A vida sexual de James Levine
Esta não é a história de um vilão que fecha anjos na cave. James Levine era um tarado sexual, mas os jovens que seduziu mediram a utilidade que o sexo com o maestro teria nas suas carreiras.
Pensei que não ia voltar a escrever sobre a doença do politicamente correcto e como o novo puritanismo passou a ser mainstream. Mas a forma como o maestro norte-americano James Levine acaba de ser despedido da Metropolitan Opera de Nova Iorque obriga-me a regressar ao tema.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Pensei que não ia voltar a escrever sobre a doença do politicamente correcto e como o novo puritanismo passou a ser mainstream. Mas a forma como o maestro norte-americano James Levine acaba de ser despedido da Metropolitan Opera de Nova Iorque obriga-me a regressar ao tema.
Parece evidente que Levine era tarado e usou o seu génio para seduzir jovens com talento e ambição. Mas também que os adolescentes que tiveram um primeiro contacto “desconfortável” com ele, continuaram a aceitar os seus convites durante anos e a permitir avanços sexuais progressivamente mais ostensivos. Não foram forçados, foram persuadidos. Estavam hipnotizados pelo poder? Inebriados pelos possíveis benefícios que aquela intimidade poderia ter nas suas carreiras? Eles próprios o reconhecem: um esperava que Levine o ajudasse a ser “um grande maestro”, outro receava que, ao afastar-se, “não teria uma carreira”.
Esta não é a história de um vilão que fecha anjos na cave. A única forma de a perceber é não esconder os termos explícitos das acusações. Se não tiver estômago para linguagem sexual, pare de ler aqui.
Chris Brown, contrabaixista, e James Lestock, violoncelista, hoje com 67 anos, tinham 17 quando Levine (então com 25), os convenceu a masturbarem-se à sua frente. Estamos no Verão de 1968. Mais tarde, convenceu-os, num grupo maior que os incluía, a irem “várias vezes” para um quarto onde todos colocavam vendas nos olhos e se masturbavam uns aos outros. Nesse Verão, Albin Ifsich, um violinista então com 20 anos, também entrou na “clique” de jovens músicos que seguiu Levine para Cleveland e depois para Nova Iorque. Levine escolheu Brown para contrabaixista principal da orquestra da escola e mais tarde convidou-o a ir ao seu quarto.
No início, o jovem sentiu alguma “vaidade”, mas à terceira visita, Levine falou de sexo. “Envergonhado”, Brown conta como, em resultado de uma “combinação de cansaço e juventude”, acabou “por ir para a cama” de Levine, “onde ele me masturbou e depois, logo a seguir, me pediu para eu lhe fazer o mesmo”. No dia seguinte, Brown disse ao maestro que não voltaria a acontecer e Levine passou a ignorá-lo. Também nesse Verão, contou James Lestock, o maestro convidou-o ao seu quarto e, durante uma conversa, “sugeriu que eu me despisse, porque isso seria ‘natural’ e ‘honesto’ e ‘abriria a minha visão do mundo’. Eu comecei por dizer ‘não’, mas ele fez de conta e convenceu-me a deixá-lo masturbar-me.” Depois disto, no entanto, Lestock juntou-se à “clique” de Levine, “jovens que estudavam música juntos, viajavam juntos, comiam juntos e por vezes viviam juntos”, descreve o New York Times.
O quarto queixoso é Ashok Pai, que diz que Levine o “agrediu sexualmente centenas de vezes”. A cronologia é mais ou menos esta: em 1985, quando tinha 15 anos (e Levine 42), o maestro deu-lhe boleia e tocou-lhe na mão “de um modo prolongado e incrivelmente sensual” que o fez sentir-se “desconfortável”. Em 1986, Levine convidou-o para o quarto de hotel, onde lhe “tocou no pénis”. Nesse ano, o maestro convidou-o várias vezes para o visitar no quarto de hotel. “Quando eu chegava, as luzes estavam apagadas e ele dizia-me: ‘Tira a roupa. Estou a trabalhar de mais, tenho de descansar.’” E a seguir “masturbava-se na cama ou na casa de banho”. Em 1987, Levine “pôs o dedo no meu ânus”; em 1988, no telegrama que Ashok Pai enviou a Levine, para Salzburg, incluiu um P.S.: “I love you.” Os encontros continuaram e, em 1993, já com 23 anos, Pai foi ter com Levine a Nova Iorque, onde os dois jantaram no Café des Artistes e no Shun Lee, e mais tarde, num quarto, Levine foi mais longe: “Beijou o meu pénis.”
Há varias coisas a dizer sobre estes relatos, mas uma delas é esta: ao fim de oito anos de encontros esporádicos e de uma evolução sexual notória, qual é o jovem que não percebe as intenções do outro? Quem não foi a um quarto de hotel enganado, para ver um documento ou um dossier? Faça essa pergunta no próximo jantar de amigos. E a seguir faça outra: quantos caíram nessa cantiga uma segunda vez?
Hoje, o passado é todo a preto e branco. É demais dizer que estes jovens foram carreiristas, mas parece de menos dizer, apenas, que foram vítimas.
Os neo-puritanos abriram um novo fosso que põe os sensatos de um lado e os insensatos do outro. Em breve, esta divisão será mais vincada do que sermos de esquerda ou de direita, crentes ou ateus, pró ou contra o direito ao aborto. Este é o novo divisor social.