Tourada: o bailado a ferros de Assunção Cristas

“Se pensar muito, muito, muito, muito, muito talvez [tenha pena dos animais], (…) mas olho para a tourada como um bailado”: Cristas quase obriga ao saudosismo das decisões irrevogáveis de Paulo Portas

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Javier Barbancho/Reuters

A Juventude Popular organizou uma tourada e a comunicação social instigou uma reacção da líder popular. Assunção Cristas não se atrapalhou e, sorrindo, foi lembrando que a tourada é como tudo na vida: há quem a venere, há quem a repudie, acrescentando que no CDS é uma tradição com um elevado número de aficionados. Falando em causa própria, Cristas confessou-se amante da prática tauromáquica, que não acompanha por falta de tempo. Pensando melhor, afirma que não é aficionada o suficiente. Até aqui, a intervenção vale o que vale. Gostemos ou não de touradas, a opinião e a liberdade de expressão são direitos irrevogáveis.

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A Juventude Popular organizou uma tourada e a comunicação social instigou uma reacção da líder popular. Assunção Cristas não se atrapalhou e, sorrindo, foi lembrando que a tourada é como tudo na vida: há quem a venere, há quem a repudie, acrescentando que no CDS é uma tradição com um elevado número de aficionados. Falando em causa própria, Cristas confessou-se amante da prática tauromáquica, que não acompanha por falta de tempo. Pensando melhor, afirma que não é aficionada o suficiente. Até aqui, a intervenção vale o que vale. Gostemos ou não de touradas, a opinião e a liberdade de expressão são direitos irrevogáveis.

Então vem a parvoíce, ou parolice, acompanhada do mesmo sorriso treinado. Questionada quanto à crueldade da prática, Cristas confessa que se perder algum do seu tempo — que é pouco, recorde-se — a “pensar muito, muito, muito, muito, muito” no assunto, talvez tenha pena dos animais.

O leitor dirá que a estupidez se escasseou. Mas está enganado. O sorriso parolo mantém-se erguido quando a senhora compara a tourada a um bailado. É “uma expressão de cultura”, garante. Nesse momento experimentei uma visão soturna, chegou-me a mostarda ao nariz e sentei-me para escrever. É que, mesmo assistindo-lhe o direito de chamar cultura ao que bem entender, em cultura é imperdoável comparar a arte com o sadismo.

Permitam-me revelar a terrível visão que me invadiu: imaginei a senhora Cristas confortavelmente sentada num qualquer teatro do burgo, assistindo a um bailado onde uma elegante bailarina, trajada a rigor, era instigada a correr contra um pano encarnado, enquanto outro bailarino lhe espetava ferros nas costas. Pior: imaginei-a com o sorriso parolo que já identifiquei, aplaudindo a cena ao lado de Pablo Picasso, só para relembrar ao mundo que os grandes artistas também eram aficionados.

Não escrevi o nome de Picasso ao acaso. Ainda na reacção solicitada, Cristas referiu o nome do pintor para provar que “naõ está” sozinha. Como se um talento não bastasse, mencionou ainda Ernest Hemingway. Pela boca morre o peixe. É que este famoso escritor, aficionado de lugar cativo, apreciava a prática mas considerava-a perfeitamente condenável. Uma hipocrisia que assumiu em Death in the Afternoon ao escrever: “Acho que, de um ponto de vista moral moderno, ou seja, um ponto de vista cristão, toda a corrida de touros é indefensável; há certamente muita crueldade, há sempre perigo, seja procurado ou de modo inesperado, e sempre existe a morte, e não deveria tentar defendê-la agora, só para dizer honestamente as coisas verdadeiras que encontrei acerca dela".

A opinião de um cidadão é permanentemente permitida, quando não do ponto vista moral, ao menos do constitucional, mas devo admitir que as palavras de Assunção Cristas me causaram asco. Atrevo-me até a afirmar que a senhora quase obriga ao saudosismo das decisões irrevogáveis de Paulo Portas.