Uma janela de oportunidade para o Rato
Portanto, caro presidente da Câmara Municipal de Lisboa, tem a palavra! Tenho a certeza que toda a cidade lhe agradecerá.
Desde 2011 que a cidade tinha como um dado adquirido o arquivamento definitivo (em arquivo morto) do chamado “mono do Rato” (designação feliz para algo que o dicionário traduz como sendo “feio, macambúzio, estúpido ou bisonho; demasiado grande, disforme ou mal executado; burla, fraude, calote”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), uma edificação nova projectada por Aires Mateus e Frederico Valsassina para o gaveto da Rua do Salitre com o Largo do Rato, aprovada pelo executivo camarário em 2005 e reconfirmada em Dezembro de 2010, depois de várias peripécias em sede de vereação, só vistas, que contadas ninguém acredita...
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Desde 2011 que a cidade tinha como um dado adquirido o arquivamento definitivo (em arquivo morto) do chamado “mono do Rato” (designação feliz para algo que o dicionário traduz como sendo “feio, macambúzio, estúpido ou bisonho; demasiado grande, disforme ou mal executado; burla, fraude, calote”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa), uma edificação nova projectada por Aires Mateus e Frederico Valsassina para o gaveto da Rua do Salitre com o Largo do Rato, aprovada pelo executivo camarário em 2005 e reconfirmada em Dezembro de 2010, depois de várias peripécias em sede de vereação, só vistas, que contadas ninguém acredita...
Motivo de grande contestação pública por essa altura, desde cidadãos anónimos a personalidades insuspeitas (lembro-me de Aquilino Ribeiro Machado, por exemplo), logo foi levada à Assembleia da República uma petição com mais de 4000 assinaturas (sem consequência prática apesar de todos os espantos e indignações aí ouvidos), e interposta pouco tempo depois em tribunal, por alguns que deram “o corpo ao manifesto”, uma “acção administrativa especial contra a CML com vista à declaração de nulidade dos actos administrativos que deferiram o licenciamento do projecto de arquitectura aprovado por despacho da vereadora Eduarda Napoleão de 22 de Julho de 2005, posteriormente aditado e alterado com os elementos aprovados em reunião da câmara municipal de 22 de Dezembro de 2010”, por força de várias ilegalidades objectivamente invocadas, mas até hoje sem ir a julgamento.
Contudo, em resultado ou não do que acima foi descrito, ou talvez, e mais importante, por força da crise que se instalou no país (com implicações na mudança do promotor, que agora é um fundo, cujo sócio principal é uma conhecida cadeia hoteleira espanhola), o “mono” quedou-se quedo e mudo desde então, para gáudio de todos quantos lutaram, e continuam a lutar, para que não se quebre o equilíbrio urbanístico de um largo sempre tão maltratado a nível do seu espaço público, mas praticamente intacto a nível da moldura edificada.
Eis quando, em Dezembro passado, se apensaram ao processo de obra umas alterações de pormenor (basicamente, uma alteração de uso de fim habitacional para hotel!), e o “mono” voltou do limbo!
Os pareceres externos foram reconfirmados (pudera), a demolição do edificado existente foi autorizada (mas sem ir a reunião de vereação) e iniciada a 12 de Março, curiosamente enquanto se dificultava a consulta à nova documentação apensa (plantas e alçados, pareceres técnicos, etc.) pelos directamente interessados (desde logo os vizinhos). O acesso a essas peças processuais continua obstruído (pelo menos até anteontem, 15 de Março).
Ora, independentemente da validade ou não dos argumentos de que o actual executivo camarário (e o anterior) se socorre para não pôr fim ao “mono do Rato” (“há direitos adquiridos”), existe de facto, hoje e agora, uma janela de oportunidade para todos saírem bem vistos deste assunto, desde logo o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, pois pode aproveitar essa janela e transpô-la.
Essa janela passa pela possibilidade de permuta com o promotor, atribuindo-lhe a CML créditos de construção noutro local, ao abrigo do que o actual Plano Director Municipal (PDM) prevê de, em sede de execução de operações de reabilitação, se atribuir “créditos de construção transaccionáveis, no âmbito do sistema de incentivos a operações urbanísticas de interesse municipal”, decorrendo do facto de toda a área urbana construída ser agora considerada como zona histórica, permitindo que a reabilitação do edificado disponha de incentivos fiscais previstos na legislação e beneficie de créditos de edificabilidade transaccionáveis como incentivo adicional à reabilitação urbana. É o caso.
Com isso pára-se a demolição, assegura-se a reabilitação do edificado abandonado e depauperado, e dá-se-lhe uso compatível conforme estabelecido no PDM. E o promotor pode ir construir para outro lado.
Assinale-se que nada disto é novo e já fora previsto ao tempo do PDM de Jorge Sampaio, então presidente da CML, e mesmo antes de 1994 já Abecassis utilizara esta possibilidade, e até mesmo antes dele, França Jardim o fizera. Nada de novo, portanto.
E, por falar em Jorge Sampaio, ao tempo do seu mandato chegou-se a aventar a possibilidade de criar um jardim público exactamente no espaço onde está previsto nascer o mono, desanuviando-se a sinagoga, finalmente, ao fim de 100 anos. Esta é outra hipótese, no caso de a demolição em curso ser irreversível: um jardim, um melhor espaço público para todo o largo, os edifícios classificados (chafariz, palácios Palmela e Praia, casa Ventura Terra, sinagoga, auto-palace), dignificados, e o eléctrico 24.
Portanto, caro presidente da Câmara Municipal de Lisboa, tem a palavra! Tenho a certeza que toda a cidade lhe agradecerá. Fundador do Fórum Cidadania Lx; co-fundador da Associação Salvem o Largo do Rato; co-autor da petição “Salvem o Largo do Rato”