IP passa para maquinistas decisão de abrandar em troços degradados
Para poupar na deslocação de equipas ao longo da via a fim de colocar sinais de restrição de velocidade, a Infraestruturas de Portugal opta por estabelecer um aviso ao maquinista responsabilizando-o pelos abrandamentos.
Ao contrário de um motorista de um autocarro, que deve adequar a velocidade às condições da estrada e à visibilidade, um maquinista de um comboio deve circular à velocidade prevista em cada troço a fim de poder cumprir o horário. Isso significa que a infraestrutura tem de estar de acordo com a velocidade ali prevista, uma vez que, mesmo com chuva, neve ou nevoeiro, o maquinista tem de confiar no bom estado da via férrea.
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Ao contrário de um motorista de um autocarro, que deve adequar a velocidade às condições da estrada e à visibilidade, um maquinista de um comboio deve circular à velocidade prevista em cada troço a fim de poder cumprir o horário. Isso significa que a infraestrutura tem de estar de acordo com a velocidade ali prevista, uma vez que, mesmo com chuva, neve ou nevoeiro, o maquinista tem de confiar no bom estado da via férrea.
Quando se detectam irregularidades na linha - muitas vezes reportadas pelos próprios maquinistas – a Infraestruturas de Portugal (IP) estabelece por vezes um regime de “marcha à vista” nesses locais. "Marcha à vista" significa que o comboio deve adequar a sua velocidade à passagem daquele troço, sempre limitada a um máximo de 30 Km/hora e pronto a parar ao mínimo obstáculo.
“Isto significa que a IP transfere para nós uma responsabilidade que é do gestor da infraestruturas. Temos de ser nós a avaliar o estado da linha e a gerir a velocidade a que ali passamos”, diz António Alves, maquinista da CP. Que acrescenta: “isso compreende-se quando é nas horas seguintes à detecção da anomalia, mas já não se entende quando essa restrição dura dias seguidos sem que ninguém da IP vá ao local verificar o que efectivamente se passa”.
O mesmo acontece quando, uma vez diagnosticado o problema, um determinado troço fica com uma restrição de velocidade. Ou quando entra em obras e os trabalhos implicam um afrouxamento no local.
“Para poupar dinheiro na deslocação de equipas a fim de colocar placas de sinalização lateral à beira da linha, a IP prefere mandar estabelecer um modelo ao maquinista para que este afrouxe ao passar no local”, conta António Alves.
Esse modelo, que é um documento passado pelo chefe da estação ao maquinista, e por este assinado, estabelece os pontos e quilómetros em que se circulará com restrições. E a partir daí tudo depende do bom cumprimento do maquinista porque não há redundâncias: nem placas a assinalar o local, nem informação no computador de bordo.
“Já tenho escrito cartas sobre isto para o sindicato e para a IP. Toda a gente sabe disto. Há uma atribuição excessiva do risco aos maquinistas, que não se justifica quando há tantas tecnologias que podem aumentar a segurança”.
A redução de pessoal e as tentativas de reduzir custos levaram também a IP a desguarnecer estações, isto é, a delas retirar os ferroviários responsáveis pela gestão do tráfego. Nas linhas de cantonamento telefónico (cuja exploração não é feita por sistemas de sinalização automáticos controlados à distância) isso faz com que os cantões (intervalos entre estações) sejam cada vez maiores, não se sabendo assim com um mínimo de precisão onde é que está cada comboio em cada momento.
É o caso do troço Abrantes – Elvas. Ao longo desses 140 quilómetros ninguém sabe onde é que o comboio está. Apenas que partiu a uma determinada hora de Abrantes. Em caso de avaria ou acidente numa zona sem rede de telemóvel, não é possível comunicar para pedir socorro.
O mesmo se passa, durante a noite, nos 43 quilómetros (grande parte à beira do rio Douro) entre Marco de Canavezes e Régua. E na linha do Oeste entre Meleças e Caldas da Rainha (84 quilómetros) e entre esta cidade e Louriçal (também 84 quilómetros). Durante a noite só se sabe que o comboio estará algures por ali.
Na terça-feira o PÚBLICO noticiou que mais de metade das vias férreas portuguesas estava em estado considerado “mau” ou “medíocre” pela própria IP num relatório sobre o estado da infra-estrutura.
Entretanto, a IP divulgou um comunicado onde afirma que “a Rede Ferroviária Nacional é segura sendo o seu desempenho globalmente positivo”. A ferrovia portuguesa, refere, “apresenta-se em termos médios, num estado de condição Razoável (avaliado em 5,3 numa escala entre 0 e 8) significando que em geral está adequada aos requisitos de exploração”.
A empresa diz ainda que “para incrementar o nível da infra-estrutura ferroviária, está a desenvolver o maior programa de investimentos das últimas décadas na modernização da Rede Ferroviária Nacional” – o Ferrovia 2020, que prevê investir 2 mil milhões de euros na requalificação de mais de mil quilómetros de via férrea.
O relatório sobre o estado da ferrovia a que o PÚBLICO teve acesso, diz que “através da publicação anual deste relatório a IP, SA procura informar as diversas partes interessadas, o Estado como Entidade Concedente, as entidades reguladoras, os clientes, os fornecedores e o público em geral da condição das infra-estruturas sob sua gestão”.