Revisão de contadores pela EDP gera centenas de queixas sobre facturas
Deco pede alteração da actual lei, que obriga os consumidores a provarem que não falsearam os contadores. E alerta para prescrição de consumos ao fim de seis meses.
E se de repente recebesse uma factura de milhares de euros pelo consumo de electricidade com a acusação de que tinha sido adulterado o contador? Esta situação já se verificou com milhares de consumidores e a legislação actual não os protege, o que leva a associação de defesa do consumidor a pedir uma alteração à actual lei. Os valores cobrados ascendem, com muita frequência, a milhares de euros, e esta cobrança, ao contrário dos consumos regulares, não prescreve ao fim de seis meses, podendo chegar a três anos.
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E se de repente recebesse uma factura de milhares de euros pelo consumo de electricidade com a acusação de que tinha sido adulterado o contador? Esta situação já se verificou com milhares de consumidores e a legislação actual não os protege, o que leva a associação de defesa do consumidor a pedir uma alteração à actual lei. Os valores cobrados ascendem, com muita frequência, a milhares de euros, e esta cobrança, ao contrário dos consumos regulares, não prescreve ao fim de seis meses, podendo chegar a três anos.
As queixas recebidas na Deco, no domínio específico da correcção dos contadores, já que o total sobre energia é muito superior, ascenderam 423 em 2016, 458 em 2017, e 73 nos primeiros dois meses do corrente ano. E em relação a estes números, a jurista Ana Sofia Ferreira disse ao PÚBLICO que “na maioria dos casos não há evidência de que os consumidores alteraram o contador”, o que não os livra de ter de pagar os valores exigidos. As queixas à Deco são uma pequena amostra, uma vez que muitos consumidores acabam por pagar os valores apresentados sem reclamarem, inclusive por medo de corte do fornecimento de energia, que não acontece de forma imediata.
Ana Sofia Ferreira diz que a falta de evidência de manipulação imputável ao consumidor fica evidente no facto de a maioria das comunicações enviadas pela EDP Distribuição, a quem compete esta fiscalização, referirem que “a empresa se reserva o direito de avançar com uma queixa-crime contra o consumidor e não de afirmar expressamente que é isso que vai acontecer no caso de não pagamento do valor apresentado”. "E na maior parte das vezes não há apresentação de queixa-crime", assegura
A jurista garante que a Deco não dá cobertura a situações de fraude, através da manipulação real do contador, que devem ser criminalizadas. Mas não é essa a situações com que se depara. E dá o exemplo de consumidores idosos, que residem na mesma casa há muitos anos, e que são confrontados com consumos elevados, ou segundas habitações, com consumos que são naturalmente baixos, mas que são confrontados com correcções de consumo muito elevadas. Também há situações mais fáceis de provar, como casas compradas recentemente e que os novos proprietários recebem correcções relativas aos anteriores proprietários.
A propósito do Dia Mundial dos Direitos dos Consumidores, que se assinala esta quinta-feira, a Deco pede uma alteração da legislação actual, de forma a retirar aos consumidores o ónus, ou seja, a responsabilidade de provar que não fizeram qualquer adulteração ao contador. Defende, por um lado, que quem fiscaliza os contadores faça prova da manipulação e, por outro lado, que devem existir outras formas de controlo e prova, como redução brusca de consumos, para além de uma maior fiscalização periódica aos contadores.
A cobrança de valores por correcção dos contadores pode ir até três anos, por alteração recente da ERSE, a entidade reguladora do sector (anteriormente iam até cinco anos), um período que a Deco considera excessivo. O prazo de seis meses, como acontece com a prescrição de consumos, é o que a associação propõe.
A jurista adianta, a partir da sua experiência, que a EDP Distribuição não tem sido muito receptiva às tentativas de mediação relativas a consumidores que alegam não ter feito qualquer alteração aos contadores. Muitos consumidores também desconhecem que podem recorrer aos tribunais arbitrais, onde se têm verificado algumas decisões que, não anulando totalmente os valores exigidos, reduzem o valor a pagar.
Também a jurista Sara Luísa Gouveia, especialista em direito ao consumo, destaca a importância de os consumidores recorrem mais aos Centros de Arbitragem de Consumo nestas e noutras situações. Neste caso dos contadores destaca que “as empresas de electricidade afirmam que os consumidores manipulam os contadores, e que não têm recebido muitas queixas. Fazem uma coisa má, manipulam os contadores, e uma coisa muito boa, queixam-se pouco, dando razão às empresas”. A jurista defende que “a única coisa que as empresas conseguem provar é que os consumidores queixam-se pouco, já que a outra, a da manipulação, não conseguem provar”. Por isso defende o reforço da legislação de protecção dos consumidores e “um maior recurso, em caso de litígio, aos Centros de Arbitragem de Conflitos de Consumo.
Sobre este tema, fonte oficial da EDP sublinhou que "quando na posse de informação relevante que indicie a possibilidade da existência de fraude, desencadeia os mecanismos e procedimentos instituídos para averiguação das situações de adulteração de contadores, e, se for caso disso, regularizar prontamente a situação".
Cobradores do fraque
As queixas globais apresentadas à Deco relacionadas com facturas de energia são bem mais elevadas. De acordo com dados a que o PÚBLICO teve acesso, ascenderam a perto de 8800 em 2016, a cerca de 8500 em 2017, e já vão em 1206 no acumulado de Janeiro e Fevereiro do corrente ano. Ana Sofia Ferreira diz que a maioria destas queixas está relacionada com a comunicação de leituras por parte dos consumidores e que não são consideras nas facturas seguintes, que continuam a ser por estimativa, normalmente de valores mais elevados. Mas também por cobrança de dívidas com vários meses de atraso, que muitas vezes superam os seis meses, o que dá o direito aos consumidores de não as pagar.
A DECO tem alertado para a prescrição dos valores relativos a valores não cobrados após seis meses, de forma a obrigar as empresas a serem mais expeditas na realização no envio das facturas. Relativamente à acumulação de vários meses de estimativas, habitualmente de valores mais elevados que as reais, a Deco recomenda a comunicação, sempre que possível, das leituras mensais.
No ano passado verificou-se uma situação de atraso de vários meses no envio de facturas por parte da Galp On, que alegou problemas informáticos, que em algumas situações ainda não estavam regularizados no mês passado.
Apesar da prescrição de consumos ao fim de seis meses, as empresas tentam sempre cobrar esses valores, recorrendo muitas vezes a empresas especializadas em cobranças de dívidas, vulgarmente designadas de cobradores do fraque, que por meios nem sempre razoáveis, tentam forçar o pagamento. Cartas a ameaçar com a penhora de bens, SMS e telefonemas frequentes são algumas das estratégias seguidas e que levam muitas vezes os consumidores a pagar antes de pedirem informações ou apresentarem queixa.
O que fazer?
Os consumidores podem não pagar facturas relativas a consumos de água, electricidade, gás ou telecomunicações de há mais de seis meses. A lei dos serviços públicos essenciais prevê a prescrição do consumo destes serviços essenciais ao fim desse período, de forma a proteger os consumidores de atrasos das empresas na comunicação dos mesmos. Mas o desconhecimento dos direitos dos consumidores é grande, e muitos pagam sem reclamar, outros pagam e reclamam depois, o que já não garante a devolução do valor pago. A tentativa de cobrança, por parte das empresas, de valores relativos a consumos antigos não é ilegal. Os consumidores têm de invocar a prescrição. Essa prescrição deve ser feita através de carta registada com aviso de recepção ou por reclamação electrónica, através dos sites das empresas fornecedores, desde que obtida confirmação de que a reclamação foi recebida. A Deco disponibiliza no seu site uma carta-tipo para esse efeito. Com Ana Brito