Potências ocidentais unidas acusam Rússia pelo envenenamento de ex-espião
EUA, Reino Unido, Alemanha e França emitem comunicado condenando Moscovo. Kremlin anuncia que vai expulsar diplomatas britânicos, replicando a acção de Londres.
Londres conseguiu unir os líderes das potências ocidentais para condenar de forma veemente, num comunicado conjunto, o ataque com uma arma química produzida apenas na Rússia contra o ex-espião Sergei Srkipal de Moscovo e a sua filha na cidade britânica de Salisbury.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Londres conseguiu unir os líderes das potências ocidentais para condenar de forma veemente, num comunicado conjunto, o ataque com uma arma química produzida apenas na Rússia contra o ex-espião Sergei Srkipal de Moscovo e a sua filha na cidade britânica de Salisbury.
“O uso do agente de nervos de categoria militar, de um tipo desenvolvido na Rússia, marca a primeira ofensiva utilizando um agente de nervos na Europa desde a II Guerra Mundial”, diz o raro comunicado conjunto assinado por Theresa May, Angela Merkel, Emmanuel Macron e Donald Trump.
Houve uma mudança de tom dos aliados, em relação à posição inicial, de quarta-feira, bastante mais contida, quando o Ministério dos Negócios Estrangeiros Francês disse mesmo que ficaria à espera de provas definitivas antes de emitir um parecer. O esforço britânico, que incluiu um artigo do ministro Boris Johnson no jornal Washington Post, pedindo aos aliados que "se ponham do lado do Reino Unido contra a Rússia", deu alguns frutos.
“É um assalto à soberania do Reino Unido e qualquer uso desse tipo [de arma química] por um Estado é uma clara violação da Convenção das Armas Químicas e do direito internacional”, dizem os líderes ocidentais. “Partilhamos a declaração do Reino Unido de que não há nenhuma explicação plausível alternativa, e notamos que a falha da Rússia em atender o legítimo pedido do Governo britânico sublinha a sua responsabilidade.”
Verificação independente
Boris Johnson, noutro artigo que será publicado no jornal alemão Frankfurter Allgemeine, revelou que o Governo de Londres pretende permitir uma verificação independente da substância encontrada no organismo de Skripal e da filha, enviando uma amostra à Organização para a Proibição de Armas Químicas.
O pacote de medidas contra a Rússia apresentado por May, que alguns analistas referem ser demasiado suave, pode não ficar por aqui. A primeira-ministra deixou a porta aberta a novas represálias. Em Londres, nenhuma possibilidade ficou descartada. Tudo dependerá da reacção russa e também dos sinais transmitidos pelos aliados.
Os motivos da Rússia para este ataque contra um espião duplo, em território britânico, são desconhecidos. Analistas falam num teste, para verificar até onde irá a fraqueza que consideram ser a do Reino Unido, acentuada pelo processo do “Brexit”. E também porque se está nas vésperas das presidenciais, Vladimir Putin quererá dar uma demonstração de dureza do regime aos seus compatriotas — o único crime sem perdão é a traição, como a de um espião que vendeu segredos a um inimigo.
De visita a Salisbury, Theresa May realçou o facto de as quatro potências terem sido “muito claras ao atribuir este acto à Rússia”. “O que é importante na arena internacional – e nós levámos isto para a NATO, ONU e União Europeia – é que os aliados estão ao nosso lado e a dizer que isto faz parte de um padrão de actividade que vimos por parte da Rússia na sua interferência e na sua perturbação que perpetraram em vários países na Europa”.
Como Sherlock Holmes
A Rússia vai expulsar diplomatas britânicos em breve em retaliação às medidas anunciadas pela primeira-ministra britânica. A garantia foi dada por Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo.
Questionado sobre se Moscovo irá avançar com uma medida semelhante, Lavrov afirmou que “garantidamente”, o Kremlin irá expulsar diplomatas britânicos “brevemente”, cita a agência russa RIA. O ministro voltou a considerar as acusações de Londres um “disparate”, repetindo o discurso do Kremlin desde o início desta crise diplomática. A porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Maria Zakharova, acusou o Reino Unido de promover “histeria anti-Rússia”.
O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, considerou a acção de Londres “absolutamente irresponsável”. A embaixada russa na capital britânica disse, por sua vez, que a expulsão dos 23 diplomatas é “injustificável, inaceitável e míope”, sugerindo ainda que o Reino Unido tem também a capacidade para produzir o agente de nervos Novichok.
Na reunião do Conselho de Segurança da ONU de quarta-feira à notie, o embaixador russo, Vasili Nebenzia, fez comentários irónicos relativamente às acusações do Reino Unido, comparando o Governo britânico ao “desastrado" Inspector LeStrade da saga de Sherlock Holmes.
Foram várias as declarações públicas de responsáveis russos, apontando todos na mesma direcção: negação de responsabilidades e descrédito da investigação das autoridades britânicas.
Mas, do Presidente, nem uma palavra. No meio deste escalar de posições, soube-se apenas que Putin se reuniu ontem com o seu Conselho de Segurança, de onde poderá sair uma resposta.
A poucos dias das presidenciais russas – onde a vitória de Putin é um dado adquirido – o Presidente russo tem estado mais concentrado, pelo menos para o exterior, na sua campanha eleitoral do que nas sanções britânicas.
Aliás, durante uma visita à Crimeia no âmbito da campanha, e numa altura em que May tinha já lançado um ultimato a Moscovo, Putin foi questionado sobre o caso por um jornalista da BBC. “Oiça, estamos a tratar de agricultura aqui. Que é para melhorar a vida das pessoas. E você vem falar de tragédias. Investiguem e depois podemos discuti-lo”, respondeu.