Aos chutos e pontapés até London Calling
O terceiro álbum dos Clash teve uma grande influência do futebol, desde as horas passadas em jogos de cinco para cinco, até ao produtor que ia todos os dias a Highbury rezar pelo Arsenal.
Directa ou indirectamente, há muitas conexões entre a música e o futebol. Sabemos que Bob Marley era um fanático, não apenas como adepto, mas como jogador (e estava sempre com uma bola nos pés), sabemos que Júlio Iglésias era guarda-redes do Real Madrid, sabemos que há muitos futebolistas que queriam ser cantores (e bem o tentaram), e que muitos músicos tentaram jogar futebol. Ninguém nos Clash tinha muito jeito para jogar à bola, mas foi pelas “peladinhas” nos intervalos dos ensaios que uma das grandes bandas da história do rock chegou a London Calling, o seu terceiro disco e que muitos consideram como um dos melhores álbuns de sempre. No mundo empresarial moderno chamar-se-ia a isto um exercício de team building, em Londres, 1979, era um grupo de rapazes a jogar à bola entre sessões de criação musical.
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Directa ou indirectamente, há muitas conexões entre a música e o futebol. Sabemos que Bob Marley era um fanático, não apenas como adepto, mas como jogador (e estava sempre com uma bola nos pés), sabemos que Júlio Iglésias era guarda-redes do Real Madrid, sabemos que há muitos futebolistas que queriam ser cantores (e bem o tentaram), e que muitos músicos tentaram jogar futebol. Ninguém nos Clash tinha muito jeito para jogar à bola, mas foi pelas “peladinhas” nos intervalos dos ensaios que uma das grandes bandas da história do rock chegou a London Calling, o seu terceiro disco e que muitos consideram como um dos melhores álbuns de sempre. No mundo empresarial moderno chamar-se-ia a isto um exercício de team building, em Londres, 1979, era um grupo de rapazes a jogar à bola entre sessões de criação musical.
Depois de dois álbuns (The Clash e Give’Em Enough Rope), os Clash separaram-se de Bernie Rhodes, o “manager”, e ficaram sem estúdio para preparar o terceiro álbum, mas encontraram nova casa nos classificados da revista Melody Maker, um espaço espartano que ficava por cima de uma garagem, sem luxo, sem equipamento, com uma plataforma que servia de palco e pouco mais. Os Clash só queriam um sítio para trabalhar e fizeram duas exigências ao dono da garagem: queriam ser os únicos ocupantes do espaço durante o tempo que fosse preciso e queriam anonimato. Tudo bem, disse o dono. Tinham era de pagar adiantado.
Os Vanilla Studioss ficavam em Pimlico, um bairro londrino perto do rio e da Tate Gallery, tinha um café próximo (onde os Clash seriam clientes habituais), uma boa selecção de "pubs" e um pequeno campo de alcatrão rodeado por rede onde as crianças do bairro jogavam à bola. Para Joe Strummer (voz, guitarra-ritmo), Mick Jones (guitarra), Paul Simonon (baixo) e Topper Headon (bateria), jogar futebol neste rectângulo abrasivo tornou-se um ritual diário, antes e depois das sessões de escrita, composição e ensaio – tinham começado a dar uns toques dentro da garagem, mas os mecânicos expulsaram-nos de lá e encaminharam-nos para o campo dos miúdos.
Jogavam entre eles, com as crianças do bairro que iam lá bater à porta e até com os executivos da CBS (com quem os Clash tinham contrato), ou com quem quer que lhes fosse fazer uma visita. “Se alguém quisesse passar por lá, era sempre ‘Venham jogar’, nunca 'Venham assistir aos ensaios'”, contava Johnny Green, o roadie da banda, na autobiografia A Riot of Our Own. “Jogávamos futebol até não conseguirmos mexer as pernas. E depois começávamos a tocar e a escrever música. Era a nossa forma de aquecer”, contava Strummer, que vivia perto de Stamford Bridge e era presença regular nos jogos em casa do Chelsea, isto numa altura em que os “blues” de Londres estava na segunda divisão.
Entre os quatro, o mais habilidoso era Topper Headon, o baterista. “Tinha boa coordenação. Num momento estavas a ver a bola, no outro já não estava lá. Arrancava para qualquer um dos lados e metia a bola onde queria. Era sempre o primeiro a ser escolhido”, conta Green. Strummer era voluntarioso e muito esforçado, gostava de rematar de longe mas não tinha muito jeito, Jones achava que jogava bem, mas era mais brinca na areia que outra coisa e estava sempre a pedir a bola.
O “hard man” do grupo era Simonon, que, como todos, jogava de botas, mas que aproveitava para dar pontapés noutras coisas para além da bola. Quando lá chegavam os executivos da CBS, era a paródia total e não para a “equipa visitante”. “Eram jogos brutais. Eu não sabia propriamente jogar e deitava toda a gente ao chão. Quando eu tinha a bola, fugiam todos. [Os executivos da CBS] levavam pontapés nos queixos, estavam sempre no chão… Era muito divertido”, conta Simonon.
Alguma coisa aconteceu naqueles jogos diários de cinco para cinco que duravam horas. Os Clash, nas palavras dos próprios, reencontraram-se uns aos outros. “Teve muito a ver com o futebol porque o futebol nos fez tocar como uma unidade”, contava Mick Jones. Os meses passaram-se nesta rotina repartida entre música e futebol e os Clash estavam prontos para gravar. Foram para os Wessex Studios, no norte de Londres, perto de Highbury, então a casa do Arsenal.
E deu-se o caso de Guy Stevens, o produtor do disco, ser um adepto fanático dos “gunners”. E aconteceu mais uma coincidência feliz. Stevens ia todos os dias de táxi para os estúdios de gravação, mas o taxímetro marcava sempre mais do que a viagem deveria custar. A banda acabaria por descobrir que Stevens mandava o taxista parar à porta de Highbury, e, com a promessa de bilhetes, t-shirts e discos, os seguranças deixavam-no ir todos os dias ao relvado rezar de joelhos pela boa fortuna do seu Arsenal – e até hoje London Calling é presença frequente no estádio dos “gunners” em dia de jogo.