Até Trump, “o grande negociador”, precisa de ajuda com Kim

O Presidente norte-americano abriu as portas a um encontro histórico numa altura em que a Casa Branca e o Departamento de Estado têm falta de negociadores experientes.

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Um encontro com o Presidente norte-americano é um desejo antigo da Croeia do Norte LUSA/FRANCK ROBICHON

Depois de 25 anos cheios de tímidos avanços e estrondosos recuos, os Estados Unidos puseram-se novamente a caminho das negociações com a Coreia do Norte, esta semana, de uma forma tão improvisada que seria impensável numa outra Administração que não a de Donald Trump. E os especialistas ficaram divididos: a abordagem dos EUA vai assentar apenas na autoproclamada competência do Presidente Trump para fechar negócios, ou estará a Casa Branca preparada para enfrentar os experientes negociadores norte-coreanos?

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Depois de 25 anos cheios de tímidos avanços e estrondosos recuos, os Estados Unidos puseram-se novamente a caminho das negociações com a Coreia do Norte, esta semana, de uma forma tão improvisada que seria impensável numa outra Administração que não a de Donald Trump. E os especialistas ficaram divididos: a abordagem dos EUA vai assentar apenas na autoproclamada competência do Presidente Trump para fechar negócios, ou estará a Casa Branca preparada para enfrentar os experientes negociadores norte-coreanos?

Na quinta-feira, o conselheiro de Segurança Nacional da Coreia do Sul, Chung Eui-yong, estava na Casa Branca para informar os responsáveis norte-americanos sobre o que tinha sido discutido na reunião do início da semana em Pyongyang, durante a qual o enviado sul-coreano falou com o líder norte-coreano, Kim Jong-un.

Segundo a agenda da Casa Branca, Chung Eui-yong e Donald Trump só deveriam encontrar-se esta sexta-feira, mas o Presidente norte-americano ouviu dizer que o enviado da Coreia do Sul andava por lá e mandou-o chamar à Sala Oval, conta o New York Times.

Assim que o Presidente norte-americano soube que Kim Jong-un estava "ansioso" por se encontrar com ele, a decisão foi imediata: Chung Eui-yong tinha de se preparar rapidamente porque iria ser ele a anunciar que o Presidente dos Estados Unidos estava disposto a aceitar o convite.

Ainda que o possível encontro entre os dois líderes não seja uma negociação formal, o facto de um Presidente norte-americano ter aceitado encontrar-se com um Presidente norte-coreano é algo com que o pai e o avô de Kim Jong-un só poderiam sonhar – e logo da forma como isso aconteceu, sem que Trump tivesse pedido a opinião dos seus conselheiros e de um batalhão de experientes diplomatas.

Num sinal de que a estratégia da Casa Branca para abordar as conversações com a Coreia do Norte está ainda no início, horas antes de o Presidente ter decidido, em poucos minutos, abrir as portas a um encontro inédito com o líder norte-coreano, o secretário de Estado norte-americano, Rex Tillerson (que está em África), dizia que até poderia não haver negociação: "Estamos muito longe de negociações. Temos de ter os olhos bem abertos e ser muito realistas em relação a isso. Não sei se há condições para começarmos sequer a pensar em negociações."

Seja qual for a intenção de Trump ao aceitar encontrar-se com Kim (e seja qual for a hipótese de sucesso que o Presidente norte-americano acredite ter nesse encontro), alguns especialistas temem que a capacidade de iniciativa e a crença do Presidente norte-americano nas suas qualidades de negociador não sejam suficientes para deixarem a península coreana – e o resto do mundo – mais perto da paz. Antes de se conhecerem os próximos passos, só há uma certeza: Trump é o primeiro Presidente norte-americano a dizer publicamente que admite sentar-se à mesa com o líder norte-coreano, uma decisão que era vista pela diplomacia norte-americana há décadas como um sinal de legitimação do regime de Pyongyang.

"O Departamento de Estado sofreu uma hemorragia de linguistas coreanos e de antigos negociadores. Eles vão enviar pessoas com 30 anos de experiência. É um grande desafio", disse ao Washington Post Douglas H. Paal, especialista em assuntos asiáticos no Carnegie Endowment for International Peace. Uma tarefa ainda mais complicada se se levar em conta o cepticismo de outros especialistas, como Robert Einhorn, da Brookings Institution, que foi um dos diplomatas nas negociações com a Coreia do Norte durante a presidência de Bill Clinton: "Duvido que Kim Jong-un tenha a mínima intenção de abdicar das armas nucleares."

Para além da falta de funcionários experientes na Casa Branca e no Departamento de Estado sobre questões relacionadas com a Coreia do Norte (uma situação para a qual contribuiu a suspensão das conversações durante a Administração Obama), os EUA partem também para esta importante e difícil etapa com alguns problemas por resolver: o principal representante do Departamento de Estado para a Coreia do Norte, Joseph Yun, anunciou a saída do cargo no fim de Fevereiro; e, em mais de um ano, a Administração Trump ainda não conseguiu nomear um embaixador para Seul.