Quase 60 anos depois da sua morte em Angola, Otília vai trazer “o mano”

Permanecem enterrados em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique cerca de 1500 militares portugueses. Aquilino da Silva Gonçalves tinha 20 anos quando morreu. A irmã lamenta que ele tenha estado todos estes anos “lá sozinho, abandonado”.

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Aquilino da Silva Gonçalves era o irmão o mais velho de 11 filhos. O segundo cabo do Exército morreu a 15 de Outubro de 1961, junto a uma fazenda chamada “Tentativa”, três meses depois de chegar a Angola DR

“Para Angola, rapidamente e em força.” A célebre frase dita por Oliveira Salazar a 13 de Abril de 1961 marca o início da guerra colonial, que começaria naquele país e se arrastaria a Moçambique e à Guiné-Bissau. O irmão de Otília Gonçalves, Aquilino da Silva Gonçalves, foi mandado para a guerra logo no primeiro ano do conflito. Morreu cerca de três meses depois de chegar a Angola, ia fazer 21 anos. Há quase duas décadas que a irmã conseguiu localizar a campa, mas só este ano angariou o dinheiro necessário para trazer o corpo que deverá chegar a Portugal na próxima semana, 57 anos depois da morte de Aquilino.

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“Para Angola, rapidamente e em força.” A célebre frase dita por Oliveira Salazar a 13 de Abril de 1961 marca o início da guerra colonial, que começaria naquele país e se arrastaria a Moçambique e à Guiné-Bissau. O irmão de Otília Gonçalves, Aquilino da Silva Gonçalves, foi mandado para a guerra logo no primeiro ano do conflito. Morreu cerca de três meses depois de chegar a Angola, ia fazer 21 anos. Há quase duas décadas que a irmã conseguiu localizar a campa, mas só este ano angariou o dinheiro necessário para trazer o corpo que deverá chegar a Portugal na próxima semana, 57 anos depois da morte de Aquilino.

Na altura, os pais de Otília apenas receberam um telegrama a dizer que o filho tinha morrido, perto de Nambuangongo, num acidente envolvendo uma viatura militar — “Muito simples e frio. Ponto final”, conta Otília Gonçalves. “Se quisessem o filho morto, tinham de pagar. Era impossível. Tinham de vender a casa e as terras, claro que não dava.”

De 1961 a 1967 o Estado português só pagava a ida e o regresso aos militares vivos, não o dos mortos. Quem queria trazer os seus familiares tinha de pagar e quanto mais longe morria o militar mais caro: a trasladação de corpos de Angola custava à família 10 mil escudos (o que equivaleria a cerca de 4000 euros aos preços de hoje); trazer um corpo de Moçambique era ainda mais caro, 12 mil escudos; da Guiné, ficava um pouco mais barato, 7500 escudos, lembra o livro de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, Os Anos da Guerra Colonial 1961 — 1975 (QuidNovi).

As famílias dos mais pobres, por norma soldados e cabos, eram as que não tinham dinheiro para mandar trazer os corpos. Por isso, os que permanecem enterrados até hoje em Angola, Guiné-Bissau e Moçambique são sobretudo soldados e cabos. O irmão de Otília Gonçalves era segundo cabo do Exército. Morreu a 15 de Outubro de 1961, a funerária em Angola que lhe está a tratar do processo informou-a que o corpo deverá chegar na próxima semana.

De acordo com o último levantamento da Liga dos Combatentes permanecem enterrados naqueles países os corpos de cerca de 1500 militares portugueses. Durante a guerra morreram cerca de nove mil homens, um número que inclui, além das mortes em combate, também as causadas por doença e acidente.

Aquilino da Silva Gonçalves era o irmão o mais velho de 11 filhos, morreu junto a uma fazenda chamada “Tentativa”, refere Otília, que tem 53 anos, vive em Vieira de Leiria e está desempregada. Embora nunca tenha conhecido o irmão sem ser de foto, a presença da ausência “do mano”, como sempre o trata, marcou-lhe a infância, na aldeia de Ponte de São Vicente, distrito de Braga. “Eu, pequenina, ia dar com a minha mãe a chorar sentada no chão, atrás do milho. ‘Sai daqui’”, ordenava à filha. Não queria que a sua dor fosse vista. Foi assim durante anos.

No Verão, na altura de arejarem as roupas, do fundo de uma arca de madeira saía também o livro da primária “do mano”. Todos os anos os pais mandavam celebrar missa por altura do nascimento do filho e da sua morte. “Eu via a tristeza deles.” “Trazer o meu mano é uma homenagem aos meus pais [que entretanto morreram], é para lhes dar descanso a eles, e a mim. Ele está lá sozinho, abandonado”. Para Otília sempre houve algo inacabado.

Muitos donativos

Há cerca de 20 anos conseguiu, com a ajuda de um militar, localizar a campa do irmão no Cemitério de Sassa, a cerca de 60 quilómetros de Luanda. Escreveu muitas cartas e emails, do Presidente da República, ao primeiro-ministro, “a todos os órgãos”. “‘Acusamos a recepção, com os melhores cumprimentos.’ Mais nada. Ele é português, não é angolano.”

Otília Gonçalves acompanhou de perto todo o processo levado a cabo por Ernestina da Silva, uma filha que só em Dezembro do ano passado conseguiu trazer o corpo do pai, um soldado pára-quedista morto em combate em Angola em 1963. Otília foi de propósito a Lobão da Beira para o funeral de António da Conceição Lopes da Silva e, tal como aquela filha, teve a mesma pessoa a ajudá-la no longo e caro processo burocrático, Carlos Rosa, um português que chegou a Angola em 2009 para trabalhar numa construtora, mas que tem ajudado familiares de ex-militares cujos restos mortais não chegaram a ser trazidos para Portugal.

Só este ano Otília Gonçalves conseguirá trazer o corpo, “com a bondade de muitas pessoas”, porque foi o tempo que lhe levou a angariar os 6500 euros de despesas com a funerária em Angola mais os 1500 euros da funerária em Portugal. No seu Facebook pediu também donativos a ex-combatentes.

O transporte aéreo será assegurado pela Tap, no âmbito de um acordo que a Liga dos Combatentes tem com a transportadora.

O irmão será enterrado no cemitério da aldeia onde nasceu e onde também estão os pais, na freguesia de Ponte de São Vicente. “Creio que vou ficar finalmente em paz.”