O “Selmayrgate” tomou conta dos corredores do poder em Bruxelas
Parlamento Europeu debate nesta segunda-feira a promoção de Martin Selmayr de chefe de gabinete de Jean-Claude Juncker ao lugar de topo da administração europeia. O caso assumiu contornos de escândalo.
Desde o dia 21 de Fevereiro que a Comissão Europeia se esforça por refutar as críticas e dizer que não existe polémica, nem irregularidade e muito menos nada de duvidoso ou impróprio no processo que resultou na surpreendente promoção de Martin Selmayr, o chefe de gabinete de Jean-Claude Juncker, ao cargo de secretário-geral, o lugar de topo da administração europeia. “Este foi um processo em que todas as regras foram seguidas religiosamente, e repito religiosamente”, afirmou o porta-voz da Comissão, Margaritis Schinas, cansado das perguntas insistentes dos jornalistas.
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Desde o dia 21 de Fevereiro que a Comissão Europeia se esforça por refutar as críticas e dizer que não existe polémica, nem irregularidade e muito menos nada de duvidoso ou impróprio no processo que resultou na surpreendente promoção de Martin Selmayr, o chefe de gabinete de Jean-Claude Juncker, ao cargo de secretário-geral, o lugar de topo da administração europeia. “Este foi um processo em que todas as regras foram seguidas religiosamente, e repito religiosamente”, afirmou o porta-voz da Comissão, Margaritis Schinas, cansado das perguntas insistentes dos jornalistas.
Esse não é o entendimento de eurodeputados, diplomatas e comentadores políticos, para quem a correcção dos procedimentos é uma questão secundária. Para eles, a ascensão de Martin Selmayr põe em causa a transparência do funcionamento das instituições comunitárias e compromete a integridade e legitimidade da Comissão Europeia nas suas disputas com os Governos nacionais acusados de desrespeito pelo Estado de Direito, caso da Polónia ou da Hungria. “Tendo em conta os últimos desenvolvimentos no seio da Comissão, os sermões de Bruxelas sobre o cumprimento da letra da lei soam pouco autênticos”, observou o porta-voz do Governo de Budapeste, Laszlo Kovacs.
No caso dos eurodeputados, muitos consideram que as explicações dadas até agora pela Comissão foram pouco convincentes. Por decisão unânime, os grupos parlamentares agendaram para esta segunda-feira um debate sobre o assunto, e chamaram a Comissão ao plenário de Estrasburgo. “Se um processo semelhante tivesse acontecido no Burkina Faso, estaríamos todos a dizer que não é assim que se governa e a retirar o nosso apoio ao país”, considerou o presidente da Aliança dos Liberais e Democratas da Europa (ALDE), Hans Van Baalen.
O caso, que já ganhou contornos de escândalo (com a designação de “Selmayrgate” e a hashtag correspondente) dirá pouco a quem vive fora da bolha de Bruxelas, não presta atenção às intrigas nos corredores do Berlaymont e nunca ouviu falar de Martin Selmayr, “o eurocrata mais poderoso de Bruxelas”, na definição do The Wall Street Journal. O alemão de 47 anos recolhe a unanimidade nos elogios à sua competência e capacidade de trabalho, e nas críticas aos seus métodos e personalidade — os seus três anos à frente do gabinete de Juncker renderam-lhe a alcunha de “monstro do Berlaymont”.
Duas promoções em minutos
Em poucos minutos, na reunião do colégio de comissários de 21 de Fevereiro onde foi avaliado um pacote de promoções e demissões de altos funcionários, foi aprovada a candidatura de Selmayr ao cargo de secretário-geral adjunto, vago desde Janeiro. Logo depois, o actual secretário-geral, Alexander Italianer, revela que vai reformar-se em Abril, e Juncker propõe então a promoção de Selmayr ao lugar de topo. Apesar de se confessarem surpreendidos, os comissários não colocaram quaisquer objecções à aprovação da proposta. A nomeação do secretário-geral é uma prerrogativa do presidente da Comissão Europeia, e Selmayr não é o primeiro chefe de gabinete a ser indicado para o cargo: Romano Prodi promoveu David O’Sullivan (actual embaixador da UE em Washington), que depois foi substituído por Catherine Day por Durão Barroso.
O secretário-geral da Comissão Europeia é o responsável pelos mais de 33 mil funcionários europeus; faz a coordenação do trabalho de todas as direcções-gerais e serviços que executam as políticas europeias e assegura as relações oficiais com as restantes instituições da UE. O seu papel não é necessariamente político, embora uma das críticas que se levantam agora é que Martin Selmayr não conseguirá evitar transformar a natureza das suas funções, como tem feito no gabinete do Juncker. O grande risco, dizem os seus detractores, é de que toda a autoridade e poder venham a concentrar-se nas mãos de uma figura que não foi eleita.
“A partir de agora, Selmayr já não precisa de prestar contas a ninguém. Ele não perdeu tempo a consolidar o seu poder, tendo mudado o seu gabinete para o lado do do presidente. O seu plano passa ainda por colocar o serviço jurídico, que é independente, sob a sua alçada. Depois só precisará de encontrar um novo presidente tão dócil como Juncker para completar o seu objectivo: antes dos 50 anos, sem nunca se ter apresentado a votos, tornar-se-á o alfa e o ómega da Comissão Europeia”, escreveu o correspondente do diário Libération, Jean Quatremer, a outra personagem principal deste enredo de Bruxelas.
O veterano jornalista francês, que lidera a carga contra Selmayr a partir da sala de imprensa do Berlaymont, já acusou a Comissão de ter mentido e até falsificado documentos para justificar a promoção do homem de mão de Juncker. Também especulou sobre a razão por que ninguém no colégio se opôs ao alegado “golpe” de Selmayr: como escreveu, o agora secretário-geral estará a preparar uma revisão do “pacote de transição” que é atribuído aos comissários europeus quando deixam o cargo, que prevê a extensão para três ou talvez cinco anos da compensação mensal de 13.500 euros a que têm direito por causa das incompatibilidades, às quais se somariam um gabinete na Comissão com dois assistentes e um carro com motorista.
Holandeses exigem investigação
No Parlamento Europeu, onde a pressão do calendário eleitoral se sente de forma mais premente, o “Selmayrgate" está a servir de munição para as bancadas radicais reforçarem os seus ataques à Comissão e, de forma mais genérica, para atirarem contra a própria arquitectura europeia. Mas no actual momento de volatilidade, podem detectar-se muitas nuances nas posições dos diferentes grupos parlamentares — até agora, a única manobra concertada foi dos líderes dos partidos políticos holandeses, que assinaram em bloco uma carta aberta a exigir a demissão de Martin Selmayr. Agindo em nome próprio, a eurodeputada holandesa liberal, Sophie In’t Veld, entregou uma queixa contra a promoção de Selmayr junto da Ombudsman da União Europeia, Emily O’Reilly.
De resto, os eurodeputados franceses do grupo dos Socialistas, que escreveram a Juncker a expressar as suas dúvidas perante um caso que lhes parece “nepotismo”, querem discutir uma possível moção de censura contra a Comissão. Pelo seu lado, o grupo dos Verdes defende o congelamento da aprovação do orçamento anual até que seja concluída uma investigação formal ao recrutamento de Selmayr. “Se tudo foi feito de acordo com as regras, então as regras têm de ser mudadas”, considerou o líder dos Verdes, o alemão Sven Giegold.