mundo com a Itália, em 2006) na defesa. O clube pagou 170 milhões de liras ao Ponte Preta e Luís Sílvio fez a viagem para Itália no mesmo avião que Falcão. Aterraram em Roma e Falcão, um craque consagrado, tinha à sua espera milhares de “tiffosi” da Roma. Sílvio tinha um carro para o levar até Pistoia, uma pequena vila na Toscânia.
Lido Vieri, o treinador, achava que tinha em mãos um diamante. “É rapidíssimo e tem um óptimo controlo de bola”, declarava o antigo guarda-redes. Mas Sílvio não era o “punta” que o clube esperava. Era um “ponta” que poderia ter mostrado a sua utilidade se o Pistoiese jogasse com extremos, mas não era o caso. E rapidamente se percebeu que aquele jovem brasileiro de fraca figura e cabelo comprido iria sofrer frente às duras defesas italianas. Sem espaço para correr ou para driblar, Sílvio fez seis discretas aparições pelo Pistoiese (zero golos), cinco nas seis primeiras jornadas, mais uma à 23.ª, passando quase toda a época entre o banco e a bancada – o Pistoiese seria o último, com apenas 16 pontos e nunca mais regressaria à Série A.
A um mês de acabar a época, o “ponta” que não era “punta” abandonou o clube, voltou ao Brasil e começaram as lendas. Havia quem garantisse que o tinha visto a vender gelados à porta do estádio, havia quem tivesse de fonte segura que ele trabalhava como empregado numa pizzaria em Campinas. Havia ainda quem assegurasse que o tinha visto a actuar em filmes pornográficos. Eram lendas com dose generosa de absurdo para justificar o enorme fracasso da sua contratação, mas a verdade era bem mais prosaica.
Luís Sílvio tinha mesmo voltado para o Brasil para continuar a jogar futebol porque tinha sido mal aproveitado em Itália. “Deslocaram-me para centro-avante e eu ficava sozinho lá na frente levando pontapés”, recordava à revista brasileira Placar, em 1987. Ainda jogou até 1989, sempre no Brasil, no Ponte Preta, Botafogo-SP, Grémio Maringá, Náutico e São José, e, depois de acabar a carreira, não deu nem em vendedor de gelados, nem em “pizzeiro” ou actor de filmes para adultos.
Abriu uma empresa que vende peças de máquinas industriais em Marília e guarda como melhor memória da sua passagem por Itália o facto de ter sido o local onde aconteceu a concepção da sua filha mais velha. De resto, um desastre. “Esperavam muitos golos, mas eu era um especialista em cruzamentos e podia ser, no máximo, um segundo avançado”, contava à Gazzetta dello Sport, em 2007. “Um segundo ‘punta, com ‘u’, como vocês italianos dizem. ‘Punta’, ‘ponta’, arruinado por uma vogal.”