Nós e a Rússia
Com mais de meia Europa a sinalizar união, a dizer que não vai mais tolerar a dúvida perante a frieza russa, perante as ameaças à democracia e à nossa soberania, Portugal não deve ficar isolado, como nos tempos do antigamente.
Foram quatro anos a acumular desconfiança, quatro anos com uma diplomacia a medo. Esta segunda-feira, porém, o Ocidente deu um sinal claro a Moscovo de que há um limite para o capital de desconfiança que se tem acumulado sobre a acção de Moscovo.
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Foram quatro anos a acumular desconfiança, quatro anos com uma diplomacia a medo. Esta segunda-feira, porém, o Ocidente deu um sinal claro a Moscovo de que há um limite para o capital de desconfiança que se tem acumulado sobre a acção de Moscovo.
A expulsão de diplomatas, concertada entre 17 países da União Europeia, os Estados Unidos da América e o Canadá, só formaliza uma nova era em que já sabíamos ter entrado. Uma era que começou em 2014, quando a Ucrânia se viu perante uma rebelião interna na Crimeia. Que teve novo capítulo no apoio a Assad - e o envolvimento na atroz guerra civil síria. E muitos outros com a suspeita de financiamento a partidos anti-UE, pela Europa fora, ou de uma interferência em eleições várias, da Catalunha a Itália, passando pela América.
Em qualquer um destes casos, a Rússia mostrou ter um padrão, o de negar uma intervenção directa. Foi assim na Crimeia (mas só até à evidência da anexação). Foi assim no financiamento a partidos como a Frente Nacional, no uso das redes sociais para influenciar a campanha pelo Brexit, para dividir a sociedade catalã ou para manipular a opinião pública americana.
A negação russa, até aqui, chegou para conter uma ruptura. Mas o caso do envenenamento de um agente duplo russo no Reino Unido foi a gota de água que entornou um copo cheio. À distância, pode parecer pouco - mas só para quem não viu tudo. “Pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial, uma arma química foi usada na Europa”, lembrou o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão.
O suficiente para pôr fim à paciência e inaugurar uma nova era diplomática, a da desconfiança. Deixou de importar, portanto, se há certezas absolutas sobre o envolvimento do Kremlin nesta morte, quando o químico em causa só se produz em território russo. A partir de ontem, anota o The New York Times, “o uso bem sucedido da ‘negação plausível’ colide com os interesses do Kremlin e contribui para um veredicto: culpado, até provada a inocência”.
E nós, no meio de tudo isto? Com mais de meia Europa a sinalizar união, a dizer que não vai mais tolerar a dúvida perante a frieza russa, perante as ameaças à democracia e à nossa soberania, Portugal não deve ficar isolado, como nos tempos do antigamente. Portugal, sobretudo, não pode deixar outra dúvida: a de que troca princípios e abdica de aliados, pela irrelevância da distância ou pela troca de apoios que levou um português para a liderança da ONU.
Se queremos mesmo ser relevantes, talvez fosse bom começar por aqui.