Museu D. Diogo de Sousa: 100 anos a guardar o passado do Noroeste
Abrigo da memória de Entre o Douro e Minho, desde o Paleolítico até ao tempo de Bracara Augusta, o museu arqueológico assinalou, nesta quarta-feira, os 100 anos de uma história marcada pelos esforços da sociedade civil para manter em Braga as peças reunidas no início do século XX, após as escavações na antiga urbe romana, no final dos anos 70, e por um presente aberto às iniciativas de outros agentes da cidade.
O interior do edifício projectado por Carlos Guimarães e Luís Soares Carneiro, arquitectos da Escola do Porto, e inaugurado em 29 de Junho de 2007, oferece, a quem o visita, uma viagem pelas eras de ocupação humana no litoral norte de Portugal. Os vestígios mais antigos, com cerca de 250.000 anos, dão lugar aos artefactos em bronze e em ferro, das populações que viviam nos castros, e estes, por sua vez, são substituídos pelas ânforas e pelos potes de cerâmicas ou de metais vários, numa fase em que os habitantes já tinham trocado os castros por Bracara Augusta, centro de produção, mas também de comércio com outras geografias do Império Romano.
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O interior do edifício projectado por Carlos Guimarães e Luís Soares Carneiro, arquitectos da Escola do Porto, e inaugurado em 29 de Junho de 2007, oferece, a quem o visita, uma viagem pelas eras de ocupação humana no litoral norte de Portugal. Os vestígios mais antigos, com cerca de 250.000 anos, dão lugar aos artefactos em bronze e em ferro, das populações que viviam nos castros, e estes, por sua vez, são substituídos pelas ânforas e pelos potes de cerâmicas ou de metais vários, numa fase em que os habitantes já tinham trocado os castros por Bracara Augusta, centro de produção, mas também de comércio com outras geografias do Império Romano.
O Museu D. Diogo de Sousa comemorou, nesta quarta-feira, o centésimo aniversário, com mais de duas mil peças em exposição, estando ainda prevista, no Outono, a inauguração de um núcleo de arqueologia grega e romana doado pelo casal alemão Buehler-Brockhaus, radicado em Setúbal. Mais do que se destacarem umas das outras, elas apresentam-se ao público como parte de uma história coesa. “Hoje em dia, os museus, mais do que destacarem peças, as jóias da coroa, têm a preocupação de desenvolverem uma narrativa coerente, apelativa e que atraia a comunidade para a sua identidade e a sua história”, reitera ao PÚBLICO a directora do museu, Isabel Silva.
A 28 de Março de 1918, o cenário que compunha o então museu de arqueologia e arte geral era bem diferente. Criada com o “objectivo de evitar a dispersão do património local até então na posse de particulares e outras instituições”, lembra o director regional de Cultura do Norte, António Ponte, a instituição agregava então uma colecção heterogénea, com pinturas, cerâmicas, porcelanas, materiais arqueológicos e até objectos de heráldica, com cerca de 200 peças. “Era como uma caixa de bolachas sortidas”, descreve a responsável pelo Museu D. Diogo de Sousa.
Alguns desses materiais arqueológicos, nomeadamente os marcos miliários visíveis na última sala da exposição foram reunidos por D. Diogo de Sousa, arcebispo de Braga entre 1505 e 1532, que, segundo Isabel Silva, tinha as “preocupações renascentistas de valorização da cultura clássica” e, além de ter contribuído para a expansão de Braga para além das muralhas do centro histórico, guardou esses marcos então implantados nas vias de saída da cidade.
Outros provinham da colecção particular de Albano Belino, homem interessado em arqueologia que se distinguiu no seio de uma “elite pensante, com formação”, da cidade que, no final da monarquia e no início da república, tinha interesse em criar um museu, lembra Isabel Silva. O projecto tornou-se realidade já depois da sua morte, em 1906, mas, nas primeiras décadas, foi sujeito a uma existência precária numa das alas do então Paço Arquiepiscopal. “Não tinha quadro de pessoal. Ou tinha um director, ou tinha um guarda. Iam alternando. Nem sequer as duas pessoas coexistiram. Nestas circunstâncias, o museu teve muita dificuldade em se afirmar”, conta a directora do museu.
Renascimento com trabalho científico em casa
Com a instalação da recém-criada Universidade do Minho no Paço Arquiepiscopal, na década de 70, o museu, apesar de nunca ter deixado de existir em termos legais, ficou sem espaço físico. A exposição das ruínas de Bracara Augusta em resultado do crescimento da cidade foi, porém, uma oportunidade que o museu viria a aproveitar. A partir de 1976, a sociedade civil bracarense, liderada por um grupo de cidadãos que estaria na origem da associação de defesa do património Aspa, mobilizou-se para garantir a criação de um campo arqueológico onde as ruínas se viam.
Com os trabalhos de escavação e de estudo dos materiais arqueológicos em marcha, a “ideia de ter um museu só vocacionado para a arqueologia surge naturalmente”, prossegue Isabel Silva. Em 1980, o Museu Regional de Arqueologia ressurgiu e, dez anos depois, o projecto do edifício que hoje alberga o seu espólio arrancou, ficando concluído em 2007. Com um custo de cerca de um milhão de euros, o espaço, diz Isabel Silva, foi pensado não só como um lugar de cultura, mas como um “lugar técnico”, com um laboratório para restaurar todas as peças lá incluídas, hoje mais de 30.000, até porque o dinheiro escasseava.
O laboratório, ainda hoje, conta com seis especialistas que já estão ligados à arqueologia desde o fim dos anos 70. Um deles, Isabel Marques, começou a trabalhar no ramo com 15 anos, no campo arqueológico de Bracara Augusta, bem antes de tirar a licenciatura, só concluída em 2004. Entre a explicação de todo o processo quase equivalente a “cuidar de um filho”, desde a escavação até à exposição, processo normalmente mais complexo nos metais pela degradação que tendem a exibir do que nas cerâmicas, a especialista em restauro observa que, embora, muitas vezes, a arqueologia seja vista como cacos, cada caco que lhe passa pelas mãos tem uma história para contar.
“É como dar novamente vida a uma coisa e continuar a contar a sua história. Por um tempo, deixou de ser contada, mas agora voltamos-lhe a dar um estado de conservação para que continue a contar a história”, diz.
Um presente voltado para a cidade e um futuro para o conhecimento
O envolvimento da sociedade civil quer na sua génese, quer na sua revitalização sempre fez e continua a fazer do Museu D. Diogo de Sousa um espaço “muito aberto à comunidade”, uma “plataforma de encontro da cidade”, procurada por “agentes vivos da cidade” não necessariamente ligados à cultura. “Não foi só um espaço cultural, não só um espaço de estudo e preservação dos materiais. Foi sempre um lugar aberto à cidade na área social e económica”, realça a directora do museu.
Depois de ter atingido, em 2017, um pico de 75.000 visitantes, oriundos de latitudes várias, como a América Latina – “pessoas em busca das suas raízes históricas”, diz Isabel Silva –, o museu vê na “renovação de conhecimento” o principal desafio para o futuro. Para a responsável, haver pessoas que desenvolvem trabalho muito especializado, mas “estão a receber pouco mais do que o salário mínimo”, além de injusto, penaliza um país que vê o turismo como o grande pilar do desenvolvimento económico”.
“O primeiro desafio é a renovação dos quadros técnicos e a requalificação das carreiras”, reitera Isabel Silva. Outros factores estratégicos para salvaguardar o futuro do museu são, na sua perspectiva, a melhoria da qualidade da comunicação e a manutenção do imóvel.