Um festim de jazz português em forma de trio
De sexta-feira a domingo, a Festa do Jazz instala-se entre o Picadeiro do Museu de História Natural e o Conservatório Nacional, em Lisboa. Em ano de trios, um olhar sobre os Rite of Trio e o João Paulo Esteves da Silva Trio.
Numa das primeiras actuações ao vivo os Rite of Trio, grupo formado por Pedro Melo Alves (bateria), André Silva (guitarra) e Filipe Louro (contrabaixo) ainda enquanto alunos do curso de Jazz da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE), aventuraram-se por um arranjo do último andamento de A Sagração da Primavera, de Stravinsky. Embora de uma forma aberta e “pouco restritiva”, a Sagração (The Rite of Spring, em inglês) é uma das duas peças que explicam o nome do colectivo — a outra é a série The Art of the Trio, que Brad Mehldau desenvolveu com Jorge Rossy e Larry Grenadier entre 1996 e 2000. São pistas que, na verdade, pouco nos dizem sobre a música dos Rite of Trio à excepção de se tratar de um trio de filiação jazzística e de o seu reportório – até agora – ser composto em larga maioria por música escrita.
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Numa das primeiras actuações ao vivo os Rite of Trio, grupo formado por Pedro Melo Alves (bateria), André Silva (guitarra) e Filipe Louro (contrabaixo) ainda enquanto alunos do curso de Jazz da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE), aventuraram-se por um arranjo do último andamento de A Sagração da Primavera, de Stravinsky. Embora de uma forma aberta e “pouco restritiva”, a Sagração (The Rite of Spring, em inglês) é uma das duas peças que explicam o nome do colectivo — a outra é a série The Art of the Trio, que Brad Mehldau desenvolveu com Jorge Rossy e Larry Grenadier entre 1996 e 2000. São pistas que, na verdade, pouco nos dizem sobre a música dos Rite of Trio à excepção de se tratar de um trio de filiação jazzística e de o seu reportório – até agora – ser composto em larga maioria por música escrita.
Todas as demais conclusões são da exclusiva responsabilidade do ouvinte/leitor – até porque, na génese, os Rite of Trio surgiram impelidos por um conjunto de concertos de novos talentos europeus da música improvisada a que assistiram. “Isso acendeu em nós a faísca daquilo que era possível fazer além-fronteiras estéticas ou académicas”, conta Pedro Melo Alves ao PÚBLICO. Quer isto dizer que a música do trio assenta numa concepção abrangente daquilo que a sua criação pode ser, a partir de uma ideia de “juventude musical” que o baterista faz corresponder a uma crença absoluta “no humor e na frescura” que saltam dos seus instrumentos. Pedro diz que esta juventude não é sinónimo de “irreverência gratuita ou adolescência musical”, mas antes “uma perspectiva de que tudo é possível, com horizontes plenos”.
Pois bem, mais do que Brad Mehldau ou Igor Stravinsky, as constantes guinadas estilísticas dos Rite of Trio que fazem jus ao slogan “Tudo é possível” levam-nos a pensar noutras formações turbulentas, como os Naked City com que John Zorn agitou Nova Iorque nos anos 80 e 90. É essa música deliciosamente instável, baseada sobretudo no reportório do álbum de estreia Getting All the Evil of the Piston Collar! (editado pela Porta-Jazz em 2015), que se ouvirá esta sexta-feira, no Picadeiro do Museu de História Natural e Ciência, na noite de abertura da 16.ª edição da Festa do Jazz, dedicada a uma tríade de trios – além de Rite of Trio, actuarão o João Barradas Trio e o Pablo Lapidusas International Trio. Do jazz ao rock, em palco estará toda a bagagem musical que cada um carrega desde que primeiro pegou num instrumento, sem filtros de qualquer espécie, naquele que é o grande momento anual de reunião da comunidade jazzística nacional.
Tratando-se do projecto mais antigo que Pedro Melo Alves mantém em actividade, é também aquele em que o vencedor do Prémio de Composição Bernardo Sassetti 2017 deposita “maior confiança a longo prazo”. E isso porque “qualquer álbum daqui para a frente pode ter um carácter radicalmente diferente, quer em termos de linguagem, de conceito, até os instrumentos podem estar em aberto”. Rite of Trio é, portanto, muito mais uma ideia, um princípio de exploração musical comum a três músicos e não a fixação de qualquer linguagem – com o compromisso único de não estabelecer compromissos.
Festa de trios
Por falar em prémios, ainda na sexta-feira serão entregues no Picadeiro os Prémios RTP-Festa do Jazz (que distinguem os músicos que mais se destacaram ao longo do ano anterior). E, por falar em trios, é olhar para esta edição da Festa do Jazz, com concertos também no Picadeiro, e perceber que esse é o formato dominante deste ano: aos colectivos da primeira noite juntam-se Rodrigo Amado, Hernâni Faustino e Harris Eisenstadt (sábado, 18h30), Maria João Ogre Electric Trio (sábado, 23h00) e João Paulo Esteves da Silva Trio (domingo, 17h00). Desde 1992, no seu regresso a Portugal, que João Paulo Esteves da Silva toca regularmente com o baterista Mário Franco – com ele gravou o seu primeiro álbum, Serras sem Fim, em 1995; mais tardio, cerca de uma década volvida, deu-se o seu encontro com o baterista suíço Samuel Rohrer. Só há quatro anos, todavia, os três se juntaram numa formação que o pianista assume que “tem tocado de maneira esparsa”.
Seria difícil de concluir pela actividade irregular do trio, tal é a espantosa música que os três criam em conjunto numa situação de improvisação total, vogando tanto por “temas mais abstractos quanto por melodias organizadas, quase canções até”. Traduzamos esta atitude para esclarecer que o colectivo apenas ensaia para garantir que o som antes de cada concerto está à sua medida e que não há uma única nota escrita ou ambiente combinado antes de qualquer actuação. Acontece que esta improvisação a três desagua numa música de uma dimensão lírica e poética, quase impossível de imaginar nascida assim, sem rede. “Encontramo-nos, começamos a tocar e a música surge” – tão simples quanto isto nas palavras do pianista. “Claro que cada qual vem com a sua história, com as experiências, as suas linguagens e os seus mundos.”
Esta relação a três foi documentada, em 2017, no álbum Brightbird, um dos álbuns jazz do ano para o Ípsilon, 13 temas no interior dos quais João Paulo – também com actividade artística enquanto poeta – reconhece sentir que “linguagem e música viajam de uma zona para a outra, em que a música pode surgir da poesia e a poesia da música, mas quando uma surge apaga a outra – ficando esta apenas como fonte ou fundo”.
Como sempre, aos concertos da Festa do Jazz – que incluem ainda Eduardo Cardinho Quarteto (sábado, 17h), Beatriz Nunes Quarteto (sábado, 21h30), André Fernandes (domingo, 18h30), Quinteto Ricardo Pinto (domingo, 21h), Alexandre Coelho Quartet (domingo, 22h30), divididos entre o Picadeiro e o Conservatório Nacional – juntam-se o concurso de escolas de música durante as tardes de sábado e domingo no conservatório, debates e masterclasses.