Greve também é sinónimo de universidade? No Reino Unido sim
Durante 14 dias, dezenas de milhares de professores de 64 universidades britânicas fizeram greve. Um protesto contra um projecto de cortes nas pensões, que alia o pagamento destas ao desempenho da Bolsa de Valores, tornou-se um levantamento contra a "mercantilização" do ensino superior. Os estudantes também estiveram lá.
Improvável. O que parecia ser impossível aconteceu e a palavra greve passou a figurar no rol de termos associados às universidades britânicas, de que fazem parte expressões como investigação, prestígio ou dinheiro. Este foi um dos resultados de uma história que tem apenas um mês e que se traduziu, na prática, em 14 dias de greves rotativas (entre 22 de Fevereiro e 19 de Março), realizadas por professores de 64 universidades, entre elas Cambridge e Oxford.
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Improvável. O que parecia ser impossível aconteceu e a palavra greve passou a figurar no rol de termos associados às universidades britânicas, de que fazem parte expressões como investigação, prestígio ou dinheiro. Este foi um dos resultados de uma história que tem apenas um mês e que se traduziu, na prática, em 14 dias de greves rotativas (entre 22 de Fevereiro e 19 de Março), realizadas por professores de 64 universidades, entre elas Cambridge e Oxford.
Segundo informação enviada ao P2 pelo maior sindicato de professores do Reino Unido, o University and College Union (UCU), a greve foi votada em Janeiro por 42 mil professores, mas “muitos milhares mais” juntaram-se à paralisação a partir do seu início a 22 de Fevereiro.
Numa aliança também pouco usual, juntaram-se nesta acção professores catedráticos, associados, auxiliares e assistentes, com contrato ou em situação precária. Começaram por protestar contra um projecto de redução das suas pensões de reforma, que em média se poderá traduzir por um corte de 11.255 euros/ano em cada uma destas prestações. E acabaram a ir mais longe pondo em causa o que consideram ser a “mercantilização do ensino superior” no Reino Unido, um modelo de que, frisam, também faz parte a obrigação do pagamento de propinas por parte dos estudantes, que passou a vigorar a partir do final dos anos de 1990.
Actualmente, o valor da propina anual para os estudantes do Reino Unido ronda os 11 mil euros, o mais alto da União Europeia. Não existem apoios públicos para o seu pagamento, apenas linhas de crédito bancário.
Os estudantes (cerca de um milhão terão sido afectados pelas greves) juntaram-se aos professores nos piquetes montados nas várias faculdades e instituições, que se prolongaram noite dentro, e exigem também, em petições já subscritas por mais de 80 mil, que os responsáveis pelas universidades lhes devolvam o dinheiro que pagaram pelas aulas que não foram dadas. Muitos professores, a quem não serão pagos os dias de greve, apoiam esta pretensão.
"Somos muitos e estamos fartos"
O projecto de corte de pensões, justificado pela existência de um alegado défice de seis mil milhões de libras (cerca de sete mil milhões de euros), ainda não foi abandonado pelos reitores, reunidos na organização Universities UK (UUK), que representa os empregadores nas conversações com os sindicatos. E a UCU ainda não decidiu quais serão os próximos passos, que poderão passar por novas greves durante os exames, marcados para Maio. “Já não é apenas sobre as reformas, há uma revolução em andamento”, apontou no seu blogue o professor da London School of Economics, Jason Hickel. O P2 foi ouvir quem andou por lá.
“Houve a oportunidade de falar abertamente, com professores e estudantes, sobre o que precisa de mudar neste sistema e perceber que somos muitos e estamos fartos”, relata Joana Canelas, 33 anos, estudante de doutoramento e professora assistente na Universidade de Kent. E isso aconteceu, conta, por que “de repente, durante os dias de greve, tínhamos tempo para falar uns com os outros para além da disciplina que leccionamos ou do departamento em que estamos”. Quebraram-se barreiras: “Numa universidade onde antes nos sentíamos ilhas isoladas, estávamos juntos tanto lá fora [nos piquetes] como em reuniões com mais de 200 pessoas a discutir estratégias, o que queremos mudar e como.”
Joana Canelas está na Universidade de Kent há três anos: recebeu uma bolsa de doutoramento em conjunto com uma oferta de trabalho. Nos termos do contrato que assinou prescindir de uma função significa abdicar da outra. No total, acrescenta, recebe “o equivalente ao salário mínimo do Reino Unido”.
“Desproporcional e altamente penalizador das reformas futuras.” É assim que Jorge Catalá-Carrasco, 40 anos, professor associado da Universidade de Newcastle, descreve o projecto de cortes que esteve na base do protesto, acrescentando um “pormenor” significativo: “Todo o dinheiro que descontamos dos nossos salários para a reforma ficará inteiramente dependente [do desempenho] da Bolsa de Valores, o que aumenta em muito a incerteza do que acontecerá quando nos reformarmos.”
Mercantilização do ensino superior
Para este docente, trata-se de “mais um passo na mercantilização do ensino superior”, que se for por diante levará, por exemplo, a que os jovens professores venham a receber, quando se retirarem, uma pensão “abaixo do salário mínimo”. Dos dias de greve ficou-lhe, para já, “um incrível sentimento de solidariedade e de pertença a um esforço colectivo”.
“Demonstrámos o poder do pensamento crítico, da acção colectiva, da compaixão no local de trabalho, do diálogo aberto e da solidariedade”, resume William Rowlandson, professor associado na Universidade de Kent, destacando que o apoio dos estudantes neste protesto “foi impressionante”. “Sentimos colectivamente que estamos a resistir não só a um projecto de corte das pensões, mas sim a um projecto mais amplo de neoliberalização das nossas universidades”, aponta também.
Neste processo, exemplifica Joana Canelas, os estudantes “são levados a endividar-se com empréstimos de 26 mil libras [cerca de 30 mil euros] para terminar uma licenciatura [92% recorrem a este meio], o corpo docente é mal pago (em relação às suas qualificações), em muitos casos está sujeito a contratos precários, e os meios de produção de conhecimento ficam sujeitos aos mecanismos da especulação económica”.
“Sinto-me traída pela universidade”, desabafa Stephanie Dennison, 50 anos, professora catedrática em Leeds, insistindo que os responsáveis por estas “têm que ouvir os professores e funcionários e não só os seus colegas do fundo de pensões (USS)”. Foi esta organização, Universities Superannuation Scheme, dirigida por responsáveis das universidades, que propôs o novo projecto ao Conselho de Reitores (UKK), que o aprovou. “Foi uma consulta viciada. O voto de alguns colégios de Oxford e Cambridge foi equiparado ao de universidades inteiras. Na prática, só 42% das universidades representadas na UKK concordaram com o projecto”, denuncia William Rowlandson
Stephanie Dennison adianta que há “alguns reitores que estão a manifestar abertamente a sua simpatia pela posição sindical”. Não é o caso do seu, como conta: “Na Universidade de Leeds estão a ameaçar que nos vão tirar ainda mais de salário se não repusermos as aulas que não demos durante a greve. Chega a ser ofensivo. E pior, é antidemocrático porque anula o efeito desejado quando se faz greve: não produzir.”