O autómato, o rival, a aliada: quem é quem no novo Governo alemão
O Executivo alemão toma posse para a semana com vários ministros novos. Para o quarto mandato, Merkel trouxe políticos mais jovens, incluindo um adversário, e o SPD também renovou nas pastas-chave.
O Governo que mais tempo demorou a formar na Alemanha do pós-guerra toma posse na próxima semana, quase meio ano depois das eleições. No quatro mandato de Angela Merkel, os conservadores de Angela Merkel aliam-se mais uma vez aos sociais-democratas, mas o executivo não é uma mera repetição do anterior: cargos chave como as Finanças, Negócios Estrangeiros ou Interior mudam de mãos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O Governo que mais tempo demorou a formar na Alemanha do pós-guerra toma posse na próxima semana, quase meio ano depois das eleições. No quatro mandato de Angela Merkel, os conservadores de Angela Merkel aliam-se mais uma vez aos sociais-democratas, mas o executivo não é uma mera repetição do anterior: cargos chave como as Finanças, Negócios Estrangeiros ou Interior mudam de mãos.
Chanceler, Angela Merkel
A chanceler dos últimos 12 anos na Alemanha inicia o que será o seu último mandato. Quando anunciou o óbvio – que iria candidatar-se mais uma vez – Merkel disse que o queria cumprir até ao final. A líder europeia há mais tempo no poder poderá, no entanto, passar o mandato antes disso. Se o fizer, sublinhou o analista Frank Decker à emissora Deutsche Welle, seria a primeira vez que um chefe de Governo alemão saía por vontade própria. Nas últimas semanas, Merkel deu sinais de preparar uma sucessão.
No quarto mandato, Merkel tem, entre outros, o desafio interno de lidar com a maior força da Alternativa para a Alemanha (AfD) no Parlamento, e o desafio europeu lançado pelo Presidente francês, Emmanuel Macron, de reformas para a zona euro.
Vice-chanceleria e Ministério das Finanças, Olaf Scholz (SPD)
Olaf Scholz vai ser o homem mais poderoso do SPD no Governo: vice-chanceler e ministro das Finanças. Na sua pasta, promete ser parecido e diferente do seu antecessor, Wolfgang Schäuble: respeitar a santidade do “zero negro” no orçamento, expressão usada pelos alemães para caracterizar contas públicas sem nova dívida, mas também já declarou que o Governo alemão não quer dar lições aos países sobre o modo como se desenvolvem, abrindo caminho a uma visão diferente para a zona euro.
Jurista de profissão, Scholz não é conhecido por ter particular elegância na oratória, e por isso recebeu a alcunha de Scholz-o-mat, uma espécie de autómato que debita uma resposta predefinida conforme a palavra-chave na pergunta.
Próximo do antigo chanceler Gehard Schröder, Scholz não é um estreante numa “grande coligação” – foi ministro do Trabalho do Governo de Merkel entre 2007 e 2009. Foi nos últimos anos um raro trunfo eleitoral no SPD, vencendo a câmara (e o governo) da cidade-estado de Hamburgo em 2011 e mantendo-a nas eleições seguintes.
Criticou de modo aberto e forte a liderança de Schulz após o resultado eleitoral desastroso do SPD nas eleições de Setembro, perfilando-se como candidato à sua sucessão. Scholz e a líder parlamentar Andrea Nahles, que está prestes a assumir a presidência do partido, são as caras actuais do SPD.
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Heiko Maas (SPD)
Heiko Maas, 51 anos, é um político experiente que ocupou o Ministério da Justiça no Governo cessante e que recebe uma pasta que permitiu a Sigmar Gabriel tornar-se num dos políticos mais populares da Alemanha. Gabriel saiu do cargo não por dúvidas sobre o seu desempenho mas sim pelas críticas públicas que fez aos líderes do partido, deixando assim uma pressão acrescida sobre Maas para um cargo muito visível e em que lidará com as relações cada vez mais complicadas da Alemanha não só com a Rússia ou Turquia, mas também com os EUA ou a China.
Maas empenhou-se no último executivo na lei contra o discurso de ódio na Internet, que impõe duras multas às redes sociais por conteúdo proibido segundo a lei alemã, uma lei que foi, no entanto, alvo de críticas por deixar demasiado poder às redes sociais, cujos moderadores não sabem distinguir o que é humor e já apagaram posts de publicações como a revista satírica Titanic.
Ministério da Saúde, Jens Spahn (CDU)
A “jovem promessa” da CDU é também o principal crítico de Angela Merkel, e vários no partido mediam o empenho da chanceler na renovação do partido pela inclusão ou não de Spahn (37 anos) no Executivo. A chanceler chamou-o no que muitos vêem como uma manobra de manter os adversários perto, e deixar que sejam testados: a pasta da Saúde é cheia de perigos e desafios e dará a Spahn oportunidade para se mostrar, ou falhar.
Eleito deputado da CDU aos 22 anos, discípulo de Schäuble nas Finanças, Spahn foi muito crítico da política de refugiados de Merkel, e defende o regresso à raiz conservadora do partido, embora com uma excepção – Spahn casou com o seu companheiro depois da aprovação da lei do “casamento para todos”, que recebeu vários votos contra de elementos da liderança da CDU, incluindo de Merkel.
Ministério da Economia, Peter Altmaier (CDU)
Peter Altmaier recebeu “um prémio de consolação” com o ministério da Economia, diz o diário Frankfurter Allgemeine Zeitung, justificando a afirmação com a perda de importância do ministério, que tem sido ocupado pelo SPD nos executivos de Merkel. Altmaier, 59 anos, o antigo chefe de gabinete e “solucionador de problemas” de Angela Merkel, era considerado “o homem mais poderoso de Berlim”. Era ele quem dava a cara pelos argumentos de Merkel e os defendia nos media. Agora, o fiel aliado da chanceler e apologista do seu caminho centrista no partido, será “apenas” ministro da Economia. Nesta pasta, já prometeu dedicar-se especialmente à defesa das Pequenas e Médias empresas (“Mittestand”), que são a coluna vertebral da economia alemã.
Ministério do Interior, Horst Seehofer (CSU)
O líder da CSU, o partido gémeo da CDU na Baviera, vai ocupar um cargo ministerial de peso em Berlim, um Ministério do Interior com mais responsabilidades (Construção e “Heimat”, palavra de difícil tradução, entre a pátria e o país natal, que traz a ideia de “casa”). Seehofer reverte assim a sua fortuna que vinha a descer no próprio partido – a CSU escolhera Markus Söde, seu rival de Seehofer, para ficar à frente do Governo bávaro e ser o candidato nas eleições no estado-federado deste ano.
Enquanto líder da Baviera, cargo que ocupava desde 2008, Seehofer destacou-se pelas críticas à política de Merkel permitir a entrada de refugiados em 2015 – e desde então vinha a insistir na fixação de um limite máximo, algo a que a chanceler sempre resistiu. Os dois protagonizaram um desentendimento bastante público que durou meses e provocou algum desgaste.
Seehofer (68 anos) já foi ministro de Governos nacionais, antes, da Saúde e Segurança Social (1992-1998), e da Agricultura (2005-2008). Foi presidente do Bundesrat, o Conselho das Regiões, e nessa qualidade ocupou interinamente a presidência alemã após a demissão de Christian Wulff em Fevereiro de 2012 e a eleição de Joachim Gauck um mês depois.
Ministério da Defesa, Ursula von der Leyen (CDU)
Ursula von der Leyen, 59 anos, esteve sempre em todas as coligações lideradas por Angela Merkel, na pasta da Família e depois do Trabalho e Assuntos Sociais. Em 2013 recebe uma missão mais espinhosa, o Ministério da Defesa, e foi a primeira mulher a ter este cargo na Alemanha. Tida como a eterna candidata à sucessão de Merkel para quem, no entanto, a hora não chegava, a sua imagem saiu algo manchada pelo modo como lidou com escândalos no Exército durante o ano passado, em especial o de um plano de um militar levar a cabo um atentado com o objectivo de atribuir a culta a um refugiado. Apesar disso, mantém-se no cargo, o que lhe dá hipótese de recuperar – embora na sucessão haja entretanto candidatas muito mais bem posicionadas, como Annegret Kramp-Karrenbauer, também ela próxima de Merkel e eleita com entusiasmo secretária-geral da CDU, a segunda posição mais importante no partido.
Ministério da Agricultura, Julia Klöckner (CDU)
Julia Klöckner, 45 anos, é muito próxima de Merkel, mas o seu resultado eleitoral nas últimas eleições no seu estado federado da Renânia-Palatinado, em que não conseguiu derrotar o SPD, deixou-a numa situação desfavorável. A sua nomeação para o Governo dá-lhe uma hipótese de recuperar a imagem.
Ministério da Família, Franziska Giffey (SPD)
A nomeação de Franziska Giffey, 39 anos, é um caso algo excepcional porque passa da política local para um governo nacional sem ter sido primeiro eleita para o Parlamento. Giffey ganhou reputação de política hábil e que se preocupa com as pessoas enquanto presidente de Neukölln, município de Berlim, com mais de 300 mil habitantes, muitos deles estrangeiros – jovens europeus chegados após a crise do euro, refugiados sírios e os mais antigos turcos-alemães – e com reputação de zona problemática por alta taxa de desemprego e insucesso escolar.
Outros
A CDU ocupa ainda o Ministério da Educação com Anja Karliczek, 46, que foi uma surpresa, e a CSU tem ainda os Ministérios dos Transportes (Andreas Scheuer, 43, a face da renovação) e do Desenvolvimento (Gerd Müller, 62, mantém o cargo).
O SPD terá uma nova Ministra do Ambiente – Barbara Hendricks anunciou a saída abrindo caminho a Svenja Schulze, de 49 anos, que fez até agora carreira política na Renânia do Norte-Vestefália, Katarina Barley ocupa a pasta da Justiça (deixada livre por Heiko Maas), e Hubertus Heil, 45 anos, deputado desde 1998, será o novo ministro do Trabalho.