Empresa que trabalhou para Trump terá roubado mais de 50 milhões de perfis do Facebook
Antigo funcionário da Cambridge Analytica diz que o objectivo era construir modelos para explorar os "demónios interiores" dos eleitores.
O Facebook cortou a sua ligação à Cambridge Analytica, uma empresa de recolha e tratamento de informações sobre eleitores que trabalhou com a campanha de Donald Trump em 2016. Mas o anúncio, que sugere um reforço da vigilância da rede social sobre questões como a manipulação do eleitorado e as fake news, está a deixar os seus responsáveis numa posição ainda mais incómoda.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O Facebook cortou a sua ligação à Cambridge Analytica, uma empresa de recolha e tratamento de informações sobre eleitores que trabalhou com a campanha de Donald Trump em 2016. Mas o anúncio, que sugere um reforço da vigilância da rede social sobre questões como a manipulação do eleitorado e as fake news, está a deixar os seus responsáveis numa posição ainda mais incómoda.
Em causa está a acusação de que a Cambridge Analytica recolheu informações pessoais sobre mais de 50 milhões de utilizadores do Facebook em 2014 e 2015, sem o consentimento da empresa de Mark Zuckerberg. As suspeitas são antigas, mas só este fim-de-semana foi conhecida a dimensão da fuga, em grande parte graças às denúncias do canadiano Christopher Wylie, um programador que ajudou a recolher esses dados pessoais quando trabalhou na Cambridge Analytica.
"Explorámos o Facebook para roubarmos milhões de perfis de utilizadores. E construímos modelos para explorarmos aquilo que sabíamos sobre eles, para nos dirigirmos aos seus demónios interiores. A empresa foi criada com essa finalidade", disse Wylie ao semanário britânico Observer.
Mercer e Bannon juntam-se
A ideia para a criação da Cambridge Analytica foi do britânico Alexander Nix. O seu objectivo era desenvolver perfis psicográficos de potenciais eleitores com base na sua actividade online, para que fosse possível bombardear esses eleitores com propaganda mais eficaz durante uma campanha.
Index was outside the bounds of the array.
NOTICIA_HTML
Nix conseguiu convencer o magnata norte-americano Robert Mercer a investir milhões na empresa, onde a sua filha Rebekah faz parte da administração, e o então director do site Breitbart, Stephen Bannon, imaginou que poderia usar os perfis psicográficos da Cambridge Analytica para "mudar a cultura americana", diz o New York Times num artigo publicado este sábado.
Com o apoio, e o dinheiro, de duas figuras da direita norte-americana, faltava à Cambridge Analytica a matéria-prima para transformar a sua ideia numa ferramenta poderosa para as campanhas políticas – é aqui que entram os mais de 50 milhões de perfis de utilizadores roubados ao Facebook.
Grande parte dessa tarefa foi feita por um russo-americano chamado Aleksandr Kogan, que é também investigador no Departamento de Neurociências da Universidade de Cambridge. Com uma aplicação chamada thisisyourdigitallife (esta é a sua vida digital), Kogan pagava uma pequena quantia a voluntários para que autorizassem a recolha de informações. O problema, segundo os jornais Observer e New York Times, é que a aplicação de Kogan puxava também, sem autorização, informação sobre os perfis dos amigos e de amigos de amigos desses voluntários, o que fez crescer o bolo para 50 milhões de utilizadores.
Fraude, mas não falha...
Apesar de as suspeitas existirem pelo menos desde 2015, quando a Cambridge Analytica ainda trabalhava para a campanha do senador do Partido Republicano Ted Cruz (antes de se ter mudado para a campanha de Donald Trump, pela mão de Stephen Bannon), o Facebook só admitiu esta semana que foi alvo de uma fraude – e, ao referir-se ao caso como uma fraude, continua a negar as acusações de que se trata de uma falha de segurança.
Num comunicado publicado sexta-feira, o Facebook diz que proibiu o acesso à sua plataforma a Aleksandr Kogan, à Cambridge Analytica e a Christopher Wylie. No texto, o vice-presidente do Facebook, Paul Grewal, diz que a empresa soube em 2015 que Kogan tinha passado a informação sobre os utilizadores da sua aplicação à Cambridge Analytica, numa violação do acordo com os programadores – estes precisam de aceder a certos dados dos utilizadores, mas assinam um compromisso de que não os cedem nem vendem a terceiros.
Sem se referir à denúncia do antigo trabalhador da Cambridge Analytica, que fala em 50 milhões de utilizadores, o Facebook diz apenas que a aplicação desenvolvida por Kogan foi descarregada por 270 mil utilizadores.
Segundo a versão do Facebook, a aplicação foi retirada em 2015 e tanto Kogan como a Cambridge Analytica "garantiram" que a informação sobre os utilizadores tinha sido destruída – uma versão contrariada nos artigos do Observer e do New York Times.
O jornal britânico diz que o autor da denúncia, Christopher Wylie, entregou às autoridades uma carta escrita pelos advogados do Facebook, enviada em Agosto de 2016, a pedir-lhe que destruísse toda a informação sobre utilizadores que tivesse recolhido – meses depois de o Guardian ter noticiado a fuga de informação no Facebook (sem a dimensão só agora conhecida) e poucos dias antes de Stephen Bannon ter assumido o cargo de director da campanha de Trump.
As actividades da Cambridge Analytica interessam também ao procurador especial Robert Mueller, que lidera a investigação às suspeitas de conluio entre a campanha de Trump e a Rússia. Mueller pediu à empresa os e-mails dos funcionários que trabalharam na campanha do actual Presidente.
E, em Outubro passado, o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, disse que Alexander Nix lhe pediu os e-mails de Hillary Clinton durante a campanha eleitoral nos Estados Unidos, no Verão de 2016.