Novichok, uma arma química secreta russa usada contra Skripal
Pode ser usado em pó e é até dez vezes mais potente do que o gás de nervos VX. A substância usada para envenenar o ex-espião russo no Reino Unido pode ser preparada minutos antes de ser usada e é letal.
O veneno Novichok, que o Reino Unido diz ter sido usado para envenenar o ex-espião russo Serguei Skripal e a sua filha, é uma das armas químicas mais poderosas alguma vez criadas. Trata-se na verdade de uma série de químicos, todos com composições ligeiramente diferentes e altamente tóxicos, desenvolvido nas décadas de 1970 e 1980, na União Soviética.
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O veneno Novichok, que o Reino Unido diz ter sido usado para envenenar o ex-espião russo Serguei Skripal e a sua filha, é uma das armas químicas mais poderosas alguma vez criadas. Trata-se na verdade de uma série de químicos, todos com composições ligeiramente diferentes e altamente tóxicos, desenvolvido nas décadas de 1970 e 1980, na União Soviética.
É uma arma química de quarta geração, que se apresenta sob a forma de um sólido – um pó ou uma pasta grossa –, que não seria detectável pelos instrumentos usados pelas tropas da NATO, diz o New York Times. Trata-se de um químico que perturba os mecanismos que transferem mensagens do cérebro para os músculos, bloqueando a actividade de uma enzima, chamada acetilcolinesterase. As vítimas sofrem espasmos musculares contínuos, que levam a que tenham convulsões, dificuldade em respirar, podendo morrer por asfixia.
Misturar e usar
Tanto quanto se sabe, esta família de químicos – que é cinco a dez vezes mais letal do que os gases de nervos VX e sarin – nunca tinha sido usada, diz a Reuters. E Moscovo nunca tinha declarado a sua existência ou os seus ingredientes à Organização para a Proibição das Armas Químicas, que controla a aplicação do tratado que bane a utilização destas armas, embora a Rússia seja signatária.
Apesar de não ter sido declarada, a existência do veneno Novichok foi revelada ao Ocidente por Vil Mirzaianov, um dos cientistas soviéticos que ajudaram a desenvolver esta classe de armas químicas e que hoje está exilado nos Estados Unidos. “O atacante devia ter boa formação para usar este químico, que pode ser produzido minutos antes de ser usado e aplicado sob a forma de spray”, explicou à CNN.
Os Novichok são produzidos com elementos químicos usados na agro-indústria, e por isso não estão incluídos em nenhuma lista proibida. Assim, são mais difíceis de detectar, disse à Reuters a especialista em armas químicas Amy Smithson. Não seria difícil encontrar os ingredientes primários, diz Mirzaianov, e os secundários “podem ser combinados em qualquer lado”.
O veneno podia ser espalhado no volante do carro de Skripal, nos talheres ou nos alimentos da pizaria de Salisbury onde ele e a filha almoçaram, disse ao New York Times Dan Kaszeta, especialista em armas químicas que já foi consultor dos Serviços Secretos americanos. E durante as duas horas seguintes poderia ser transferido para tudo aquilo em que ele tocasse.
Se o ex-espião russo tivesse inalado este químico tóxico, os efeitos far-se-iam sentir quase instantaneamente. Se o envenenamento fosse absorvido através da pele, o processo seria mais lento, levaria horas. Ao entrar na corrente sanguínea, tem início o processo de espasmos musculares que afecta os órgãos e só a administração de atropina, um agente comum contra armas químicas que actuam no sistema nervoso, pode salvar a vítima, disse ao jornal de Nova Iorque Alastair Hay, professor emérito de Toxicologia da Universidade de Leeds (Reino Unido).
O químico usado no ataque contra Skripal e a sua filha foi identificado no Laboratório Militar de Porton Down –, que na verdade fica muito perto do local onde se deu o ataque, relata o New York Times.
Em busca da enzima
Amostras do sangue terão sido colocadas num espectrómetro de massa, para procurar vestígios de substâncias estranhas, comparando-as com agentes químicos conhecidos, até encontrarem alguma que coincidisse. Não existe um teste específico para o Novichok.
Mas é possível que os investigadores tenham colhido fluido da medula espinal de Skripal ou da sua filha, para isolar a enzima acetilcolinesterase e analisar a estrutura do químico que a ela se ligou, explicou à revista New Scientist Martin Boland, investigador da Universidade Charles Darwin, na Austrália. Despistar se há actividade reduzida desta enzima é a primeira coisa a verificar, se se suspeita que há envenenamento com um agente de nervos.
O facto de Skripal e a filha terem sobrevivido até agora indica que a variedade de Novichok utilizada será de actividade lenta e terá sido absorvida através da pele, comentou a esta revista de divulgação científica britânica John Lamb, da Universidade da Cidade de Birmingham (Reino Unido).
“A família de armas químicas Novichok foi especificamente criada pela Rússia para ser desconhecida no Ocidente e é um dos seus segredos mais bem guardados”, afirmou Lamb. E é terrível, avisa Mirzaianov.
Mirzaianov contou ao site Daily Beast o que aconteceu ao seu colega Andrei Jelezniakov, vítima de Novichok num acidente no laboratório. Apesar de ter sido tratado com atropina, nunca mais foi o mesmo. “Não era capaz de funcionar normalmente”, contou. Passou a sofrer de várias doenças crónicas, como epilepsia, problemas de fígado e dificuldade de concentração, e morreu cinco anos mais tarde.