A Sogrape regressou às origens para mostrar o novo Legado

Oriundo da colheita de 2013, é um Douro pouco moderno mas com uma riqueza gustativa impressionante. Vai custar 250 euros.

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Quinta do Caêdo DR

Tudo tem um sentido: à sexta colheita, o vinho mais sentimental da Sogrape, o Legado, foi apresentado publicamente na primeira adega da empresa, em Mateus, Vila Real. Só os agricultores mais velhos da região fazem uma ideia do que foi e ainda é esta adega. Construída em 1960, dezoito anos depois da criação da empresa, chegou a produzir 9 milhões de litros de vinho. É um labirinto asseado de túneis, cubas de inox e de cimento (mais modernas do que nunca), equipamentos de todo o tipo e, agora, até de pequenos espaços museológicos que guardam recordações do tempo em que, nas pausas dos engarrafamentos e das rotulagens, as mulheres faziam tapetes de Arraiolos.

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Tudo tem um sentido: à sexta colheita, o vinho mais sentimental da Sogrape, o Legado, foi apresentado publicamente na primeira adega da empresa, em Mateus, Vila Real. Só os agricultores mais velhos da região fazem uma ideia do que foi e ainda é esta adega. Construída em 1960, dezoito anos depois da criação da empresa, chegou a produzir 9 milhões de litros de vinho. É um labirinto asseado de túneis, cubas de inox e de cimento (mais modernas do que nunca), equipamentos de todo o tipo e, agora, até de pequenos espaços museológicos que guardam recordações do tempo em que, nas pausas dos engarrafamentos e das rotulagens, as mulheres faziam tapetes de Arraiolos.

Foi a primeira casa do icónico Mateus Rosé. Hoje, este vinho é feito nas adegas da Sogrape de Bemposta, no Planalto Mirandês, e de São Mateus, na Bairrada. Já não vende tanto como vendeu, mas ainda vende cerca de 20 milhões de garrafas por ano. Continua a não haver nada em Portugal que se lhe assemelhe. Depois do vinho do Porto, o Mateus Rosé continua a ser o vinho mais global do país.

A adega de Vila Real produz agora cerca de 4,5 milhões de litros, entre vinho do Porto e marcas como Planalto, Esteva e Vila Régia. Para o patriarca da família Guedes, Fernando Guedes (87 anos), filho do fundador da Sogrape e pai do actual presidente, é um dos três lugares da sua história na Sogrape, juntamente com o antigo Convento de Monchique e o escritório da Rua Firmeza, no Porto, onde a empresa começou e era gerida.

O vinho Legado foi a sua última grande criação. Chamou-lhe Legado como tributo aos fundadores e herança dos sucessores. Forma com o Barca Velha e o Reserva Especial a sagrada trindade da Casa Ferreirinha. Mas, enquanto os dois primeiros são vinhos de lote e de várias vinhas, o Legado tem origem apenas nas vinhas mais velhas da Quinta do Caêdo (São João da Pesqueira). Vinhas centenárias e povoadas de afloramentos rochosos que lhe dão um ar de fóssil. 

Sendo tão diferentes na origem, não faz, por isso, muito sentido tentar o exercício de comparar o Legado com o Barca Velha ou o Reserva Especial. Cada um tem a sua identidade própria. Mas, pelo menos na minha opinião, há algo que faz do Legado um vinho mais especial do que os outros dois. É o seu vínculo a um lugar e a uma geografia concretos. Há uma ligação umbilical do vinho àquelas cepas velhas e retorcidas, à riqueza dos minerais onde estas se alimentam, ao calor daquele vale apertado e à aleatoriedade climática de cada ano. Podíamos dizer que o Legado é a vinha do Caêdo e a sua circunstância. O enólogo, Luís Sottomayor, é apenas o oficiante na cerimónia telúrica de transformar aquelas uvas em vinho. Como confessou o próprio, “o difícil neste vinho é apenas decidir o momento de vindima”.

Para dar a conhecer o Legado 2013, a Sogrape improvisou uma pequena sala de refeições entre cubas de cimento e entregou a cozinha, também improvisada, ao chef Rui Paula, que mereceu o aplauso geral. Beberam-se um champanhe (Taittinger Comtes de Champagne Blanc des Blancs 2016), dois brancos de Riesling (um alemão e outra da Nova Zelândia), um fantástico Porto Vintage (o Ferreira 1960) e, lado a lado, o Legado 2013 com o Domaine Mongeard-Mugneret Grands-Echézeaux Grand Cru 2014, da Borgonha.

Se a ideia era presentear os convidados com um vinho de uma grande região como é a Borgonha e fugir ao costume de só servir vinhos da casa, foi muito acertada. Se o objectivo foi colocar em confronto os dois tintos, então talvez tenha sido um erro, porque são vinhos antagónicos. Um é de uma região quente, o outro de uma região fria; um é multicastas, o outro de uma casta só. 

O Legado é um vinho mais denso, mais potente e também mais rico. Mas, além de ter mais matéria, tem também um pouco mais de álcool e ainda mais madeira do que o Mongeard-Mugneret — e isso faz toda a diferença. Numa mesma refeição, desfrutamos mais do Borgonha. Se os  bebermos em separado e em dias diferentes, é provável que o Legado impressione mais. Porque, à semelhança das colheitas anteriores (2008, 2009, 2010, 2011 e 2012), este 2013 é um vinho com uma riqueza gustativa, uma frescura mentolada e um vigor tânico soberbos. Não é muito moderno? Não. Um pouco menos de álcool e de madeira só lhe faziam bem. Mas, até pelo seu potencial de envelhecimento, não deixa de ser um grande vinho. O seu maior “problema” é ser ainda muito novo e, já agora, não ser acessível a todas as bolsas. Mas os grandes vinhos nunca são baratos.