E se o clima do passado em Portugal nos revelar como vai ser o do futuro?
As investigadoras Carina Crucho, Inês Bento, Margarida Fernandes e Dulce Oliveira foram distinguidas com um prémio de 15 mil euros.
Carina Crucho quer criar um sistema que transporte os antibióticos até às bactérias. Inês Bento pretende descobrir se o parasita da malária tem um relógio biológico. Já Margarida Fernandes está a desenvolver novos materiais para regenerar o tecido ósseo. E Dulce Oliveira vai estudar as alterações climáticas no passado para compreender as do futuro. Estas quatro cientistas portuguesas são as vencedoras da 14.ª edição das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência de 2018, entregues esta quarta-feira no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa.
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Carina Crucho quer criar um sistema que transporte os antibióticos até às bactérias. Inês Bento pretende descobrir se o parasita da malária tem um relógio biológico. Já Margarida Fernandes está a desenvolver novos materiais para regenerar o tecido ósseo. E Dulce Oliveira vai estudar as alterações climáticas no passado para compreender as do futuro. Estas quatro cientistas portuguesas são as vencedoras da 14.ª edição das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência de 2018, entregues esta quarta-feira no Pavilhão do Conhecimento, em Lisboa.
Além da medalha de honra, as cientistas vão receber um prémio individual de 15 mil euros. Nesta edição, cujo júri científico foi presidido por Alexandre Quintanilha, concorreram mais de 70 cientistas. O prémio distingue mulheres cientistas até aos 35 anos e já galardoou mais de 45 investigadoras em Portugal desde 2004. “Estes prémios não visam apenas reconhecer o trabalho fantástico realizado por jovens cientistas, pretendem também inspirar outras mulheres a seguirem uma carreira na área científica, desafiar mentalidades, transformar sistemas e promover um mundo inclusivo sustentado por uma política de igualdade de oportunidades baseada no mérito”, diz Cátia Martins, directora da L’Oréal Portugal, em comunicado. Este ano destacaram-se três investigadoras da área da saúde e uma do ambiente.
Carina Crucho trabalha como investigadora de pós-doutoramento no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e em breve começará um projecto em que pretende criar um sistema de distribuição e libertação de antibióticos. Consistirá numa nanopartícula, que irá transportar antibióticos até às bactérias de forma controlada e selectiva. “Essa maior concentração local do antibiótico vai potenciar o seu efeito terapêutico e evitar a necessidade de dosagens cada vez mais altas”, lê-se no comunicado. E por que é isso importante? “As bactérias resistentes a antibióticos são um problema à escala global. A nanotecnologia aliada aos antibióticos pode superar a ineficácia dos antibióticos convencionais, ou mesmo dar-lhes uma nova vida.” Este estudo pode assim ser um contributo para o desenvolvimento de uma “nova geração de nanopartículas” mais eficiente no combate a bactérias resistentes.
Outra das premiadas é do Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa. Inês Bento quer descobrir se o parasita da malária tem um relógio biológico (ou ciclo circadiano), que lhe permite controlar o tempo ou adaptar-se às alterações cíclicas, como as do sistema imunitário e a produção cíclica de hormonas no hospedeiro. Já se sabe que o Plasmodium tem vários ciclos de 24 horas – como quando infecta os glóbulos vermelhos do nosso sangue –, mas não se sabe se tem um relógio biológico interno como outros organismos vivos, assim como o que regula o relógio.
“A identificação da importância do ciclo circadiano para a sobrevivência, virulência e transmissão de Plasmodium e o conhecimento mais aprofundado das complexas interacções parasita-hospedeiro em todas as fases do desenvolvimento do mesmo permitirão o estudo de novas estratégias de combate à doença”, refere-se. “Se descobrirmos que tem um relógio biológico, este será um possível alvo terapêutico [nomeadamente as moléculas responsáveis pela regulação do relógio biológico do parasita]”, frisa Inês Bento. A bióloga acrescenta que, numa fase futura (caso se confirme que o parasita tem esse relógio), a ideia será alterá-lo, para que o parasita se adapte menos às alterações do meio ambiente e se desenvolva menos dentro da célula do hospedeiro.
Margarida Fernandes, do Centro de Física e do Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, está a desenvolver há um ano uma “nova geração de materiais activos” que serve de apoio ao crescimento celular para a regeneração de tecido ósseo. Esses materiais podem ser filmes em formato 2D ou pequenos cubos em 3D e conseguem responder a estímulos mecânicos ou magnéticos, como se estivessem a imitar o que acontece no nosso corpo. Os estímulos são controlados por um bio-reactor, um pequeno íman desenvolvido pelo grupo de Margarida Fernandes, que cria “microambientes” que simulam o ambiente do tecido ósseo. No fim, consegue-se fazer crescer osteoblastos, células dos ossos.
Nesta fase, Margarida Fernandes diz que estão a testar o modelo in vitro. “Possivelmente, se correr bem, poderemos colocar estes materiais activos em implantes para quem tenha problemas de artrose”, exemplifica, acrescentando que poderá fazer-se o mesmo em fracturas ósseas. Assim será possível regenerar o osso de forma mais rápida e eficiente.
Passemos para a área do ambiente. Dulce Oliveira, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, quer estudar as alterações climáticas do passado para perceber os mecanismos relacionados com fenómenos climáticos extremos como a seca, as chuvas intensas e os incêndios. Para tal, a sua equipa vai analisar sedimentos marinhos da margem da Península Ibérica e da costa Leste dos EUA. Em particular, Dulce Oliveira estudará os microfósseis de grãos de pólen preservados nos sedimentos marinhos.
“Este método permitirá reconstituir as dinâmicas da vegetação, a ocorrência de incêndios e alterações nos ecossistemas marinhos durante períodos-chave do passado que são considerados análogos para o clima do futuro”, lê-se no comunicado. Esse passado inclui os últimos 800 mil anos, nomeadamente períodos quentes semelhantes ao actual período interglaciar em que vivemos e as transições entre períodos glaciares e interglaciares. “A ideia é olhar para o passado e aprender com ele”, diz. “Portanto, pretende-se que os resultados do projecto ajudem a distinguir a variabilidade climática natural das alterações associadas às actividades humanas, informação que é essencial para a previsão climática do futuro, bem como para a definição de políticas ambientais eficientes e economicamente sustentáveis.”