O estado das artes
O sector precisa de medidas de emergência que invertam este estado de necessidade.
Se o discurso sobre o estatuto das artes no menu das políticas públicas sempre foi problemático em Portugal, o silêncio que se instalou nos últimos anos não apenas agrava o problema da sua percepção como deixa todo o espaço ao discurso mais populista e imediatista. O primeiro resultado é a dificuldade em fixar consensos mínimos sobre as modalidades de acção cultural do Estado enquanto promotor, aos níveis central e/ou autárquico, e sobre as suas formas de relação com o tecido de criação, constituído por agentes independentes.
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Se o discurso sobre o estatuto das artes no menu das políticas públicas sempre foi problemático em Portugal, o silêncio que se instalou nos últimos anos não apenas agrava o problema da sua percepção como deixa todo o espaço ao discurso mais populista e imediatista. O primeiro resultado é a dificuldade em fixar consensos mínimos sobre as modalidades de acção cultural do Estado enquanto promotor, aos níveis central e/ou autárquico, e sobre as suas formas de relação com o tecido de criação, constituído por agentes independentes.
Depois da efervescência provocada pelos primeiros resultados dos concursos de apoio às artes, importa procurar compreender o contexto em que vive, hoje, o domínio da criação artística, identificar os problemas mais evidentes que a evolução dos procedimentos de concurso está notoriamente a gerar, perceber se, e como, podemos construir algum futuro em cima do que temos.
É necessário recordarmos que a crise imposta pela política de austeridade veio fragilizar de uma forma aguda um território já de si pouco estruturado, desigual, caracterizado pela intermitência das políticas. Os efeitos dessa crise, para além de todas as descaracterizações provocadas pela necessidade imediata de sobrevivência, podemos vê-los na depauperação das estruturas de criação, na progressiva desprofissionalização do sector (há cada vez menos artistas que não tenham que desdobrar-se em múltiplas outras profissões), na precarização das relações de trabalho artístico e técnico-artístico, na compressão de orçamentos de criação que anulam um dos bens mais essenciais quando falamos de criação artística: o tempo... Antes mesmo de uma reflexão sobre eventuais correcções às modalidades de apoio, o sector precisava em 2015, e precisa hoje em 2018, de medidas de emergência que invertam esse estado de necessidade e permitam a cada agente cumprir o seu papel na definição e no desempenho correcto da missão de serviço público que lhe toca. Infelizmente, não há como dar a volta à questão: é necessário aumentar o investimento, começar por repô-lo em níveis pré-crise, já no imediato. Os resultados provisórios dos concursos de apoio que estão em curso, com a exclusão de estruturas e companhias com um trabalho reconhecido e insubstituível na sua natureza — a Orquestra de Câmara Portuguesa, a Circolando, a Karnart, o cem-centro em movimento, para falar apenas de alguns dos mais notórios —, demonstram que o sistema tal como está, sem uma qualquer medida de emergência, não tem capacidade para preservar minimamente um tecido artístico já reduzido ao mínimo da sua expressão.
Já a jusante desse estado de emergência que acabei de descrever, não se compreende a persistência nos programas de apoio da indefinição entre o estatuto das instituições territoriais — teatros com missões públicas de programação — e das companhias ou estruturas de criação. As primeiras têm, nos poucos mas muito bons casos de sucesso, uma acção determinante e estruturante no desenvolvimento de uma oferta permanente e das suas formas de mediação com públicos concretos, bem como na relação que estabelecem com o domínio da criação, no qual de resto reinvestem a quase totalidade dos meios que vão buscar a estes concursos. Merecem, portanto, que se encontrem formas específicas, dignas, de contratualização de apoios com o Estado central para a prossecução das suas missões. As segundas, as estruturas de criação, precisam de uma vez por todas que se chegue a um entendimento sobre as formas de relação com o Estado (que não têm o financiamento como limite único); precisam de ser compreendidas na sua natureza, evitando procedimentos unificadores que formatam todos os projectos; precisam de previsibilidade e tempo de planeamento, precisam de concursos cujos resultados finais antecedam em seis meses o início do primeiro projecto a realizar, porque é este o tempo mínimo do planeamento nas artes... Precisam de sentir que o seu trabalho é valorizado, para além de todas as avaliações que o sistema produz incessantemente...
Esta é apenas uma das questões que gostaria de ver discutidas amplamente. O espaço e o tempo da escrita, e seguramente o da minha intervenção pública, são limitados. Por isso mesmo, é preciso multiplicar as vozes. Espero companhia...