Uma (des)Ordem dos Fisioterapeutas?

O desenvolvimento da Fisioterapia portuguesa precisa obrigatoriamente do acto liberal. E este requer a necessária vigília de um Órgão "ordenador", de fisioterapeutas para fisioterapeutas

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Adriano Miranda

Há interesses, respeitantes ao colectivo, que se sobrepõem à vontade individual. Por vezes, é preferível calar o ego, para não ferir a vontade de muitos. No entanto, quando o caminho destes, do grupo, parece vir ferir uma via maior, que implica um colectivo mais dilatado, talvez deva o ego em vigília arrancar a mordaça auto-imposta e dizer, desde logo, o que tem a dizer. E o tema, aqui, trata (do projecto) da Ordem dos Fisioterapeutas, que se encontra em discussão na especialidade, na Assembleia da República, e que, ultimamente, na proximidade de uma resposta, tem levado a formas estranhamente urgentes de afirmação de um apoio dúbio.

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Há interesses, respeitantes ao colectivo, que se sobrepõem à vontade individual. Por vezes, é preferível calar o ego, para não ferir a vontade de muitos. No entanto, quando o caminho destes, do grupo, parece vir ferir uma via maior, que implica um colectivo mais dilatado, talvez deva o ego em vigília arrancar a mordaça auto-imposta e dizer, desde logo, o que tem a dizer. E o tema, aqui, trata (do projecto) da Ordem dos Fisioterapeutas, que se encontra em discussão na especialidade, na Assembleia da República, e que, ultimamente, na proximidade de uma resposta, tem levado a formas estranhamente urgentes de afirmação de um apoio dúbio.

Numa altura em que órgãos como a Ordem dos Médicos asseveram o seu desapoio à consecução da Ordem dos Fisioterapeutas, é fundamental demarcar o que evidencia a gravitas da nossa Ordem. E essa é do carácter do trabalho complementar, autónomo mas não independente, de um profissional capaz de ultrapassar racionalmente os limites do prescricionismo médico, com vista à totalidade de um utente, que é, bem vendo, o pleno e peremptório objecto de uma Ordem. Esta visão racionalizadora deve sobrepujar as balizas das fórmulas grupais, para abraçar a "via contínua" do paciente uno, o que, de mais a mais, exige que o fisioterapeuta seja mais do que tem sido até agora. Porque "quem só de Fisioterapia sabe nem de Fisioterapia sabe", o profissional holístico tem de crescer e de fazer crescer uma profissão que, em grande medida, se encontra ainda flagrantemente confinada, agrilhoada, empobrecida.

De algum modo, o desenvolvimento da Fisioterapia portuguesa precisa obrigatoriamente do acto liberal, da disposição individual, do preceito ciente. E este requer a necessária vigília de um Órgão "ordenador", de fisioterapeutas para fisioterapeutas, no confronto equidistante do pensar bio-psico-social. Ora, isto reivindica, claro, uma atitude essencialmente merecedora, racional, totalizadora, devedora da respeitabilidade que tantos exigem no cerne da sua óptica autonomizadora.

Na fase em que o processo prepondera, é mormente aos outros profissionais de saúde que os fisioterapeutas se devem dirigir, sobretudo quando tantos outros — fisiatras, enfermeiros de reabilitação, etc. — se propõem substituir-nos. É preciso mostrar-lhes que "acrescentamos" ao invés de "substituirmos". Mas cada vez mais denoto que os fisioterapeutas se pretendem "substituir", numa "defesa" bisando "cientismo", do que desejam "acrescentar", numa postura requeridamente "racional". A Fisioterapia quer chegar à autonomia sem a revolução que ela impõe. E bem que, neste país, algo pode e deve ser feito. Porque a actuação "numérica", fragmentária, prescritivista, massificada, da Fisioterapia que evolve na realidade vigente não dignifica uma profissão ou o próprio utente, nem justifica uma "ordenação". A Fisioterapia que temos a nível nacional está ainda muito aquém da sua inerente potencialidade, fazendo, ademais, com que muitos dos profissionais inicialmente motivados se transformem numa massa pouco digna do que diz ter direito. No estado actual das coisas, a dignidade só pode ser obtida à custa da pose de rebelião e independência dos poucos que prodigalizam ficar à margem do Sistema, e, como tal, da sua concomitante ordenação.

Boa parte do trabalho futuro cabe na questão das "representações sociais". Nesta fase, as mais importantes são as dos "pares" na Saúde. Aliás, sempre foram. Daí ser indispensável criar, publicar, tomar a iniciativa. De há umas semanas para cá, os fisioterapeutas entraram numa súbita febre de afirmação, relativamente à importância da Ordem. E que fizeram eles? Colocaram, no Facebook, molduras de apoio nos perfis. Criaram um abaixo-assinado, não se sabe muito bem para quê ou para quem. À Associação Portuguesa de Fisioterapeutas deu-lhe em colocar vídeos nas redes sociais de apoio de determinadas figuras. Médicos, enfermeiros, psicólogos, sociólogos, políticos? Não! Fernando Mendes, Fátima Lopes, Tony Carreira, Anjos. Como se tudo isto se tratasse de uma campanha política e/ou de angariação de votos.

Pergunto-me: como pode uma profissão demandar credibilidade quando dá um tiro destes nos pés? Para quê "popularuchar" um tema que deveria manter certa sobriedade?

Dirão que, numa fase em que todos sentem que a Ordem se pode vir a esfumar por qualquer coisinha, mais valia não me manifestar. Muitos tentam impedi-lo. Mas, por mim, acho que é mais relevante para a própria profissão, e sobretudo para os pacientes, se coexistir a consciência de que há fisioterapeutas que não se revêem nestes propósitos. Dissidentes, talvez, pleiteando a ordem infecta. Pois a Fisioterapia respeitável tem muito a oferecer. E quando isso já não acontecer, então também já não haverá necessidade de existir uma Ordem.