Dois terços dos hospitais levam mais de 90 dias a pagar
Os hospitais mais demorados chegam a levar ano e meio para saldar dívidas. Valores em atraso aumentaram 14% entre Dezembro de 2017 e Janeiro de 2018. Representantes dos médicos e dos enfermeiros dizem que constrangimentos se sentem em todo o país.
Em média, os hospitais portugueses demoram 196 dias a pagar as suas contas. Os valores são referentes ao último trimestre de 2017 e têm vindo a aumentar desde o início de 2016. Entre 50 hospitais, 33 levam mais de 90 dias. São 66%. O atraso em saldar as contas até já colocou Portugal na mira da Comissão Europeia, que quer ver esta média reduzida. À medida que aumentam os prazos médios de pagamento, cresce também a quantia em atraso. No final de Janeiro eram 951,9 milhões de euros, um valor 14% superior ao de Dezembro de 2017 e 55% maior do que o de Janeiro de 2017. Um início de ano que não era tão mau desde 2012, em plena crise financeira.
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Em média, os hospitais portugueses demoram 196 dias a pagar as suas contas. Os valores são referentes ao último trimestre de 2017 e têm vindo a aumentar desde o início de 2016. Entre 50 hospitais, 33 levam mais de 90 dias. São 66%. O atraso em saldar as contas até já colocou Portugal na mira da Comissão Europeia, que quer ver esta média reduzida. À medida que aumentam os prazos médios de pagamento, cresce também a quantia em atraso. No final de Janeiro eram 951,9 milhões de euros, um valor 14% superior ao de Dezembro de 2017 e 55% maior do que o de Janeiro de 2017. Um início de ano que não era tão mau desde 2012, em plena crise financeira.
Segundo dados disponíveis no Portal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o mais demorado é o Centro Hospitalar de Setúbal. Leva, em média, 505 dias - cerca de ano e meio - a saldar as contas. O Centro Hospitalar de Lisboa Norte (439 dias), o Centro Hospitalar do Baixo Vouga (395), o Hospital Distrital de Santarém (389) e a Unidade Local de Saúde de Matosinhos (384) também integram a lista das que demoram mais de um ano. Mas ser o mais demorado não significa que tenha a maior quantia por pagar. Neste caso, o Centro Hospitalar Lisboa Norte, com 130 milhões de euros em atraso, ocupa o primeiro lugar. Segue-se o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra com 98 milhões em atraso e o Centro Hospitalar de Lisboa Central, com 75 milhões.
A proporção de pagamentos em atraso no total da dívida dos hospitais também tem vindo a aumentar. No final de 2016 correspondia a 39%. Em 2017, esse número subiu para 49%. O Hospital Distrital de Santarém no qual, no final do ano passado, os pagamentos em atraso correspondiam a 82,4% da dívida total, é mesmo o pior caso.
O PÚBLICO questionou o Centro Hospitalar de Setúbal, o Centro Hospitalar Lisboa Norte e o Hospital Distrital de Santarém, que se destacam pela demora em pagar, pelo valor da dívida em atraso e pelo peso dos pagamentos no total da dívida, respectivamente, para perceber quais as razões que conduziram a este cenário e qual o impacto no atendimento dos utentes destas unidades, mas não obteve resposta.
Dificuldades sentem-se no quotidiano
O endividamento e a consequente contenção da despesa têm impacto no quotidiano dos hospitais, dizem os bastonários dos médicos e dos enfermeiros. “Paralisa todos os gastos que seja necessário fazer além das despesas correntes”, nota Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos. “Tudo o que seja aquisição de material pesado, obras estruturais, acessórios, contratações de pessoal… fica paralisado.” Chegam mesmo a existir “relatos de vários hospitais que dizem que os materiais necessários para o exercício da saúde vão faltando.”
Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, também dá conta de “falta de materiais” nos hospitais. Faltam “luvas, esponjas, lençóis, cobertores, almofadas”, revela. A enfermeira pinta um cenário da situação actual pouco animador: “Tenho colegas há 25/30 anos na profissão que me dizem que isto nunca esteve tão mau.”
Para a representante da Ordem dos Enfermeiros, há ainda outro lado nesta questão que tem a ver com o “desinvestimento na promoção da saúde”. O foco passa a ser a vertente curativa e de tratamento, quando “devíamos estar a ir às escolas e a trabalhar na comunidade”, nota.
Com questões como a falta de pessoal, por exemplo, surgem outros problemas que têm "consequências directas no acesso ao cuidado de saúde dos utentes". É o caso do incumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos que, diz Miguel Guimarães, “não estão a ser cumpridos". "Sobretudo em situações menos graves, mas também não estão a ser em cumpridos em casos mais graves. É preocupante. O acesso a uma primeira consulta de especialidade ou a uma cirurgia está mais difícil."
Os constrangimentos, afirma o bastonário, “já chegam praticamente a todos os hospitais”. E traduzem-se na falta de profissionais, estruturas deficitárias e “incapazes” de dar resposta às necessidades e até equipamentos “fora de prazo”. “Diria que as queixas são generalizadas. Claro que objectivamente há hospitais que estão melhor e que os que têm mais necessidades ficam em zonas mais periféricas e carenciadas”, salienta. Ana Rita Cavaco concorda. A bastonária diz que há casos particularmente graves, mas “todos estão mal”.
Mais de 300 dias para pagar à indústria
“Existe um conjunto significativo de hospitais com prazos superiores a 500 dias, bastante acima da média nacional, e que mantêm historicamente esta má performance”, revela a Associação Portuguesa das Empresas de Dispositivos Médicos (Apormed), ao PÚBLICO. Em respostas enviadas por email, a associação detalha que a média global de recebimento se fica pelos 378 dias. No final de Fevereiro, a dívida vencida há mais de 90 dias correspondia a 210 milhões de euros.
Ainda assim, a associação sublinha que “apesar do cenário nefasto, as empresas associadas da Apormed têm sido bastante resilientes e têm revelado sentido de responsabilidade, não pondo em causa o acesso dos doentes aos cuidados de saúde”.
No caso da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), a demora ronda os 322 dias. Mas o fornecimento de medicamentos não está em causa. A associação diz, em respostas enviadas ao PÚBLICO, que "as farmacêuticas foram sempre sensíveis à questão da sustentabilidade e do financiamento do Serviço Nacional de Saúde. Prova disso, é a capacidade da Apifarma e das empresas associadas em concretizar acordos sucessivos com o Estado, permitindo assegurar que os hospitais públicos mantivessem capacidade para fornecer aos seus doentes os medicamentos de que necessitam".