Ferrovia: evitar o desastre
No meio de toda esta enorme confusão, o que temos é a habitual navegação à vista e a influência de lobbies poderosos.
Os investimentos públicos que o Governo do Partido Socialista vai anunciando, desde o porto do Barreiro à infeliz e trágica decisão de usar a bitola ibérica na chamada modernização da ferrovia, são erros óbvios e a continuação do modelo de tentativa e erro usado pelos governos anteriores. Além de uma terrível incoerência relativamente ao prometido crescimento das exportações portuguesas, na medida em que os investimentos previstos beneficiam a logística interna em vez da logística externa. Vejamos porquê:
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Os investimentos públicos que o Governo do Partido Socialista vai anunciando, desde o porto do Barreiro à infeliz e trágica decisão de usar a bitola ibérica na chamada modernização da ferrovia, são erros óbvios e a continuação do modelo de tentativa e erro usado pelos governos anteriores. Além de uma terrível incoerência relativamente ao prometido crescimento das exportações portuguesas, na medida em que os investimentos previstos beneficiam a logística interna em vez da logística externa. Vejamos porquê:
1. O maior erro é o uso da bitola ibérica em vez da bitola europeia, na medida em que a Espanha já leva 20 anos de modernização do seu sistema ferroviário em bitola europeia e com as ligações a França já terminadas na Catalunha e a terminar até 2023 no País Basco, além das linhas em construção junto à fronteira portuguesa em direcção a Badajoz e à Galiza.
2. Ninguém compreenderá que, apesar de todas as cimeiras realizadas com o governo espanhol, os portugueses e nomeadamente os investidores não saibam as datas das duas ligações previstas na fronteira portuguesa em bitola europeia, do chamado Corredor Atlântico a financiar pela União Europeia. Ainda há poucos dias Mariano Rajoy e a comissária europeia dos Transportes estiveram reunidos em Portugal com António Costa e nada se sabe do que foi decidido, nomeadamente sobre os planos e os prazos de ligar a rede ferroviária portuguesa à Europa.
3. Acrescem as dúvidas mantidas pelo Governo entre transporte de mercadorias e de passageiros, entre a via única e a via dupla, entre a ligação a Espanha a Sul ou a Norte e mesmo entre a bitola europeia e a ibérica. O jornal Sol acaba de publicar a notícia, que segundo o jornal foi confirmada pelo ministro do Planeamento, de que a linha a construir será do Poceirão ao Caia, de alta velocidade e em bitola europeia, isto é, a linha que foi projectada no tempo de José Sócrates, cujo projecto custou cerca de 200 milhões de euros, com o pagamento a ser disputado nos tribunais por decisão do actual e do anterior governo de não avançar com a solução agora anunciada pelo Sol. Ao mesmo tempo, António Costa anunciou há dias que a alta velocidade era um tema tabu em Portugal. Estará o leitor confuso? Agora imaginem os empresários.
4. Por detrás desta enorme confusão estão os lobbies da Medway e da Takargo que lutam pelo monopólio do transporte de mercadorias no mercado interno em bitola ibérica, transformando Portugal numa ilha ferroviária e as exportações dependentes do transporte rodoviário de mercadorias para a Europa com os inconvenientes conhecidos: custo mais elevado, maior consumo de energias importadas de origem fóssil, custos ambientais e de congestionamento e mortes nas estradas.
Em resumo, no meio de toda esta enorme confusão e da ausência de uma estratégia e dos planos correspondentes, o que temos é a habitual navegação à vista e a influência de lobbies poderosos. E em que a questão da bitola assume uma importância determinante, até porque já temos vários exemplos da chamada modernização das nossas linhas centenárias em bitola ibérica em que ficámos sem o dinheiro investido e sem soluções ferroviárias que possam concorrer em tempo de trajecto com as alternativas rodoviárias e do transporte individual. É o caso da linha do Norte, de Lisboa ao Porto, e da linha do Porto a Braga, como será o caso das previstas “modernizações” de Évora ao Caia, da Beira e do investimento previsto na Linha do Oeste.
Ou seja, só o planeamento rigoroso, competente e integrado da ferrovia portuguesa com novas linhas em bitola europeia, com a prioridade a ser dada a, pelo menos, uma ligação à Europa de mercadorias, evitará que as centrais logísticas de Vigo, Salamanca e Badajoz representem um enorme constrangimento futuro nas exportações portuguesas.
Ainda estamos a tempo, basta algum planeamento e algum bom senso.