Ugly Delicious, ou a internacional da comida feia
“Konnichi-wa, bitches!” A expressão só é usada no último dos oito episódios de Ugly Delicious, mas define muitíssimo bem o que se passa no delirante monstro de muitas cabeças a que David Chang, Peter Meehan e Morgan Neville deram forma para a Netflix. É uma viagem de sabores com Chang, o chefe coreano-americano celebrizado pela cadeia Momofuku, Meehan, ex-crítico de restaurantes reconvertido em autor e colaborador regular de Chang, e os seus convidados – que vão de Aziz Anzari e Alan Yang, da série Master of None, a David Simon, o criador de The Wire, passando por nomes respeitados da elite culinária como René Redzepi ou Sean Brock. Mas a ideia da série, supervisionada pelo documentarista Neville (premiado com o Óscar por A Dois Passos do Estrelato e já autor de Abstract para o serviço de streaming), não é celebrar a gastronomia molecular. Aliás, um dos episódios começa com uma paródia do genérico de Chef’s Table que acaba com sangue. Muito sangue.
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“Konnichi-wa, bitches!” A expressão só é usada no último dos oito episódios de Ugly Delicious, mas define muitíssimo bem o que se passa no delirante monstro de muitas cabeças a que David Chang, Peter Meehan e Morgan Neville deram forma para a Netflix. É uma viagem de sabores com Chang, o chefe coreano-americano celebrizado pela cadeia Momofuku, Meehan, ex-crítico de restaurantes reconvertido em autor e colaborador regular de Chang, e os seus convidados – que vão de Aziz Anzari e Alan Yang, da série Master of None, a David Simon, o criador de The Wire, passando por nomes respeitados da elite culinária como René Redzepi ou Sean Brock. Mas a ideia da série, supervisionada pelo documentarista Neville (premiado com o Óscar por A Dois Passos do Estrelato e já autor de Abstract para o serviço de streaming), não é celebrar a gastronomia molecular. Aliás, um dos episódios começa com uma paródia do genérico de Chef’s Table que acaba com sangue. Muito sangue.
O que Ugly Delicious faz é mergulhar a fundo na comfort food mal vista – pizzas, sushi, galinha frita, dim sum, churrasco, tacos mexicanos, arroz chau-chau – e perceber que todo o mundo tem aquela comida que nos habituámos a comer em casa ou no restaurante da esquina, que não faz vista nem é considerada alta-cozinha mas que, se calhar, nos agrada muito mais do que o menu de degustação uma-vez-na-vida. Chang chama a essa comida feia deliciosa, e é daí que vem o título Ugly Delicious, decantado em oito episódios que têm qualquer coisa de punk na maneira desestruturada como estão estruturados. O genérico nunca é igual, as viagens são entrecortadas por animações bizarras, reportagens de exterior à la Daily Show e interlúdios satíricos propositadamente amadores, a câmara revela de vez em quando mais do que devia. Como no episódio das pizzas em que Chang vai acompanhar uma carrinha de entregas da Domino’s e às tantas diz, farto, “chega, não faço nem mais uma entrega”; ou no outro em que, levado a um restaurante de cozinha imperial chinesa, o chef é incapaz de comer os manjares que lhe são propostos.
Digamos, à falta de melhor comparação, que desde os tempos áureos de Anthony Bourdain pré-CNN e do seu No Reservations que não víamos uma série de culinária tão desformatada e tão marcada pela personalidade do seu chef – e, ao mesmo tempo, tão apaixonada e tão capaz de pensar inteligentemente naquilo que une a comida de conforto de todo o mundo. Ugly Delicious faz a ponte entre os ravioli e outros gnocchi italianos e os dumplings e outros dim sum chineses, entre os churrascos de lenha de animais inteiros do Sul americano e as delicadas espetadas de aves de “escondidinhos” de Tóquio. Recusa-se a fazer a diferença entre comida “rica” e “pobre”, “étnica” e “ocidental”, “caseira” e “industrial”. Para David Chang, só há comida boa e comida má, e desde que se faça e se coma com gosto pouco interessa de onde venha. Konnichi-wa, bitches!