Concursos de obras públicas municipais estão a ficar desertos
Menos capacidade produtiva, maior interesse em obras privadas e preços base "irrealistas" na origem de um “problema que deve ser muito preocupante”.
O que têm em comum os concursos para a requalificação de uma escola secundária em Barroselas, Viana do Castelo, com um preço de empreitada de 1,6 milhões de euros, o concurso para a construção da sede do teatro da rainha, nas Caldas da Rainha, por 1,73 milhões de euros, ou o concurso para a construção de uma Unidade de Saúde Familiar, em Viseu, por 1,6 milhões de euros? Todos eles ficaram desertos.
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O que têm em comum os concursos para a requalificação de uma escola secundária em Barroselas, Viana do Castelo, com um preço de empreitada de 1,6 milhões de euros, o concurso para a construção da sede do teatro da rainha, nas Caldas da Rainha, por 1,73 milhões de euros, ou o concurso para a construção de uma Unidade de Saúde Familiar, em Viseu, por 1,6 milhões de euros? Todos eles ficaram desertos.
No primeiro caso, lançado em Junho do ano passado, chegaram a levantar o caderno de encargos dez empresas de construção, mas nenhuma apresentou proposta. No segundo, houve uma empresa que concorreu, mas no dia da assinatura do contrato limitou-se a não aparecer. No terceiro caso, nenhuma empresa manifestou, sequer, interesse.
“Temos aqui um problema que deve ser muito preocupante. Os concursos com financiamentos do Portugal 2020 estão agora a ir para o terreno e temos este problema adicional. A Câmara de Viseu já teve dois concursos públicos que ficaram desertos, o que atrasa os processos. Teremos de lançar um novo e porventura por preços mais elevados”, admitiu, em declarações ao PÚBLICO, o presidente da Câmara de Viseu, Almeida Henriques.
O autarca enquadra esta situação com a erosão da capacidade produtiva do sector, que perdeu muitas empresas e trabalhadores nos últimos anos (recorde-se que entre as 25 maiores empresas de construção só sete sobreviveram à crise da ultima década) e também com o maior interesse que poderá ter, para as empresas que estão no mercado, o segmento da construção privada. Dados divulgados esta sexta-feira pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) demonstram qual foi o crescimento da actividade de construção de edifícios durante o ano de 2017: foram concluídos 12,4 mil edifícios (um crescimento de 17,1% face a 2016) e foram aprovadas licenças para mais 18,5 mil edifícios (um crescimento homólogo de 10,6%).
O presidente da Confederação da Construção e do Imobiliário de Portugal (CPCI), Manuel Reis Campos, não manifesta nenhuma surpresa com estes acontecimentos, pelo contrário. Quando o PÚBLICO lhe pediu um comentário a esta situação, e uma tentativa de dimensionar o fenómeno, o responsável preferiu lembrar que já havia alertado para ele, na discussão da revisão do código dos contratos públicos. O principal problema, admite, “são os preços base irrealistas” e o facto de os seus valores continuarem a ser um tecto máximo, em vez de ser uma mera referência.
Se nos últimos anos, “fruto da ausência de trabalho”, as empresas de construção ainda avançavam para os concursos e apresentavam propostas que a associação do sector sempre reclamou como “preços anormalmente baixos”, hoje em dia as empresas optam por não o fazer. Antes, justifica Reis Campos, as empresas sujeitavam-se a preços desajustados para manter postos de trabalho. Hoje consideram que o preço base apresentado pelos donos de obra “colocaria em causa a sobrevivência” das próprias empresas.
Reis Campos alerta, porém, para a necessidade de haver uma preocupação de evitar, por sistema, o recurso ao ajuste directo - uma vez que ele é possível quando um concurso fica deserto. “Aí sim fica em causa a transparência e a sã concorrência".
Uma vez que na revisão do código dos contratos públicos se manteve a regra introduzida pelo Governo em 2008 que definiu como tecto máximo de adjudicação o preço base fixado em curso, a Confederação da Construção defende agora que sejam criados critérios objectivos que permitam a fixação de bases “praticáveis”, como refere Reis Campos, pedindo que esses preços base reflictam os custos reais das empresas e não uma colagem aos números avançados em concursos anteriores. “Neste momento são os donos de obra que têm de se adaptar às circunstâncias e à nova realidade”, defende o presidente da CPCI.
Os autarcas mencionadas nos três exemplos avançados – Viana do Castelo, Caldas da Rainha e Viseu – já manifestaram, inclusive, a intenção de lançar um novo concurso, aumentando os preços base. No caso da Câmara de Viana do Castelo o executivo já deliberou pela anulação do concurso lançado e aprovou a decisão de lançar um novo procedimento e de aumentar o preço contratual para a requalificação da Escola Secundária de Barroselas em 16%. Ao PÚBLICO, Almeida Henriques não quantificou o aumento que deverá propor para as duas empreitadas em causa, mas referiu a intenção de levar o assunto à discussão da Associação Nacional de Municípios, de que é vice-presidente.
Mas Reis Campos diz também que é preciso ir mais longe e que as autoridades deveriam aceitar criar preços de referência, para serem utilizados de maneira uniforme pelos donos de obra. “À semelhança do que se passa noutros países, deviam ser criados critérios objectivos que permitam a fixação de bases praticáveis e que reflictam os custos reais das empresas. Isto permitiria a protecção do tecido empresarial, o reforço da transparência e da são concorrência e permitiria credibilizar e racionalizar o mercado das obras públicas”, afirmou Reis Campos, manifestando que a Confederação da Construção está, obviamente, disponível para trabalhar na fixação desses critérios.
Assim como está disponível, acrescentou o presidente da CPCI para responder ao desafio do Governo para criar “tribunais arbitrais que funcionem” para dirimir os conflitos que sempre vai existindo entre os donos de obras públicas e as empresas de construção.