Grécia, oito anos depois

Se a história tende a repetir-se, primeiro como tragédia, depois como farsa, o que dizer desta tragédia grega? Uma farsa pretensamente inevitável que colocou em causa o projeto europeu, degradou as condições socioeconómicas da maioria dos gregos e que conseguiu um equilíbrio de forças onde não existiram vencedores.

Com o aproximar do término do terceiro programa de ajustamento executado por um Governo grego em apenas oito anos, o terreno é fértil e propício à elaboração de balanços. De 2010 até aos dias de hoje, quais as grandes vitórias da estratégia grega e o que devemos copiar?

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Com o aproximar do término do terceiro programa de ajustamento executado por um Governo grego em apenas oito anos, o terreno é fértil e propício à elaboração de balanços. De 2010 até aos dias de hoje, quais as grandes vitórias da estratégia grega e o que devemos copiar?

No início de 2015, e já decorridos cinco anos de penosos ajustamentos financeiros — leia-se, cortes de benefícios sociais e aumentos de impostos —, as eleições de janeiro entronavam Tsipras como líder do novo Governo do Syriza. O momento não podia ser mais emblemático: a extrema-esquerda liderava, pela primeira vez, um governo da zona euro (exceção feita ao caso Cipriota, irrelevante devido à sua dimensão).

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Eleito através de uma plataforma “patriótica” e anti austeridade, Alexis e o seu compagnon de route Varoufakis prometiam o regresso ao forte crescimento dos anos 90, a reversão das medidas de austeridade efetuadas nos quatro anos decorridos desde o início dos programas de ajustamento e, ainda, o fim da submissão grega aos “ditames europeus”. Passado apenas meio ano, os efeitos da “nova política” do Syriza já eram notórios.

Ao vincular a decisão de aceitar um novo pacote de austeridade a um referendo, ao mesmo tempo que fez campanha pela sua “não aceitação”, o delfim da extrema-esquerda europeia iniciava uma nova etapa na relação entre o Governo grego, os seus credores e as instituições europeias. Aquilo que se seguiu foi o que muitos chamaram “uma humilhação apocalíptica ao povo grego” [1].

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Ao ganhar o “Não”, tiveram lugar novas negociações. Com ambos os lados mais entrincheirados do que nunca, a retórica caminhava num exponencial crescendo. A estratégia de Tsipras era clara: acreditava ter a faca e o queijo na mão, podendo impor condições aos credores que suavizassem o sofrimento do povo grego. Do outro, não se vislumbrava nem faca nem queijo, mas uma boa dose de austeridade cavalar, pronta a administrar. Depois do confronto, muitos declaram que a estratégia de Tsipras teria sido acertada, não tivesse a EU antagonizado o povo grego, criando terreno fértil para que mais um país europeu se inundasse de sentimentos anti-europeístas [2].

Os meses seguintes — com controlo de capitais [3], nova vitória do Syriza [4], apoio parlamentar quase unânime ao resgate subsequente — são paradigmáticos. A popularidade do Syriza sofre uma descida abrupta, simultaneamente a um crescimento significativo do Nova Democracia, o partido euro-entusiasta, de centro-direita, que liderara o anterior executivo.

Os anos que se seguiram são de cálculo de estragos: em 2015, a estimativa era de 40 mil milhões de euros perdidos em produto interno, devido ao confronto de Tsipras com os credores. E em 2017 já se estimava que a queda do PIB real, desde 2009, teria sido de 45% [5]. Para além da expressividade dos números, subsistiam episódios e trapalhadas típicas de governos inexperientes, que minavam constantemente a credibilidade do executivo [6].

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No início de 2018, e após alguns períodos de maior aperto ainda em 2017 — que contaram com um monumental braço de ferro entre credores [7] —, a economia Grega vê, sete anos depois, luz ao fundo do túnel. O rating da sua dívida soberana melhora [8]; a economia cresce pela primeira vez em três trimestres consecutivos desde 2006; e consolida o superavit comercial. A Grécia mostrava, assim, boas perspetivas de sair, com sucesso, do terceiro programa de ajustamento.

O que se pode espremer desta epopeia é claro: ao contrário do que era dito em 2015, a TINA era mesmo verdade. There was no alternative. Ao decidir eleger um governo de extrema-esquerda, o povo grego acentuou desnecessariamente as dificuldades por que passou. Embalado em promessas de saídas do euro, renegociações de dívida, e respostas imediatas às reivindicações dos trabalhadores, o eleitorado helénico foi enganado pelo sedutor canto das sereias.

Oito anos depois, é tempo de afirmar categoricamente o quão enganados estavam aqueles que afirmavam como errada a pragmática posição de tentar a melhor das soluções dentro dos cânones europeus. O terceiro gráfico deste artigo é paradigmático. No período 2015-16, depois de uma forte queda no produto — devido ao processo de ajustamento em vigor —, a economia grega estagna num período em que países em situações similares (Irlanda, Itália ou Portugal) registam uma recuperação económica pujante, ficando os três acima dos 95% do PIB no “ponto 2010” (usando o ano de 2010 como base de referência), ao passo que a Grécia se mantinha ligeiramente abaixo dos 85%.

A taxa grega de desemprego manteve-se em níveis extremamente elevados, sendo que, no início de 2018, ainda se encontrava acima dos 20%. Isto enquanto os números oficiais espelham, com uma crescente perda de qualidade (devido a medidas cosméticas), a real situação do mercado de trabalho.

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E até a própria produtividade, estabilizador automático que, por norma, melhora em tempos de crise, continuou a regredir após a tomada de posse do Governo do Syriza.

Com tanta estatística negativa, é mesmo muito difícil retirar algo de bom do modus operandi grego. É, se alguma coisa, uma autêntica lição sobre o que não fazer. E, simultaneamente, uma amostra do que poderia ter acontecido a Portugal caso tivesse sido diferente a atuação dos governos portugueses durante o período de intervenção. A tragédia não seria só grega, mas lusitana.

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Mas mais relevante do que acertar contas com o passado, será retirar ilações sobre o que (não) fazer no futuro. Na Odisseia, Homero relata que Ulisses se amarra ao mastro de forma a não ceder às tentações que as sereias murmuram. É bom que o Governo também não ceda a cantos de sereias que surgem na bonança pós crise. Não é que Satanás esteja a porta, é apenas porque a economia dispensa cartões de visitas religiosos. Milagres não existem. E é esta simples verdade que vai tornar este ano especialmente interessante.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

[1] The Economist. So we meet again. The Economist. July 11, 2015
[2] The Economist. Greece signs up to a painful, humiliating agreement with Europe. The Economist. July 13, 2015
[3] The Economist. The long march to normality. The Economist. July 23, 2015
[4] The Economist. Syriza defies the polls with comfortable re-election win. The Economist. September 20, 2015
[5] The Economist. Leaving the euro would be devilishly difficult. The Economist. March 25, 2017
[6] The Economist. Greece’s economy minister quits job hours after his wife amid benefit row. The Economist. February 28, 2018
[7] The Economist. Greece’s creditors are now the main impediment to solving the country’s woes. The Economist. February 18, 2017
[8] The Economist. Fitch upgrades Greece on lower political risk, economic growth. The Economist. February 16, 2018