Associação Mutualista recebe "bónus fiscal" de 808,6 milhões
Dona do Montepio passa de capitais próprios negativos de 251 milhões para positivos de 510 milhões, na sequência de um mecanismo de natureza fiscal relacionado com os prejuízos acumulados. Resultado de 2017 é positivo em 587,5 milhões de euros.
A Associação Mutualista Montepio revelou, esta segunda-feira ter alcançado um resultado líquido de 587,5 milhões de euros no exercício de 2017. Na base deste desempenho está um mecanismo fiscal que permite transformar perdas registadas no passado em créditos fiscais com reflexo nas contas futuras.
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A Associação Mutualista Montepio revelou, esta segunda-feira ter alcançado um resultado líquido de 587,5 milhões de euros no exercício de 2017. Na base deste desempenho está um mecanismo fiscal que permite transformar perdas registadas no passado em créditos fiscais com reflexo nas contas futuras.
“A Associação Mutualista Montepio, no cumprimento das normas internacionais de contabilidade, reflectiu nas suas demonstrações financeiras o apuramento de activos por impostos diferidos no montante de 808,6 milhões de euros”, lê-se no documento, onde é explicado que, devido a esta medida, o “capital próprio em base consolidada [passa] para um valor positivo de 510 milhões de euros”. Assim, “a Associação Mutualista Montepio ultrapassa a situação de capitais próprios negativos (-251 milhões de euros) apresentada nas contas consolidadas de 2016”.
Este regime de activos por impostos diferidos foi criado para a banca numa altura em que as imparidades de créditos e outras se acumulavam nos balanços e os bancos reclamaram a criação de uma espécie de crédito fiscal sobre estes passivos para descontar mais tarde, quando regressassem aos lucros. Na base da argumentação dos bancos estava a ideia que não deviam pagar impostos sobre algo cujo valor já estava dado como perdido através de uma imparidade. Mas comprometiam-se a pagar esse imposto quando conseguissem voltar a dar valor a esse activo, depois da sua recuperação. Durante esse período, passavam o crédito fiscal da coluna de passivos para a de activos, libertando os capitais desse peso. E o Estado assumia o ónus dessa dívida.
Mutualista perde isenção
É precisamente este mecanismo que será usado pela Associação para limpar o seu balanço. E para isso reclamou mesmo a perda da isenção de IRC de que beneficiava anteriormente, uma condição que a impedia de ter acesso a esse regime.Isso mesmo explica a dona do banco Montepio em comunicado: “Em 2017, a Associação Mutualista Montepio, que mantém o estatuto de IPSS, passou a estar sujeita a tributação em sede de IRC”.
E acrescenta, no enquadramento jurídico da decisão validada pelas Finanças, que pelo facto de comercializar modalidades mutualistas, no grupo Montepio Geral, que funcionam “como instrumentos de poupança ou previdência” que comparam com os concorrentes, desenvolve “operações económicas de carácter empresarial”. Deste modo, e citando a “resposta da Autoridade Tributária ao Pedido de Informação Vinculativa solicitado no âmbito do processo de fecho de contas”, adianta que a Associação Mutualista “desenvolve, a título principal, actividades de natureza comercial”, ficando numa situação que pode levar à perda desse direito, nesse caso, à perda da isenção de IRC que a impedia de ter acesso ao regime de activos por impostos diferidos.
Em resposta a questões do PÚBLICO sobre este tema, fonte oficial das Finanças esclarece, sem citar a situação específica da dona do Montepio, que “as IPSS podem gozar do benefício fiscal previsto no art.º 10.º do Código do IRC, que se traduz numa isenção automática de IRC quando preenchidos os respectivos requisitos”. No entanto, esta situação “não abrange os rendimentos empresariais derivados do exercício das actividades comerciais ou industriais desenvolvidas fora do âmbito dos fins estatutários”.
Assim, a mutualista assume que tem uma actividade comercial com rendimentos empresarias e as Finanças reconhecem que nesse caso pode perder a isenção de IRC. Mas ainda é preciso que incorra numa prática que efective essa perda de isenção, de entre três previstas na legislação. Segundo noticiou o Negócios, trata-se da “inexistência de qualquer interesse directo ou indirecto dos membros dos órgãos estatutários (...) nos resultados da exploração das actividades económicas” da sociedade. Isto é, a possibilidade de os administradores receberem prémios de desempenho, algo que terá sido usado pela equipa de Tomás Correia para perder uma isenção fiscal, de modo a poder aceder a créditos fiscais.
Balcões do Montepio ajudam
Adicionalmente, a Associação Mutualista explica que “o activo líquido teve uma variação positiva de 5,5%”, ao passo que “as receitas associativas registaram 711 milhões de euros (um acréscimo de 234 milhões de euros face a 2016)”. Já “o Grau de Cobertura das Responsabilidades assumidas com os associados ascende a 1,059 (acima dos 1,052 registados em 2016), estando acima dos valores médios de mercado”.
A entidade liderada por Tomás Correia diz ainda que perdeu sete mil associados (para um total de 625 mil), tendo no entanto as receitas associativas crescido 234 milhões de euros “para 711 milhões de euros, fruto da dinâmica do relacionamento associativo obtido através da rede dedicada de gestores mutualistas e do contributo da rede de balcões da Caixa Económica Montepio Geral”, sublinha no documento.
A Associação acrescenta que reconheceu imparidades “na Montepio Seguros e na Caixa Económica Montepio Geral no montante global de 233,4 milhões de euros”. No entanto, não dá mais pormenores sobre os resultados das duas participadas, que se encontram em processos de venda parcial, nem sobre as contas consolidadas do grupo Montepio, que terão gerado este nível de imparidades elevado que foi transformado no crédito fiscal de 808,6 milhões. Com Pedro Crisóstomo