O Algarve, a terra dos ricos – e dos turistas que não votam
Veja-se por exemplo o que é o calvário da saúde pública e do SNS no Algarve, desde há décadas. Dos hospitais de Faro e de Portimão o que se sabe é a constante reclamação de falta de quase tudo.
In memoriam Carlos Silva e Sousa, um presidente que não estava à venda e do qual o seu concelho se podia orgulhar.
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In memoriam Carlos Silva e Sousa, um presidente que não estava à venda e do qual o seu concelho se podia orgulhar.
Se formos à estatística, essa panaceia universal para evitar ou justificar qualquer acção, parece que o Algarve é a terceira região mais rica de Portugal, depois de Lisboa e Vale do Tejo e da Madeira – assim dizem os números do PIB. Praticamente meio milhão de pessoas vive ali. O turismo, o principal de responsável por aquela opulência estatística, leva ao Algarve ao longo do ano mais de 4 milhões de pessoas, não contando sequer com todas aquelas, muitas, que têm uma segunda habitação e passam férias na região.
No entanto, elementos decisivos do que é – ou queremos que seja - a presença e a identidade do Estado e dos serviços públicos nesta região colocam-na invariavelmente em permanente alerta vermelho e em regime de crise.
Veja-se por exemplo o que é o calvário da saúde pública e do SNS no Algarve, desde há décadas. Dos hospitais de Faro e de Portimão o que se sabe é a constante reclamação de falta de quase tudo, a começar por médicos e enfermeiros. E basta lá ser atendido, especialmente nos meses de Verão, para se perceber como pode decorrer uma guerra civil num país europeu e isso não merecer qualquer notícia na comunicação social ou alarme na opinião pública. E isso é assim há décadas.
Parece que todos os anos se aproxima o calor do fim da Primavera e há um qualquer responsável que se surpreende pela primeira vez todos os anos – como no filme O Feitiço do Tempo, mas sem qualquer humor e sem o grande Bill Murray:
- Eh pá, isto agora está a vir muita gente ao hospital, o que será que se passa?...
No entanto, como era notícia na terça-feira e é claro há muito tempo para quem a use na região, há pelos vistos um fluorescente (e lucrativo) mercado para a saúde privada – e contratualizada com o Estado –, onde os médicos não faltam, não há listas de espera e o agora “cliente” se sente um pouco mais acompanhado. Como se noticiava neste jornal, nas maternidades dos hospitais públicos não há pediatras, esse luxo setentrional. Na oferta privada, “we speak english”.
Não é só a saúde pública que parece recuar perante o aproximar do Equador. Até na justiça acontece o mesmo. Qual a região do País com mais falta de funcionários judiciais? O Algarve. Porquê? Porque – lá vem o PIB – arrendar uma casa e ir às compras é aqui substancialmente mais caro do que no Norte ou no Centro e porque, o nosso grande planeamento público em acção, se conseguiu criar uma carreira cujo acesso depende de uma formação profissional que não é oferecida em metade do País (certo, a metade sul), pelo que oficiais de justiça originários do Algarve são um mito, urbano, rural, you name it.
Junte-se a isto um longo saque mafioso sobre o território e o ambiente, organizado por construtores civis e por demasiados autarcas, que transformou partes substanciais do Algarve em cenários próprios de campos de refugiados. Adicione-se a incapacidade demasiado habitual dos decisores locais, públicos e privados, de atrair massa crítica, fixar indústria empregadora, integrar mais a comunidade estrangeira residente ou tornar atractiva a região para além do sol e da praia. E percebe-se afinal porque alguns dos números do desemprego mais elevados estão em concelhos do Algarve, acompanhando autarquias falidas, porque pouca coisa na região se consegue alcançar acima da mediocridade, porque os serviços públicos locais estão pouco habituados a receber e a corresponder a queixas e propostas de cidadãos, que vêem como uma massa indecifrável e até inexistente no Algarve. Esta tornou-se uma terra preenchida por mão-de-obra sazonal e por turistas estrangeiros, cada vez menos por cidadãos.