Comissão Europeia diz que reforma do IRS aumenta desigualdade

Famílias na metade mais alta da distribuição do rendimento são as mais beneficiadas, defende a Comissão, que reconhece neste relatório que não se verificaram os seus receios relativamente ao aumento do salário mínimo.

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Moscovici explicou a melhoria da “nota” a Portugal com os avanços “inquestionáveis” no desempenho da economia OLIVIER HOSLET/EPA

As mudanças introduzidas pelo Governo no IRS durante este ano têm um efeito regressivo, resultando numa “mais desigual distribuição do rendimento”, defendeu esta quarta-feira a Comissão Europeia.

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As mudanças introduzidas pelo Governo no IRS durante este ano têm um efeito regressivo, resultando numa “mais desigual distribuição do rendimento”, defendeu esta quarta-feira a Comissão Europeia.

No relatório sobre Portugal realizado no âmbito do Pacote de Inverno do Semestre Europeu apresentado em Bruxelas, o executivo liderado por Jean-Claude Juncker analisa, recorrendo ao seu modelo de simulação EUROMOD, o impacto para os contribuintes e os cofres do Estado das medidas introduzidas no Orçamento do Estado para 2018 no que diz respeito ao IRS: a eliminação completa da sobretaxa, a introdução de dois novos escalões no imposto e a actualização do valor do mínimo de existência que está isento da aplicação do imposto.

De acordo com os cálculos da Comissão, todas as medidas aplicadas têm efeitos positivos no rendimento disponível das famílias, mas quando se olha para os impactos em termos de distribuição, a conclusão é a de que as mudanças reduzem carácter progressivo do imposto. “Tanto a reversão total da sobretaxa para os escalões mais elevados como a mudança na estrutura dos escalões conduz a aumentos do coeficiente de Gini, implicando uma mais desigual distribuição do rendimento”, diz a Comissão, que assinala que esse efeito é apenas “marginalmente compensado” pelo aumento do mínimo de existência.

Se em relação à sobretaxa não há dúvidas em relação ao efeito regressivo da sua eliminação em 2018 (eram os escalões mais altos que estavam ainda a pagar na totalidade em 2017), no que diz respeito à alteração da estrutura de escalões do IRS, a Comissão explica que “como os cinco decis mais baixos já estavam ou na sua maioria isentos do pagamento de imposto ou apenas pagavam a taxa do escalão mais baixo, a mudança na estrutura para os escalões intermédios beneficia principalmente os cinco decis mais altos do rendimento”.  

E quanto ao aumento do mínimo de existência, a Comissão diz que “beneficia principalmente o rendimento disponível médio para o quinto decil. Sendo assim, conclui a Comissão, “o impacto global em termos de distribuição mostra um padrão regressivo, com os principais beneficiários a serem as famílias na metade mais alta da distribuição do rendimento”.

Quando apresentou a proposta de OE, o Governo garantiu que embora a redução do imposto nos níveis de rendimento mais baixos se repercuta nos patamares acima, a forma como a reformulação foi desenhada anulou esse efeito para os contribuintes que então estavam nos dois patamares de rendimento mais altos. E simulações feitas pela PwC para o PÚBLICO revelam que, nessas situações, a descida do imposto que se verifica deve-se apenas e só ao facto de a sobretaxa ter deixado de existir.

Outro ponto em que a Comissão apresenta simulações diferentes das do Governo é no impacto nos cofres públicos das alterações realizadas. Excluindo o efeito da eliminação da sobretaxa, a Comissão diz que a mudança no IRS irá resultar numa perda de receita de 470 milhões de euros, um valor acima dos 385 milhões de euros projectados pelo Governo no OE.

Salário mínimo não travou emprego

No relatório agora publicado, a Comissão Europeia analisa também o efeito que os aumentos que têm vindo a ser realizados no salário mínimo está a ter no mercado de trabalho. Ao longo dos últimos anos, Bruxelas avisou por diversas vezes o Governo de que esse tipo de medida poderia ter impactos negativos na criação de emprego, principalmente para os menos qualificados. No entanto, agora afirma que “as subidas do salário mínimo apoiaram o rendimento dos trabalhadores de salários baixos e não parecem ter afectado negativamente a criação de emprego”.

A Comissão explica este resultado com o facto de, em Portugal, se ter registado uma “expansão dos sectores intensivos em trabalho como o turismo e a construção”. E alerta que a subida do salário mínimo está a conduzir a “uma compressão da estrutura salarial”, colocando uma percentagem muito grande de trabalhadores perto do salário mínimo, que se encontra a um nível relativamente próximo do salário mediano. Isto tem como consequência, defende a Comissão, uma redução do prémio salarial que é atribuído a quem tem mais qualificações.