O labor diário que mexe com os Estúdios Victor Córdon

Esta sexta-feira e sábado decorre nos Estúdios Victor Córdon um ciclo de debates que ajuda a levantar o véu sobre a intensa actividade do espaço da Companhia Nacional de Bailado no Chiado, agora sob a direcção de Rui Lopes Graça.

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Estão perto de duas dezenas de bailarinos a seguir as indicações de Fernando Duarte no estúdio principal das instalações da Companhia Nacional de Bailado (CNB) no Chiado, em Lisboa. Para ser mais preciso: bailarinos profissionais, em vias de profissionalização ou ex-bailarinos, às ordens de um coreógrafo que, nos últimos anos, coreografou para a CNB clássicos como La Bayadère, O Pássaro de Fogo ou O Lago dos Cisnes. Não se trata, naturalmente, de um acaso. Desde que, em 2017, Rui Lopes Graça assumiu a direcção dos Estúdios Victor Córdon decidiu extinguir as aulas de ballet para crianças e tomou como prioridade absoluta a criação de um espaço de aulas diárias de elevado nível técnico, a preço quase simbólico (3€ por sessão), dirigido a quem faz da dança profissão.

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Estão perto de duas dezenas de bailarinos a seguir as indicações de Fernando Duarte no estúdio principal das instalações da Companhia Nacional de Bailado (CNB) no Chiado, em Lisboa. Para ser mais preciso: bailarinos profissionais, em vias de profissionalização ou ex-bailarinos, às ordens de um coreógrafo que, nos últimos anos, coreografou para a CNB clássicos como La Bayadère, O Pássaro de Fogo ou O Lago dos Cisnes. Não se trata, naturalmente, de um acaso. Desde que, em 2017, Rui Lopes Graça assumiu a direcção dos Estúdios Victor Córdon decidiu extinguir as aulas de ballet para crianças e tomou como prioridade absoluta a criação de um espaço de aulas diárias de elevado nível técnico, a preço quase simbólico (3€ por sessão), dirigido a quem faz da dança profissão.

“Era uma lacuna enorme que existia em Lisboa”, diz Rui Lopes Graça ao PÚBLICO. “Criámos um espaço que não havia para bailarinos profissionais ou em vias de profissionalização – mas que já não estão numa escola e precisam de um espaço de trabalho, fora do circuito comercial. Temos uma programação variada, composta por professores de dança contemporânea e de dança clássica e que oferecem um nível de qualidade para usufruir de uma aula que permite aos participantes manterem-se em forma e prepararem-se para audições ou para os trabalhos que estão a fazer no momento.”

É o caso de Andreia Ferreira, 19 anos, e Miguel Fernandes, 20, que o PÚBLICO encontra na aula de Fernando Duarte numa sexta-feira de Fevereiro. Ambos formados pela Escola Superior de Dança, encontram-se em pontos diferentes de carreiras ainda muito no início: enquanto Miguel ingressou há dois anos no corpo de bailado do galês Ballet Cymru, Andreia encontra-se em fase de audições para tentar o primeiro contrato da sua vida de bailarina. É essa condição, de resto, que traz ambos até às aulas dos Estúdios Victor Córdon, que frequentam com regularidade: ele para manter a forma, enquanto goza as últimas semanas de um período de férias; ela para se preparar para as audições que tem pela frente.

“Preciso de dois meses de aulas para estar completamente segura do que estou a fazer”, diz Andreia.” “Só com dois meses é que me sinto a 100%, porque passa a ser algo quotidiano, que faço todos os dias – e se faço todos os dias sei que o vou conseguir fazer nas audições. É a memória muscular.” As aulas da CNB fazem parte de um treino diário, complementadas por trabalho de ginásio, mas essenciais, concordam, enquanto aulas técnicas e não “aulas para aquecimento, por vezes demasiado relaxadas”.

Residências, masterclasses, debates

Esta é apenas uma das vertentes da direcção impressa por Rui Lopes Graça, mas que alastra também à abertura das portas dos Estúdios Victor Córdon ao apoio à criação, através de um programa de residências artísticas. “Oferecemos a coreógrafos ou compositores [uma vez que a CNB integra a Opart, estrutura de que faz igualmente parte o Teatro Nacional de São Carlos] duas semanas de residência, uma vez que há muitos criadores sem um espaço próprio onde possam desenvolver o seu trabalho.”

É por isso que podemos espreitar um ensaio de Companhia (a estrear-se em Abril, no Teatro Maria Matos), peça com que João dos Santos Martins dá seguimento ao percurso que iniciou, em 2015, com Projecto Continuado. “Estava interessado em trabalhar em torno da ideia de labor em dança”, comenta o coreógrafo com o PÚBLICO, deixando entrever um processo primordial, com direito a discussão entre a equipa sobre a metodologia e a mecânica de uma peça activada pela convocação dos outros para que cada intérprete explore os seus movimentos. Entre outras coisas, João quis “perceber como é que a técnica da dança estaria ligada não a uma ideologia exterior ao próprio corpo, mas enquanto compreensão do funcionamento fisiológico e anatómico”, ao mesmo tempo que reflecte sobre o pensamento pós-taylorista em que “era necessário identificar mecanismos para que os corpos dos trabalhadores se adaptassem mais eficazmente às máquinas”.

Esta “dança assistida”, como o próprio lhe chama, ainda a tomar forma, ocupa um dos estúdios da CNB destinados às residências, enquanto noutros espaços Aldara Bizarro trabalha sobre uma nova criação a estrear-se no Festival Alkantara e André Mesquita ensaia a coreografia que integrará a produção Idomeneo, ópera de Mozart actualmente em cena no São Carlos – a ligação ao teatro de ópera terá, ao longo do ano, expoente máximo na Semana de Coreógrafos e Compositores, em que jovens criadores trabalharão com finalistas da Escola Superior de Dança. Se no caso de Idomeneo é fácil perceber a ligação estreita com os Estúdios, Aldara chega através do programa Em Trânsito, criado por Lopes Graça com a finalidade de acolher os processos criativos de espectáculos a serem apresentados no âmbito de festivais – Temps d’Images, BoCa, Cumplicidades ou Alkantara. “Ao criar parcerias com os festivais”, realça, “damos a responsabilidade aos programadores de escolherem quem são os coreógrafos a apoiar através do nosso espaço.”

Esta delegação de competências faz parte de um pensamento dos Estúdios Victor Córdon como uma plataforma ao serviço da criação, em que se incluem também o ambicioso programa Território, destinado a jovens estudantes de dança entre os 14 e os 17 anos. “O ensino da dança mudou muito em Portugal nos últimos anos e começaram a aparecer escolas por todo o país a criar pequenas ‘bombas’ que vão aos concursos internacionais e ganham uma série de medalhas”, contextualiza. Para contrariar esta situação de os concursos se terem quase tornado a única montra para as escolas, o Território pretende dar visibilidade a valores que podem estar a caminho de zarpar de Portugal para estudar ou trabalhar nalgumas das mais importantes estruturas mundiais. A ideia é que, todos os anos, possam trabalhar com dois coreógrafos e integrar um espectáculo que parta em digressão pelo país.

A tudo isto acrescem ainda masterclasses para estudantes por parte dos professores de topo que chegam regularmente para trabalhar com o elenco profissional da CNB no Teatro Camões, e o ciclo de conferências Encontros para o Futuro, num conjunto de actividades possibilitado graças a um “apoio muito substancial” da Fundação Calouste Gulbenkian. Esta sexta-feira e sábado são os Encontros para o Futuro que ocupam os Estúdios Victor Córdon com uma série de debates acerca do ensino da dança, porque para Lopes Graça é importante que a dança se veja no corpo, mas também no pensamento que a ela conduza.