Já chega de confiar na sorte
Sim, conversem todos, mas comecem por arranjar o que se tem perdido. Já que o dinheiro nunca é muito, o melhor é começar pela base. Já basta de confiar na sorte
Nos últimos quatro anos, Portugal registou 20 descarrilamentos de comboios. Sempre em troços de caminhos-de-ferro que são considerados problemáticos pela empresa que é responsável pela sua manutenção. Registe as palavras, usadas no relatório que hoje Carlos Cipriano nos desvenda: estas linhas são “medíocres” ou “más”. Estas, entre muitas outras, porque a conclusão dos técnicos da Infra-Estruturas de Portugal é que quase 60% das linhas do nosso país está neste estado.
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Nos últimos quatro anos, Portugal registou 20 descarrilamentos de comboios. Sempre em troços de caminhos-de-ferro que são considerados problemáticos pela empresa que é responsável pela sua manutenção. Registe as palavras, usadas no relatório que hoje Carlos Cipriano nos desvenda: estas linhas são “medíocres” ou “más”. Estas, entre muitas outras, porque a conclusão dos técnicos da Infra-Estruturas de Portugal é que quase 60% das linhas do nosso país está neste estado.
Registe também uma outra palavra que ele nos diz ser a mais usada, por estes tempos, dentro daquela empresa: “Sorte.” Sorte de, nestes 20 descarrilamentos, só haver registo de seis comboios de passageiros, “sorte” sobretudo de não haver registo de qualquer morte nestes acidentes.
Agora junte a tudo isto a triste história da Ponte 25 de Abril, em que há um parecer alertando para a necessidade de obras, o parecer anda de gaveta em gaveta durante anos — e só salta de lá com o respectivo envelope financeiro quando se sabe que há uma revista, a Visão, que vai fazer do tema capa.
Não, o problema não é o das cativações, porque a questão é bem mais séria e transversal. A discussão que se lançou por causa da Ponte 25 de Abril, e que agora terá de se fazer também sobre as linhas férreas, é uma discussão que tem de se alargar a outros sectores do nosso Estado. Deve fazer-se no Serviço Nacional de Saúde, onde se discute mais a falta de profissionais do que os meios com que estes trabalham; deve fazer-se nas escolas, onde também se fala muito dos professores, mas pouco das condições em que eles ensinam os nossos filhos.
É este o estado do país e da discussão política. Hoje, por exemplo, os sindicatos de professores iniciam uma greve, que se fará dia a dia, região a região, porque não conseguem convencer o Governo a dar mil milhões de euros para lhes garantir uma reposição salarial de acordo com as suas pretensões. No dia em que reclamarem o mesmo, mas metade para eles e outra metade para que tenham condições para ensinar, é provável que tenham o país todo com eles.
Se António Costa e Rui Rio decidiram começar a conversar sobre onde aplicar os fundos europeus e que responsabilidades passar para as autarquias, podiam bem começar por aqui: olhar, sector a sector, que partes do Estado precisam de mais investimento, de reabilitação, ainda antes de nos lançarmos em novas aventuras. Sim, conversem todos, mas comecem por arranjar o que se tem perdido. Já que o dinheiro nunca é muito, o melhor é começar pela base. Já basta de confiar na sorte.