Ataque com arma química russa abre crise internacional inédita
May acusou o Kremlin pelo primeiro ataque químico em solo europeu desde o fim da II Guerra Mundial. Reino Unido está a levar o caso para a NATO, ONU, União Europeia e outras organizações.
Passando das palavras aos actos, a primeira-ministra britânica foi nesta quarta-feira ao Parlamento anunciar o maior pacote de represálias contra a Rússia desde os tempos da Guerra Fria, pediu uma reunião de urgência no Conselho de Segurança da ONU, no conselho da NATO e na Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ).
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Passando das palavras aos actos, a primeira-ministra britânica foi nesta quarta-feira ao Parlamento anunciar o maior pacote de represálias contra a Rússia desde os tempos da Guerra Fria, pediu uma reunião de urgência no Conselho de Segurança da ONU, no conselho da NATO e na Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ).
Este é, até ao momento, o maior pico de tensão entre Reino Unido e Rússia devido ao envenenamento do antigo espião russo, Sergei Skripal, e da sua filha, em território britânico, cuja responsabilidade Londres atribui ao Kremlin. Mas as coisas podem não ficar por aqui.
Na segunda-feira, May tinha dito que era “altamente provável” que o Kremlin estivesse por trás da tentativa de homicídio a Sergei e Iulia Skripal com uma arma química chamada Novichok, produzida na Rússia.
Passado o prazo até à meia-noite de terça-feira para receber uma explicação “credível” por parte de Moscovo sobre como foi parar esta substância a solo britânico, e tendo apenas recebido “desprezo e sarcasmo”, a primeira-ministra não teve dúvidas em afirmar agora que o responsável é mesmo o Governo russo.
"Este não é apenas um acto contra Sergei e Iulia Skripal e contra o Reino Unido, mas também uma afronta à proibição da utilização de armas químicas", disse a primeira-ministra sobre o primeiro ataque químico na Europa desde o fim da II Guerra Mundial – que, no total, afectou 24 pessoas (Sergei e Iulia Skripal e um polícia estão em estado crítico e as restantes receberam apenas assistência médica).
“É trágico que o Presidente Putin tenha escolhido comportar-se desta maneira”, afirmou a governante, garantindo que nada será feito contra o povo russo. As medidas anunciadas por May têm como objectivo conter a acção de Moscovo em território britânico e extinguir a rede de espionagem russa no país.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros russo utilizou o Twitter para reagir às sanções: “É absolutamente inaceitável e indigno que o Governo britânico procure continuar a agravar seriamente as relações em busca dos seus fins políticos inconvenientes, tendo anunciado uma série de medidas hostis, incluindo a expulsão de 23 diplomatas russos do Reino Unido”.
Também esta quarta-feira-feira, numa reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas em Londres, o embaixador russo enviado à ONU exigiu “provas dos vestígios russos alegadamente encontrados” no incidente. No mesmo encontro, também a embaixadora dos Estados Unidos, Nikki Haley, apontou a responsabilidade à Rússia. A embaixadora norte-americana expressou ainda a solidariedade de Washington com Londres.
Solidários, mas contidos
Cada vez mais pressionada e isolada politicamente dentro de casa devido à condução das negociações sobre o “Brexit”, May parece ter conquistado apoio quase generalizado no que respeita a este confronto com Moscovo. O líder da oposição, o trabalhista Jeremy Corbyn, foi até criticado por colegas de partido por se recusar a condenar a Rússia por este acto, duvidando da consistência das provas apresentadas pelo Governo.
Mathieu Boulégue, especialista sobre a Rússia na Chatham House, duvida, por outro lado, que Vladimir Putin fique sequer incomodado com o pacote de represálias: “O Kremlin vai perceber que esta é uma resposta muito suave”, disse à Reuters. “É pouco provável que Putin fique preocupado com isto”.
Mas as represálias podem não ficar por aqui. Todas as possibilidades estão em aberto para Londres, enquanto espera pela reacção do Kremlin e pelas respostas dos aliados.
É para ouvir o que têm a dizer os seus aliados que o Governo britânico pediu um encontro do Conselho de Segurança da ONU e contactou os seus principais aliados. Além disso, informou a NATO sobre a investigação que está a decorrer e vai mostrar as amostras do gás nervoso à OPAQ.
Em comunicado, a NATO disse que “os aliados expressaram profunda preocupação relativamente à primeira ofensiva utilizando um gás de nervos no território da aliança desde a fundação da NATO”, pedindo ainda à Rússia que responda a todas as questões de Londres e que ofereça uma “divulgação completa sobre o programa Novichok” à OPAQ.
Porém, não há indicação de acções concretas, inclusivamente uma possível activação do artigo 5º que estabelece que um ataque contra um dos Estados-membros é considerado um ataque a todos os membros da Aliança Atlântica – medida que foi também descartada pelo próprio Governo britânico.
Da parte dos aliados europeus, a reacção foi de contenção. A União Europeia manifestou “total solidariedade” com o Reino Unido, e Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, informou que o caso será tema de discussão na cimeira europeia da próxima semana em Bruxelas.
Em declarações à Reuters, uma fonte oficial da UE afirmou que as medidas do Governo britânico não colocam pressão imediata aos seus aliados para que avancem também com acções contra a Rússia.
O Governo francês disse que pretende esperar por provas concretas, e a chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que encara as acusações de envolvimento de Moscovo de forma “muito séria”, mas defendeu a via do diálogo com Putin.
A Casa Branca informou na terça-feira que Donald Trump concordou, em conversa telefónica com May, que a Rússia tem de providenciar “repostas claras sobre como a arma química” chegou ao Reino Unido.
Antes do anúncio de May, o Kremlin tinha garantido que iria responder a qualquer tipo de represálias de Londres. Esta semana, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, lembrou ao Reino Unido o potencial nuclear da Rússia e recordou um último discurso de Vladimir Putin, onde o Presidente russo anunciou novas poderosas armas.
Investigação continua
Praticamente toda a cidade de Salisbury está por estes dias isolada. Centenas de militares foram mobilizados para além de investigadores de contra-terrorismo, especialistas forenses e de guerra química estão a vasculhar a cidade em busca de provas que levem à pessoa em particular que realizou a tentativa de homicídio de Skripal. E todos vestidos com fatos e máscaras de gás.
A investigação, que foi alargada para uma localidade a oito km de Salisbury, tenta delinear todos os passos dados por Sergei e Iulia nas horas antes de terem sido encontrados inconscientes num centro comercial local no dia 4 de Março. O objectivo é perceber como foi utilizado o gás de nervos, como entrou no Reino Unido e saber quem é o responsável concreto por isso.
As autoridades marcaram os pontos-chave: a casa do antigo espião, o seu BMW, o local onde foram encontrados inconscientes, um bar e um restaurante onde ambos estiveram nesse dia. Todos estão selados, bem como a zona em redor.
Todos os vizinhos de Skripal foram já interrogados, e a polícia lançou um apelo público para quem quer que tenha informações sobre o trajecto que pai e filha fizeram no BMW 45 minutos antes de entrarem no centro comercial.
De acordo com o Guardian, nos últimos dias, as autoridades centraram a sua atenção no BMW. Há suspeitas de que o gás de nervos tenha sido utilizado, em forma de pó, contra Skripal através do volante ou sistema de ventilação do veículo.
Porém, o polícia que foi exposto à substância e que está em estado crítico, terá colapsado depois de ir a casa do ex-espião – o que significa que este local pode ser crucial para toda a investigação.
As autoridades conseguiram também confirmar que Iulia aterrou no Reino Unido no dia 3 de Março, praticamente 24 horas antes de ter sido hospitalizada. As autoridades examinaram horas de imagens de vídeos de vigilância para traçar todos os passos antes e depois de Iulia ter chegado a Salisbury para perceber se terá sido através de si que o gás de nervos entrou em território britânico.
Porém, as autoridades já praticamente descartaram esta possibilidade, pois, se alguma falha existisse, a presença de uma substância deste tipo num voo internacional poderia ter consequências catastróficas.