Megaoperação de limpeza avança envolta em críticas
A EPAL garante que as lamas, que ficarão depositadas junto ao Monumento Natural das Portas de Ródão, não representam risco de contaminação da água ou dos solos. Quercus quer acesso às analises. ProTejo apresentou método de limpeza alternativo, com "um menor impacto ambiental".
As autoridades do Ambiente vão começar “dentro de poucas semanas” a retirar cerca de 17 mil metros cúbicos de “lamas orgânicas” que estão depositadas no fundo do rio Tejo, nos concelhos de Vila Velha de Ródão e Nisa. O Ministério do Ambiente está a finalizar as negociações com a proprietária do terreno seleccionado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para a deposição, tratamento e secagem dos resíduos, numa área classificada, no Monumento Natural das Portas de Ródão. Algo que, diz a Quercus, “é ilegal”.
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As autoridades do Ambiente vão começar “dentro de poucas semanas” a retirar cerca de 17 mil metros cúbicos de “lamas orgânicas” que estão depositadas no fundo do rio Tejo, nos concelhos de Vila Velha de Ródão e Nisa. O Ministério do Ambiente está a finalizar as negociações com a proprietária do terreno seleccionado pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para a deposição, tratamento e secagem dos resíduos, numa área classificada, no Monumento Natural das Portas de Ródão. Algo que, diz a Quercus, “é ilegal”.
No total estão identificados cerca de 31 mil metros cúbicos de lamas orgânicas depositadas no fundo do Tejo, apenas no troço entre Vila Velha de Ródão e Belver. Resultaram de um acumular de matéria orgânica proveniente das empresas de celulose que operaram na região, que se depositou devido à reduzida velocidade das águas e baixo caudal do rio. A APA entendeu que teriam de ser retiradas, uma vez que consomem oxigénio em excesso, contribuindo para a deterioração da qualidade da água.
O processo para a sua retirada vai ser faseado e está nas mãos da Empresa Portuguesa das Águas Livres (EPAL), por indicação da APA. Num primeiro momento vão ser retiradas duas grandes bolsas de resíduos: uma de 12 mil metros cúbicos (o equivalente a um campo de futebol com 1,2 metros de altura) em frente ao cais fluvial de Vila Velha de Ródão; outra com 5 mil metros cúbicos no Cais do Conhal do Arneiro, a jusante do Monumento Natural das Portas de Ródão, já no concelho de Nisa. A operação, estima o presidente da EPAL, José Sardinha, demorará cerca de um ano.
Numa segunda fase, ainda sem data ou orçamentos definidos, serão retiradas as restantes lamas, num total de 14 mil metros cúbicos. Estas, de acordo com Sardinha, “estão dispersas em bolsas mais pequenas” a dois quilómetros a montante da barragem do Fratel.
Esta megaoperação, integrada naquilo a que o Ministério do Ambiente chamou a Operação Tejo 2018 — e que tem como objectivo garantir que a concentração de oxigénio não seja inferior a 7mg/litro —, vai custar 1,5 milhões de euros, financiados pelo Fundo Ambiental.
Ainda não há data marcada para o início dos trabalhos, mas o presidente da EPAL conta ter, “dentro de poucas semanas”, as equipas a preparar a instalação do sistema de limpeza através de geotubes — gigantescos sacos onde ficarão depositadas as lamas. A questão é que o terreno que a APA escolheu para deposição e tratamento das mesmas é privado. E o Ministério do Ambiente ainda não chegou a acordo com a sua proprietária (um particular), o que a tutela espera que aconteça numa reunião agendada para hoje. Só depois é que a APA poderá lançar o concurso público para aquisição do equipamento de limpeza.
Que terreno é este? São cinco hectares — dos quais apenas um será ocupado — na margem direita do Tejo, a jusante da Ponte de Portas de Ródão, a poucas centenas de metros do monumento natural com o mesmo nome e inserido na sua área classificada. O facto levou ontem a Quercus a alertar publicamente as autoridades do Ambiente para a “ilegalidade” desta acção.
No coração do monumento natural
“Está precisamente no coração do monumento natural, em plena área protegida, que tem um regulamento que proíbe a deposição de quaisquer resíduos”, aponta Samuel Infante, presidente do núcleo regional de Castelo Branco da Quercus. Diz o decreto regulamentar que em 2009 classificou o Monumento Natural das Portas de Ródão que dentro dos limites desta área classificada não pode haver alterações “da morfologia do solo e do coberto vegetal, com excepção das intervenções de recuperação ambiental promovidas” pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, estando igualmente proibida a “deposição ou vazamento de resíduos”. O especialista em biodiversidade e protecção da natureza da Quercus entende, por isso, que devia ser escolhida outra localização, em “áreas menos naturalizadas, fora da área classificada”.
O Governo argumenta, em contraponto, que esta intervenção pelo seu carácter temporário não viola o regulamento. E, acrescenta José Sardinha, o terreno será “completamente impermeabilizado”, descartando que haja “qualquer risco de contaminação da água ou dos solos”.
Já a APA justifica que o terreno tem as condições ideais para optimização dos recursos desta megaoperação. Trata-se de um antigo areeiro, sem áreas de cultivo, com “árvores dispersas e de pouco valor”, como pinheiros e carrascos. Tem declive pouco acentuado e uma “área adequada” para o armazenamento de equipamentos e materiais de grandes dimensões. Mais: fica próximo das zonas a intervencionar — a 1,1 km do emissário submarino de Vila Velha de Ródão e a cerca de 500 metros do Conhal do Arneiro. Acresce que se situa junto ao rio. Também pesou nesta decisão o facto de ser um terreno afastado de zonas residenciais.
“As autoridades fizeram um levantamento exaustivo dos terrenos circundantes, havendo uma grande parte que foi automaticamente excluída por ter oliveiras centenárias ou ser terrenos de cultivo”, acrescenta Sardinha. Se chegar a acordo com a proprietária, a tutela compromete-se a rearborizar e reabilitar a área ocupada.
A composição das lamas é outras das preocupações dos ambientalistas. A Quercus vai pedir à tutela a divulgação dos resultados das análises às lamas recentemente retiradas, uma vez que, diz Samuel Infante, lhes chegou a informação de que mostravam a presença de metais pesados e hidrocarbonetos. “Se estivermos a falar realmente destes compostos, há o risco de contaminação e perturbação desta área, que apresenta fragilidades devido à poluição industrial e aos incêndios do ano passado”, diz o ambientalista. Algo que o presidente da EPAL nega. As análises efectuadas até à data mostram que as lamas “são de facto compostas por matéria orgânica”, garante, não havendo “presença de metais pesados ou de outros contaminantes”.
Se as análises continuarem a evidenciar uma presença residual de matéria contaminante, o “destino natural das lamas será a compostagem ou valorização agrícola”, explica José Sardinha. Em caso de elevada contaminação, prossegue, estas serão encaminhadas para tratamento e deposição em aterro.
Esta é, aliás, a preocupação de Carmen Lima, da Quercus e especialista em resíduos, que alerta para a necessidade de se avaliar a contaminação dos resíduos e só depois decidir qual o destino a dar-lhes. Para a ambientalista, “há uma grande probabilidade” de estarem em causa “lamas contaminadas”.
Já Rui Berkemeier, especialista em resíduos da Zero, diz que também esta associação está “naturalmente preocupada com este processo complexo”, estando a recolher informação para amanhã emitir um comunicado.
Método alternativo
Para o presidente da EPAL esta é a única solução — quer se esteja a falar da escolha do terreno, quer do sistema de limpeza propriamente dito. Trata-se, diz, de um sistema de aspiração flutuante no rio ligado a uma estrutura de grandes dimensões, colocada no solo, para filtragem e secagem das lamas retiradas do rio.
Mas a ProTejo contesta. O movimento de defesa do Tejo tem uma solução alternativa, com “um menor impacto ambiental”. Ontem enviou ao gabinete do ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, a sua proposta: um modelo de aspiração e centrifugação de lamas usado, por exemplo, em estações de tratamento de águas residuais.
Este método, em que poderia ser usando na mesma uma plataforma flutuante, recorre a uma bomba submersível que bombeia as lamas não para os geotubes, mas para dois contentores metálicos impermeabilizados, de menores dimensões. Destes contentores os resíduos transitariam para equipamentos móveis de desidratação com centrífugas. Uma metodologia que, diz o movimento, tornaria a acção de limpeza mais rápida (cerca de seis meses) e teria um “impacto ambiental significativamente menor, quer em termos visuais, quer em termos de cheiros”, sublinha Paulo Constantino, porta-voz da ProTejo.