A Presidência quase paritária de um chefe de Estado "quase feminista"

Marcelo Rebelo de Sousa disse-o pouco depois de tomar posse: “A igualdade de género é uma forma de estar”. A sua Presidência é a mais feminina de sempre: 40% da sua equipa são mulheres.

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Na tomada de posse do novo CEMA, à esquerda de Marcelo, as assessoras Diná Azevedo (Força Aérea) e Ana Martinho (relações Internacionais) DR/Presidência da República

Foi o próprio Marcelo Rebelo de Sousa que o disse, mal tomou posse: “Sou, por dever moral e por sentimento, quase um Presidente feminista”. O primeiro chefe de Estado da democracia sem uma primeira-dama tem, no entanto, a maior percentagem de mulheres de sempre na sua equipa. São 14 mulheres em 35 – só para falar de assessoras e consultoras (os cargos de nomeação), o que corresponde a uma percentagem de 40%.

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Foi o próprio Marcelo Rebelo de Sousa que o disse, mal tomou posse: “Sou, por dever moral e por sentimento, quase um Presidente feminista”. O primeiro chefe de Estado da democracia sem uma primeira-dama tem, no entanto, a maior percentagem de mulheres de sempre na sua equipa. São 14 mulheres em 35 – só para falar de assessoras e consultoras (os cargos de nomeação), o que corresponde a uma percentagem de 40%.

A grande estreia no feminino aconteceu na tradicionalmente masculina Casa Militar. A piloto-aviadora da Força Aérea Diná Azevedo, recentemente promovida a coronel, foi a primeira mulher europeia a pilotar os aviões-radar Boeing da NATO e acabou por ser a primeira comandante de esquadra de saltos altos. Voltou a desbravar caminhos de género ao tornar-se a primeira mulher a ocupar o cargo de assessora na Casa Militar da Presidência da República.

Por detrás de um sorriso aberto e fácil, existe a fibra de um líder militar e Diná é reconhecida por isso. Em Belém, é ela quem comanda as operações sempre que o Presidente viaja em voos militares – e são muitos –, quem produz e analisa informação sobre a realidade da Força Aérea, as reformas que vão sendo feitas e o estado de espírito dos efectivos, e ainda prepara as visitas do comandante supremo das Forças Armadas àquele ramo militar.

Acaso ou não, em Janeiro entrou ao serviço da Casa Militar uma segunda mulher, desta vez a primeira ajudante de campo de saias, também ela da Força Aérea. O Presidente da República tem sempre três ajudantes de campo, um de cada ramo das Forças Armadas, que o acompanham, a curta distância, em qualquer deslocação no país ou no estrangeiro.

Outra mulher de armas, mas já na Casa Civil, é a assessora para a Segurança Nacional – um cargo criado na anterior Presidência mas que agora é também ocupado, pela primeira vez, por uma mulher. Mafalda Gama Lopes, que desempenhou o mesmo cargo no gabinete de Passos Coelho, pertence aos quadros do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), sendo conhecida pelas suas qualidades como analista de informações. Em Belém, ocupa-se principalmente de assuntos ligados à Administração Interna – Protecção Civil, PSP, GNR, SEF e informação classificada.

Na Casa Civil, não há outras estreias absolutas, mas há uma maior densidade (e variedade) política no feminino. A assessoria para as Relações Internacionais, por exemplo, já tinha sido desempenhada por uma mulher no último mandato de Cavaco Silva – Ana Isabel Martinha, que antes fora assessora jurídica do próprio Cavaco, mas também de Jorge Sampaio e Mário Soares, cumprindo 30 anos em Belém. Agora, o cargo é ocupado pela diplomata dos diplomatas, já que, antes de Belém, a embaixadora Ana Martinho era a secretária-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a quem cabe gerir a rede diplomática portuguesa pelo mundo.

Antiga colega de Marcelo Rebelo de Sousa na Faculdade de Direito, Ana Martinho deixou este cargo a meses de atingir o limite de idade (completa 70 anos em Maio) para substituir em Belém José Augusto Duarte, entretanto colocado como embaixador em Pequim. O seu percurso mostra um perfil político: durante os governos de Cavaco Silva, foi assessora do gabinete do primeiro-ministro e chefe de gabinete do ministro das Finanças. Esteve no gabinete de Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia e foi representante permanente junto da OCDE e da OSCE.

No gabinete das Relações Internacionais estão mais três mulheres como consultoras: Vanda Sequeira, Isabel Pestana e Mariana Mira Corrêa (e apenas um homem, Helder Joana). Esta última fez a assessoria da campanha eleitoral de Marcelo, juntamente com Madalena Botelho e Duarte Vaz Pinto, que também ficaram na equipa presidencial, estes dois como assessores para o desporto, juventude e proximidade.

Na Educação, Isabel Alçada também não é a primeira mulher consultora presidencial, mas é a primeira vez que uma antiga ministra ocupa o lugar, com a particularidade de ter integrado um governo socialista e ser agora escolhida por um social-democrata. Isabel Alçada optou por não ser assessora – o assessor é o professor João Mata – para poder continuar a sua actividade como escritora para a infância e juventude, mas é ela a principal criadora dos já famosos Escritores no Palácio e Cientistas no Palácio, que têm feito de Belém um ponto de encontro entre autores ou cientistas e estudantes do secundário, numa iniciativa inédita e de grande sucesso.

Helena Nogueira Pinto, assessora para a Cultura, também vem de uma área política diferente da do Presidente: é filiada no CDS-PP, partido pelo qual foi candidata, nas últimas autárquicas, à Junta de Freguesia da Misericórdia (Lisboa). E também tem experiência de Governo: ocupou vários cargos no anterior Governo de coligação de direita, primeiro no gabinete do secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, depois na equipa do secretário de Estado Pedro Lomba.

Tal como na Educação, há também um consultor de peso na Cultura: Pedro Mexia, que tal como Isabel Alçada também preferiu não abdicar da sua vida profissional e da exposição que tem no programa Governo-Sombra, da TSF. Juntamente com Helena Nogueira Pinto, Mexia tem colocado de pé a Festa do Livro de Belém, mais uma iniciativa que abre o palácio presidencial ao povo, desta vez em torno dos livros, sempre com a presença feliz do chefe de Estado.

Funções executivas teve também a actual secretária do Conselho de Estado: Rita Magalhães Colaço foi subdirectora-geral da Saúde entre Novembro de 1999 e chefe de gabinete do ministro das Finanças Bagão Félix. Hoje, ocupa um dos cargos mais discretos (e secretos) da Presidência.

Neste ecumenismo político, Marcelo Rebelo de Sousa foi buscar, para consultora para os assuntos do Trabalho, a secretária-geral adjunta da União Geral de Trabalhadores (UGT), Paula Bernardo. O seu trabalho é mais discreto, mas ter em Belém alguém com assento na concertação social não é de somenos. A escolha ter recaído sobre uma sindicalista diz também muito sobre o perfil de escolhas de Marcelo Rebelo de Sousa: é ela quem trata de todas as questões e situações laborais que chegam a Belém, podendo ajudar a resolver assuntos já não como consultora, mas encaminhando para o universo sindical.

Mas um dos rostos femininos mais visíveis da Presidência, pela presença quase constante nas iniciativas e visitas presidenciais, é Maria João Ruela, a assessora para os Assuntos Sociais – um dos temas a que Marcelo tem dado mais visibilidade na Presidência. As pessoas conhecem-na bem: antes de ser convidada por Marcelo, a jornalista era pivô da SIC, estação da qual fez parte da equipa fundadora e ao serviço da qual, enquanto repórter de guerra no Iraque, levou um tiro numa perna.

Hoje, é ela que trata de todos os temas sociais, dos sem-abrigo aos refugiados, passando pelos idosos, pessoas com deficiência, desempregados, fazendo a ponte com misericórdias e IPSS e com todas as estruturas em que seja possível ajudar a resolver problemas de cariz humanitário.

Last, but not least, temos a única senhora que Marcelo manteve da equipa anterior: Teresa Sanches era consultora junto do chefe da Casa Civil e ali se mantém, na sombra, como o cargo quer. E como quer o Presidente, a Constituição e os bons costumes. “A única pessoa que foi eleita foi o Presidente da República, todos nós trabalhamos para o servir e servir o país”, disse ao PÚBLICO o assessor para a Comunicação Social, Paulo Magalhães. “Nenhum de nós utiliza a Presidência para se catapultar em favor de interesses pessoais ou profissionais”, acrescenta. Ou, como diz um antigo assessor de outros Presidentes, “a Casa Civil é a corte do Presidente e não tem qualquer autonomia nem significado de per se”.