As presidenciais egípcias que pouco têm de eleições

Ao assegurar a sua própria vitória, Sissi está a apertar o seu controlo do Egipto de uma forma nunca feita pelos seus antecessores. As urnas estão abertas entre segunda e quarta-feira, mas ninguém vai esperar pelo escrutínio.

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Os cartazes gigantescos do Presidente Abdel Fatah al-Sissi estão por todo o lado na movimentada capital. “Yalla Sissi” ou “Vai Sissi”, lê-se, num apelo a que cumpra um segundo mandato. O problema é que os egípcios terão dificuldades em encontrar cartazes do único rival que terá o seu nome nos boletins – afinal, o obscuro candidato já disse há semanas que quer que Sissi permaneça na presidência.

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Os cartazes gigantescos do Presidente Abdel Fatah al-Sissi estão por todo o lado na movimentada capital. “Yalla Sissi” ou “Vai Sissi”, lê-se, num apelo a que cumpra um segundo mandato. O problema é que os egípcios terão dificuldades em encontrar cartazes do único rival que terá o seu nome nos boletins – afinal, o obscuro candidato já disse há semanas que quer que Sissi permaneça na presidência.

Moussa Mostafa Moussa não fez discursos, anúncios de televisão nem comprou páginas de jornais para apelar ao voto. Na sua primeira acção de campanha estiveram 25 apoiantes. Enquanto líder do Partido al-Ghad (centrista), Moussa tem sido um dos maiores apoiantes de Sissi e faz parte do bem orquestrado esforço para garantir que este continua no poder.

Em declarações à televisão pública, Moussa disse que não quer debater com Sissi por não desejar “desafiar o Presidente”.

“Ela faz parte da peça de teatro”, diz Mohamed Anwar Sadat, candidato que deixou abruptamente a corrida em Janeiro. “Sabe que tem zero hipóteses de vencer”.

Para muitos egípcios, a “campanha” de Sissi é apenas o último sinal do que os críticos descrevem como farsa – e não eleições, apesar de ser o nome dado ao que vai acontecer no país entre segunda e quarta-feira. Outro ex-candidato, um ex-general, como Sissi, foi preso. Outros desistiram por medo ou intimidações. Um outro antigo candidato foi detido e acusado de terrorismo depois de criticar a operação lançada pelo Governo contra opositores e críticos em antecipação das eleições.

Ao assegurar a sua própria vitória, Sissi está a apertar o seu controlo do Egipto de uma forma nunca feita pelos seus antecessores. Durante os anos da ditadura de Hosni Mubarak as eleições eram marcadas por fraude eleitoral e muitas irregularidades, mas pelo menos permitia-se a concorrência de candidatos de uma oposição credível.

Tolerada apesar de ilegalizada, a Irmandade Muçulmana apresentava-se através de candidatos independentes, que acabavam por formar o maior grupo de oposição no Parlamento. Ao mesmo tempo, a partir de certa altura, as presidenciais deixaram ser um plebiscito ao ditador, que permitiu que outros o desafiassem.

Isto ajudou a abrir caminho para que a Irmandade ganhasse peso depois da revolta de 2011, que derrubou Mubarak. Um ano depois, o candidato do partido, Mohamed Morsi, foi eleito como primeiro Presidente civil do Egipto e tentou diminuir os poderes dos militares. Em 2013, as Forças Armadas, lideradas então por Sissi, derrubaram Morsi num golpe e atiraram com ele para a prisão.

Crescente autoritarismo

Esta histórica recente estará por trás do crescente autoritarismo de Sissi, dizem analistas. Na sua opinião e na opinião dos militares, a decisão de Mubarak de ceder à pressão dos EUA e de outros aliados ocidentais e permitir, em 2005, as primeiras presidenciais multipartidárias, foi o que levou ao seu enfraquecimento e consequente contestação social.

“A Administração Sissi não é necessariamente frágil nem está à beira do colapso – mas é certo que está incrivelmente preocupada em recusar qualquer abertura política”, diz H. A. Hellyer, membro não residente do think tank Atlantic Council. “Na verdade, ele acredita que o erro fatal de Mubarak foi ter permitido um começo desse tipo”.

Durante o último ano, Sissi intensificou o seu ataque às liberdades mais básicas. Centenas de sites considerados críticos do regime foram bloqueados, os assassínios extrajudiciais estão a aumentar, dizem grupos de direitos humanos. Inúmeros opositores foram detidos, “desapareceram à força” ou foram postos à margem de outra forma, sento muitas vezes tomados como alvos pelas forças de segurança em nome do combate ao terrorismo.

O último alvo do governo são os media estrangeiros. O principal procurador, Nabil Sadeq, acusou alguns de disseminarem notícias falsas e ameaça levar a tribunal quaisquer jornalistas ou empresas de media que procurarem minar a reputação do país com uma cobertura negativa. Ao mesmo tempo, as medidas de austeridade económicas, o aumento dos preços e a queda nos subsídios aos bens básicos desencadearam uma vaga de frustração pública, pondo em risco a reputação de Sissi.

Ausência de reacções

A eliminação de potenciais concorrentes por parte do Governo não deu origem a nenhuma crítica dos EUA ou de países europeus. O Presidente Donald Trump acolheu Sissi, convidando-o para a Casa Branca. Durante a presidência de Barack Obama, Sissi nunca foi bem-vindo por causa dos abusos de direitos humanos e da falta de liberdades democráticas no Egipto.

Responsáveis de alto nível da Administração Trump dizem que em privado falam com o Governo de Sissi sobre os abusos de direitos humanos. E sublinham a decisão tomada em Agosto de cortar ou adiar o envio de 290 milhões de dólares em ajuda militar e económica em reacção à lei egípcia que pretende impedir o trabalho de organizações não-governamentais, especialmente os grupos pró-direitos humanos e democracia.

Aproveitando uma visita em Fevereiro do agora ex-secretário de Estado Rex Tillerson, um consórcio de grupos de direitos humanos apelou aos EUA e à Europa para criticarem o aliado, dizendo que o Governo “destruiu todos os requisitos mínimos para umas eleições livres e justas”. Os grupos pediam aos países europeus para diminuírem substancialmente a sua assistência financeira ao Egipto – só os EUA contribuem com 1,3 mil milhões em ajuda – até que o governo de Sissi melhore o seu comportamento em relação aos direitos humanos.

“Os aliados do Egipto deviam falar publicamente para denunciar estas eleições absurdas, em vez de continuarem com o apoio quase incondicional a um governo que preside à pior crise dos direitos humanos em décadas”, lia-se no comunicado conjunto.

Sem rivais credíveis

A Comissão Eleitoral, um órgão dependente do Governo, prometeu publicamente que as eleições serão independentes e transparentes. Mas desde Dezembro, as autoridades eliminaram todos os rivais credíveis que poderiam fazer frente a Sissi.

Dois ex-comandantes militares – o tenente-general Sami Anan e o coronel Ahmed Konsowa – foram detidos e presos por violação dos regulamentos militares por pretenderem apresentar-se a votos. Ahmed Shafik, antigo primeiro-ministro e ex-chefe da Força Aérea, retirou-se depois de ter sido (alegadamente) colocado em prisão domiciliária. Num comunicado, Shakif justiçou a decisão de não se candidatar por ter passado demasiado tempo fora do país.

Sadat, o sobrinho de Anwar Sadat, Presidente egípcio assassinado em 1981, deixou a corrida depois de enfrentar inúmeros obstáculos, desde hotéis que recusavam receber as suas acções de campanha e ataques por parte dos media governamentais. Quando se afastou. Sadat, tal como outro potencial candidato, o advogado de direitos humanos Khaled Ali, explicou que a decisão se devia à repressão o Governo e às preocupações de segurança em relação aos seus apoiantes.

“É tudo controlado”, disse Sadat. “Não era esta a democracia que todos esperávamos”.

Acusações de terrorismo

Dias depois da visita de Tillerson, as autoridades detiveram Abdel Moneim Aboul Fotouh, um antigo islamista que lidera o Partido Forte. Foi detido depois de criticar publicamente Sissi e apelar a um boicote às eleições. Uma semana depois, um tribunal egípcio colocou-o numa lista de terroristas por alegadas ligações à Irmandade Muçulmana, agora banida. Aboul Fotouh pode ser impedido de viajar e ver os seus bens congelados.

“No fim de contas, estamos a falar de um regime repressivo e os políticos representam uma ameaça a este regime”, diz um responsável do partido de Aboul Fotouh, que pediu para manter o anonimato por temer pela sua segurança. “É inaceitável para o regime que as pessoas tenham sequer um vislumbre de uma força política alternativa. Ninguém os pode substituir, é essa a sua mensagem”.

Moussa, o único candidato que sobra, anunciou a sua candidatura a 29 de Janeiro – no último dia possível. Isso levou a especulações imediatas de que teria sido ordenado a apresentar-se para trazer credibilidade à candidatura de Sissi e impedir que as eleições se tornassem unicamente num voto à sua actuação.

“Sem outro nome no boletim, o exercício torna-se um referendo – o que simplesmente não parece assim tão bom para a diplomacia pública internacional”, disse Hellyer. “No entanto, o exercício é claro: afinal de tudo, Moussa está no registo como sendo um apoiante comprometido de Sissi”.

"Uma marionete"

Moussa, engenheiro de formação, recusou os pedidos para uma entrevista. Numa conferência de imprensa depois de anunciar a sua candidatura, negou que tenha entrado nas eleições para ajudar a reforçar a legitimidade de Sissi e criar uma aparência de rivalidade. “Estamos a entrar numa competição justa e honrosa para vencer”, disse Moussa aos jornalistas.

Há duas semanas, alguns cartazes de campanha de Moussa foram colocados no Cairo – depois de os jornalistas terem questionado a sua campanha se planeavam colocar algum. Mas para a maioria dos egípcios, as eleições têm um resultado inevitável. Alguns acreditam que a votação será livre e transparente. Outros dizem que a candidatura de Moussa foi criada pelo Governo para agradar à comunidade internacional, especialmente aos financiadores ocidentais.

“Moussa é uma marionete”, diz Mohamed Fathy, de 42 anos, engenheiro agrónomo. “Eles fizeram-no concorrer porque queriam que as coisas parecessem democráticas e para alegar que não prendem todos os candidatos”.

Fathy e outros entrevistados afirmaram que não têm intenção de ir votar.

Mohamed Ramadan, de 42 anos, carpinteiro, também vê Moussa e as eleições da mesma maneira e não planeia ir votar. Ele apoia um segundo mandato de Sissi para evitar tumultos políticos que, no passado, geraram escassez de electricidade e gás e outros problemas económicos. “Precisamos de um militar”, afirma Ramadan. “Para que a vida continue, mesmo mal, este regime tem de ficar, eles são os únicos capazes de administrar as coisas”.

Agora, diz Sadat, o mais importante para o Governo de Sissi é ter uma grande participação eleitoral, pelo menos de 40%. Sem nenhum concorrente credível, acrescenta, o Governo vai ter de mobilizar as pessoas, e “existem muitas formas para fazer isso acontecer”, afirma, sugerindo que o Governo vai manipular a votação.

“Para mim, as eleições presidenciais terminaram”, diz Sadat. “O que é mais importante é o que vem depois das eleições. Vão ficar as coisas melhores politicamente? Vai existir liberdade de expressão? Ou vamos continuar neste tempo muito duro?”.

Exclusivo PÚBLICO/ Washington Post